Gustavo Viani (na foto, à esquerda), professor e médico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, é primeiro autor de estudo que aponta escassez de 121% na oferta de radioterapia no Brasil. Os resultados foram publicados online 14 de março no Lancet Oncology. O radio-oncologista Fabio Ynoe Moraes, professor assistente no Departamento de Oncologia na Queen’s University, é o autor sênior do trabalho.
Viani e colegas apontam uma discordância substancial entre a distribuição dos casos de câncer e a disponibilidade de aceleradores lineares (LINAC) no Brasil. “Desenvolvemos uma ferramenta usando o índice de escassez de LINACs para ajudar a priorizar o desenvolvimento da infraestrutura de radioterapia em todo o Brasil e talvez no mundo”, descrevem os autores.
Neste estudo transversal, de base populacional, para validar o índice de desabastecimento do LINAC foram utilizados dados das estimativas de câncer do Instituto Nacional do Câncer 2020, do Censo de Radioterapia 2019 do Ministério da Saúde, dos relatórios do programa de expansão da radioterapia do Ministério da Saúde e do banco de dados da Fundação Oncocentro de São Paulo. Os dados coletados referem-se ao número de novos casos de câncer no Brasil, número de LINACs por região e estado, número de casos de câncer tratados com radioterapia, estado de residência do paciente, centro e local de tratamento de radioterapia.
A análise considerou dados nacionais, regionais e estaduais. A partir desses dados, os pesquisadores estimaram o número de aceleradores lineares, a incidência de câncer, distribuição geográfica e necessidades de radioterapia. “Um índice de escassez de LINAC foi calculado como uma medida relativa da demanda do LINAC em comparação com a oferta baseada no número de novos casos de câncer, número de pacientes que necessitam de radioterapia e o número de LINCAS na região ou estado. Em seguida, construímos uma estrutura de priorização usando o índice de escassez da LINAC, incidência de câncer e fatores geográficos. Por fim, usando dados de registro público de câncer da Fundação Oncocentro de São Paulo e mapas do Google, estimamos a distância geoespacial percorrida por pacientes com câncer de seu estado de residência para tratamento de radioterapia em São Paulo, de 2005 a 2014”, descrevem os autores. Estatísticas não paramétricas foram utilizadas para análise.
Os resultados, coletados entre 2 de fevereiro e 31 de dezembro de 2021, revelam vazios de assistência. Em 2020, havia 625 370 novos casos de câncer no Brasil e 252 máquinas LINAC. “O número de LINACs foi inadequado em todas as regiões brasileiras, com um índice nacional de escassez de LINAC de 221 (ou seja, 121% menos do que a capacidade de radioterapia necessária). O índice de escassez do LINAC foi maior nas regiões centro-oeste (326), norte (313) e nordeste (237), do que nas regiões sudeste (210) e sul (192)”, revela o estudo.
Entre os estados com pior oferta de radioterapia estão Tocantins, Acre, Amapá e Roraima, “devido à indisponibilidade de LINACs”. A análise mostra associação entre o índice de escassez do LINAC e o número de pacientes que viajaram para receber radioterapia (p<0,0001). Pacientes residentes nas regiões centro-oeste (793 km), norte (2.835 km) e nordeste (2.415 km) percorreram áreas médias significativamente maiores para receber tratamento radioterápico em São Paulo na comparação com pacientes residentes nas regiões sudeste ou sul (p=0,032). O número reduzido de LINACs nessas regiões foi associado à maior distância percorrida (p=0,032).
Os autores concluem que há uma discordância substancial entre a distribuição dos casos de câncer e a disponibilidade do LINAC no Brasil. “O índice de escassez de LINACs pode ajudar a priorizar o desenvolvimento da infraestrutura de radioterapia em todo o Brasil”, destacam.
Referência: Gustavo A Viani, Andre G Gouveia, Vanessa F Bratti, Juliana F Pavoni, Richard Sullivan, Wilma M Hopman, Christopher M Booth, Ajay Aggarwal, Timothy P Hanna, Fabio Y Moraes, Prioritising locations for radiotherapy equipment in Brazil: a cross-sectional, population-based study and development of a LINAC shortage index, The Lancet Oncology, 2022, ISSN 1470-2045, https://doi.org/10.1016/S1470-2045(22)00123-1.