Onconews - Cirurgia com paciente acordado no glioblastoma multiforme em áreas eloquentes

Marcos DellarettiEstudo publicado no Lancet Oncology (2022) avaliou o benefício do mapeamento cerebral com paciente acordado na abordagem de glioblastomas, com base na idade do paciente, morbidade neurológica pré-operatória e status de desempenho Karnofsky (KPS). “Os autores demostram que esta técnica pode ser usada por neurocirurgiões durante ressecções de glioblastomas em áreas eloquentes para aumentar a extensão da ressecção e diminuir possíveis déficits neurológicos”, diz Marcos Antonio Dellaretti Filho (foto), médico do Departamento de Neurocirurgia da Santa Casa de Belo Horizonte e do Hospital Mater Dei, que comenta os principais resultados.

Neste estudo de coorte multicêntrico internacional (GLIOMAP), foram recrutados pacientes de quatro centros terciários na Europa e Estados Unidos. Os pacientes elegíveis tinham idade entre 18 e 90 anos, diagnóstico histopatológico de glioblastoma primário, tumor em localização eloquente ou quase eloquente e lesão com realce unifocal. Os pacientes foram submetidos a mapeamento cerebral acordado ou em anestesia geral, conforme decisão do médico assistente ou do tumor board.

Os pesquisadores utilizaram escore de propensão (1:3) para combinar pacientes do grupo acordado com aqueles do grupo da anestesia geral; para criar uma coorte pareada, subgrupos de pacientes foram estratificados por idade (<70 anos vs ≥70 anos), por Escore do National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS) (pontuação de 0–1 vs ≥2) e KPS (90–100 vs ≤80) no pré-operatório. “Usamos regressões de risco proporcional de Cox para analisar o efeito do mapeamento acordado nos desfechos primários, incluindo déficits neurológicos pós-operatórios (medidos pela deterioração no escore NIHSS em 6 semanas, 3 meses e 6 meses de pós-operatório), sobrevida global e sobrevida livre de progressão. Usamos regressão logística para analisar o valor preditivo do mapeamento acordado e outros fatores perioperatórios nos resultados pós-operatórios”, esclarecem os autores.

Os resultados mostram que entre 1º de janeiro de 2010 e 31 de outubro de 2020, 3.919 pacientes foram recrutados e 1.047 pacientes com ressecção para glioblastoma primário foram incluídos na análise. Após o pareamento por escore de propensão, a coorte combinada total compreendeu 536 pacientes, dos quais 134 tiveram craniotomias acordado e 402 tiveram ressecção sob anestesia geral. Na coorte pareada, a craniotomia com o paciente acordado resultou em menos déficits neurológicos em 3 meses (26 [22%] de 120 vs 107 [33%] de 323; p = 0,019) e 6 meses (30 [26%] ] de 115 vs 125 [41%] de 305; p=0,0048), maior sobrevida global (mediana de 17,0 meses [IC 95% 15,0–24,0] vs 14,0 meses [13,0] –16·0]; p=0,00054) e maior sobrevida livre de progressão (mediana 9,0 meses [8,0–11,0] vs 7,3 meses [6,0–8,8]; p =0,0060).

Nas análises de subgrupo, menos déficits neurológicos pós-operatórios ocorreram em 3 e 6 meses com paciente acordado versus ressecção sob anestesia geral em indivíduos com menos de 70 anos (3 meses: 22 [21%] de 103 vs 93 [34%] de 272; p = 0,016; 6 meses: 24 [24%] de 101 vs 108 [42%] de 258; p=0,0014). No subgrupo com pontuação do NIHSS de 0–1, os resultados também mostram benefício do mapeamento com paciente acordado (3 meses: 22 [23%] de 96 vs 97 [38%] de 254; p=0,0071; 6 meses: 27 [28%] de 95 vs 115 [48%] de 239; p=0·0010), assim como naqueles com KPS de 90–100 (3 meses: 17 [19%] de 88 vs 74 [35%] de 237; p=0·034; 6 meses: 24 [28%] de 87 vs 101 [45%] de 223, p=0,0043). 

No subgrupo mais velho (> 70 anos), os autores descrevem que menos déficits neurológicos pós-operatórios foram observados no grupo acordado em 3 meses (dois [13%] de 16 vs 15 [43%] de 35; p = 0,033). No entanto, não foi observada diferença aos 6 meses para pacientes com pontuação NIHSS ≥2 (3 meses: três [13%] de 23 vs 21 [36%] de 58; p = 0,040) e aos 6 meses naqueles com KPS de 80 ou inferior (cinco [18%] de 28 vs 34 [39%] de 88; p=0,043; nenhuma diferença foi observada em 3 meses).

Na população abaixo de 70 anos, a sobrevida global mediana foi maior para o grupo acordado (19,5 meses [IC 95% 16,0–31,0] vs 15,0 meses [13,0–17,0]; p<0·0001) em pacientes com pontuação NIHSS de 0–1 (18,0 meses [16,0–31,0] vs 14,0 meses [13·0–16·5]; p=0·00047) e KPS de 90–100 (19,0 meses [16,0–31,0] vs 14,5 meses [13,0–16,5]; p=0,00058). A sobrevida livre de progressão mediana também foi maior em pacientes com menos de 70 anos (9,3 meses [IC 95% 8,0–12,0] vs 7,5 meses [6,5– 9,0]; p=0,0061) naqueles com pontuação NIHSS de 0–1 (9,5 meses [9,0–12,0] vs 8,0 meses [6,5–9,0]; p=0,0035) e KPS de 90–100 (10,0 meses [9,0–13,0] vs 8,0 meses [7,0–9,0]; p=0 ,0010). Nenhuma diferença foi observada na sobrevida global ou sobrevida livre de progressão entre o grupo acordado e o grupo da anestesia geral para aqueles com 70 anos ou mais com escores NIHSS de 2 ou superior, ou KPS de 80 ou inferior.

“Esses dados podem ajudar os neurocirurgiões na avaliação de estratégias cirúrgicas em pacientes com glioblastoma”, concluem os autores, lembrando que esses achados serão validados e explorados nos estudos SAFE (NCT03861299) e PROGRAM (NCT04708171).

Marcos Antonio Dellaretti Filho, também Professor adjunto do Departamento de Cirurgia da UFMG e Docente/Pesquisador da Faculdade Santa Casa de Belo Horizonte, destaca que o mapeamento cerebral com paciente acordado melhorou a sobrevida global e sobrevida livre de doença, principalmente em pacientes com menos de 70 anos, com pré-operatório de NIHSS 0-1, ou KPS pré-operatório de 90-100. ”Este ponto é especialmente importante nos casos de pacientes com menos de 65 anos, onde estudos recentes demonstram que a ressecção da captação de contraste e de parte do edema melhoram o prognóstico. Desta forma, além dos limites anatômicos, deve-se considerar os limites funcionais para ressecção do glioblastoma, e a mais segura de definir os limites funcionais é o mapeamento cerebral com paciente acordado”, analisa.

Referências:

DOI: https://doi.org/10.1016/S1470-2045(22)00213-3