Ainda sem regulamentação pelas agências de saúde em todo mundo, inclusive no Brasil, o cigarro eletrônico vem sendo celebrado pelos fabricantes, que propagam seus “benefícios” de olho em um mercado multibilionário. Uma nova pesquisa, no entanto, sugere que alguns cigarros eletrônicos podem produzir níveis semelhantes de agentes cancerígenos encontrados nos cigarros convencionais.
Ainda sem regulamentação pelas agências de saúde em todo mundo (inclusive no Brasil), ele vem sendo celebrado e estimulado pelos fabricantes, que propagam seus “benefícios” de olho em um mercado multibilionário que cresce a passos largos
A tecnologia se desenvolve mais rápido do que a ciência, e pouco ainda se sabe sobre as implicações do seu uso.
Uma nova pesquisa, no entanto, sugere que alguns cigarros eletrônicos podem produzir níveis semelhantes de agentes cancerígenos encontrados nos cigarros convencionais. Segundo o estudo, publicado dia 15 de maio no periódico Nicotine & Tobacco Research, os chamados e-cigarettes de alta potência podem produzir formaldeído, um conhecido agente cancerígeno.
Glicerina e propilenoglicol são os solventes de nicotina mais utilizados em cigarros eletrônicos. Quando submetidos a altas temperaturas, eles podem sofrer uma decomposição de compostos de carbonilo de baixo peso molecular, incluindo os agentes cancerígenos formaldeído e acetaldeído.
Os agentes cancerígenos formaldeído e acetaldeído foram encontrados em 8 de 13 amostras. As quantidades de formaldeído e acetaldeído encontradas no vapor de cigarros eletrônicos de baixa tensão foram, respectivamente, 13 e 807 vezes mais baixas do que no fumo do tabaco utilizado no cigarro convencional. O aumento de tensão de 3,2 a 4,8 volts resultou em 4 a mais de 200 vezes no aumento dos níveis de formaldeído, acetaldeído e acetona, sendo que os níveis de formaldeído nos vapores do dispositivo de alta tensão foram semelhantes aos relatados no fumo cigarro convencional.
A descoberta sugere que quando exposto a um calor intenso, o cigarro eletrônico pode expor seus usuários a níveis semelhantes de formaldeído cancerígeno quando comparado com o cigarro convencional. O especialista em cessação de fumo Daniel Deheinzelin, do Hospital Sírio-Libanês, explica que entre os fatores cancerígenos do cigarro está o calor. “A fumaça produzida pela queima do tabaco pode chegar na boca a 300, 400 graus, temperatura que se mantém por milésimos de segundos, mas é suficiente para queimar a mucosa da boca. Essa é uma das causas do câncer de cabeça e pescoço em fumantes”, diz.
Cessação do tabagismo
Outro argumento dos defensores do cigarro eletrônico é seu uso como estratégia de redução de risco ou auxílio para o interromper o vício. Um estudo publicado dia 20 de maio no periódico Addiction comparou iniciativas de cessação do tabagismo e concluiu que o cigarro eletrônico foi mais eficaz que outros métodos de reposição de nicotina como adesivos e gomas de mascar.
A análise retrospectiva coletou informações de 5.863 fumantes maiores de 16 anos através de entrevistas pessoais e pesquisas assistidas por computador. Todos os participantes tinham feito pelo menos uma tentativa de parar no ano passado, e os dados foram recolhidos de 2009 até 2014.
Entre os pesquisados, 464 fizeram uma tentativa de parar utilizando apenas o cigarro eletrônico, 1.922 utilizaram outros métodos de reposição de nicotina e 3477 fizeram uma interrupção abrupta, sem utilizar nenhum artifício. Entre os 464 usuários do cigarro eletrônico, 20% relataram sucesso (93 pessoas). Dos 3477 participantes que não utilizaram nenhuma ajuda, 15,4% (535 pessoas) relataram uma tentativa bem sucedida.
O desenho do estudo dividiu opiniões e lançou dúvidas sobre sua conclusão. Uma limitação importante do estudo foi a sua dependência do auto-relato, com nenhum teste de nicotina no sangue, urina ou saliva para validar essas afirmações.
Apesar de terem sido feitos ajustes para idade, sexo, status social, abandono do vício abrupto ou gradual, tentativas anteriores ano passado e nível de dependência de nicotina, os ajustes não consideraram, por exemplo, que os cigarros eletrônicos eram mais utilizados por fumantes mais jovens, que tiveram pontuações mais baixas de dependência da nicotina.
Os resultados devem ser observados com cautela. Segundo Deheinzelin, além de manter o vício em nicotina, o cigarro eletrônico promove a manutenção da questão comportamental. “O fumante tem dois tipos de dependência. Uma dependência química, a abstinência de nicotina, e uma abstinência comportamental, do hábito de fumar. O cigarro eletrônico transmite a ideia de que a pessoa vai continuar fumando, mantendo o hábito, o gestual”, afirma Deheinzelin.
Há cerca de um mês, um estudo publicado no British Medical Journal mostrou que adolescentes que fazem uso do e-cigarette tem sete vez mais chances de partir para o cigarro convencional no período de um ano em comparação com aqueles que nunca experimentaram o cigarro eletrônico. Isso significa que além do gestual, o cigarro eletrônico cumpre o papel não apenas de manter a pessoa viciada em nicotina, mas de atrair novos usuários. “Ele parte do princípio que o e-cigarette é seguro, não vai dar câncer, mas acaba ficando viciado em nicotina do mesmo jeito. Em termos de dependência de nicotina ele é tão ou mais eficiente que o cigarro convencional. É uma nova maneira de manter a adição à nicotina”, finaliza.