O estresse oxidativo, definido como um excesso das espécies reativas a oxigênio (ROS, da sigla em inglês) tem sido associado à doença neurodegenerativa, doença cardiovascular, diabetes mellitus e muitas outras patologias. Artigo na Cancer Cell discute a correlação entre estresse oxidativo e câncer, mostrando como altos níveis de ROS influenciam a evolução do câncer. Afinal, como compreender a influência do estresse oxidativo no desenvolvimento do câncer e em sua evolução? O oncogeneticista José Claudio Casali da Rocha (foto), médico do AC Camargo Cancer Center, analisa os pontos-chave do artigo de Hayes e colegas.
Os autores sublinham que as espécies reativas a oxigênio influenciam a evolução do câncer de maneiras aparentemente contraditórias, iniciando / estimulando a tumorigênese e apoiando a transformação / proliferação de células cancerígenas ou causando a morte celular. Hayes et al. também descrevem que para acomodar altos níveis de ROS, as células tumorais modificam o metabolismo à base de enxofre, a geração de NADPH e a atividade dos fatores de transcrição antioxidante. “No início, mudanças genéticas permitem a sobrevivência celular sob altos níveis de ROS ativando fatores de transcrição antioxidante ou aumentando NADPH pela via das pentoses-fosfato (PPP). Na progressão e metástase, as células tumorais se adaptam ao estresse oxidativo aumentando as NADPH de várias maneiras, incluindo a ativação da via AMPK”, registra o artigo.
Metabolômica tumoral é novo foco da oncologia de precisão
Por José Cláudio Casali
O ecossistema tumoral está na moda e a ecologia tumoral que começou com os componentes celulares do estroma tumoral, agora se extende para meio acelular, tão hostil até mesmo para as células malignas. É incrível a capacidade adaptativa das células tumorais à hipóxia e aos efeitos tóxicos do oxigênio. Não é a toa que a desregulação mitocondrial foi incorporada ao modelo original de Hannah e Weinberg como uma das hallmaks do câncer.
As espécies reativas de oxigênio, como são categorizados os ROS, variam desde a inócua água oxigenada (H2O2) até espécies altamente reativas que podem danificar macromoléculas intracelulares, incluindo ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs) e ácidos nucleicos. A hiperproliferação das células tumorais é acompanhada de uma alta produção de ROS, mas elas se adaptam conseguindo proliferar mesmo com essa alta carga oxidativa. Enquanto que a peroxidação lipídica deveria causar efeitos inflamatórios, senescência e apoptose, as células tumorais ativam seus mecanismos de equilíbrio redox, aumentando a transcrição de fatores antioxidante para otimizar a proliferação e assim, desviando-se da morte por senescência, apoptose ou ferroptose.
O mecanismo é complexo, formado por uma rede de sensores celulares de estresse ativados em cadeia dependendo dos níveis de ROS. A célula tumoral responde ao estresse oxidativo prolongado inicialmente com a ativação de KLF9 que causa e a regulação negativa de NRF2 até atingir seu limite máximo. Quando os níveis excessivos de ROS saturam a resposta pelo NFR2, outros mecanismos de redox adicionais levam a respostas orquestradas de outros fatores de transcrição antioxidantes, modulando genes como NRF2, BACH1, AP-1, FOXO, HIF1A, NFKB, TP53, PTEN e ATM, de forma estratificada e sequencial. Cada fator de transcrição é ativado em um limiar ROS distinto e o resultado são várias respostas celulares distintas de reprogramação metabólica, reparo de danos, parada do ciclo celular, senescência, apoptose e ferroptose.
A resposta ao estresse oxidativo das células tumorais também é um fator de pressão seletiva, especialmente nos tumores mais avançados, e podem explicar os efeitos deletérios do uso de antioxidantes no desenvolvimento metastático com a propagação de diferentes tipos de clones tumorais.
O artigo deixa claro que a metabolômica tumoral é a nova área de foco da oncologia de precisão, com potencial de revelar novas armas terapêuticas antioxidantes contra o câncer, tendo como alvo as vias redox e de homeostase para atingir seletivamente o tecido tumoral enquanto protege as células normais.
Referência: Hayes, J. D., Dinkova-Kostova, A. T., & Tew, K. D. (2020). Oxidative Stress in Cancer. Cancer Cell. doi:10.1016/j.ccell.2020.06.001