Em reunião extraordinária, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovou no dia17 de março a liberação do uso da fosfoetanolamina sintética, antes mesmo do registro pela Anvisa. Em posicionamento oficial sobre o tema, a Anvisa ressalta que “liberar medicamentos que não passaram pelo devido crivo técnico é colocar em risco a saúde da população e retirar a credibilidade da Anvisa e dos próprios medicamentos fabricados no país".
O Projeto de Lei 4639/2016 já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, dia 8 de março. Na terça-feira, 15 de março, menos de uma semana após chegar da Câmara, o projeto recebeu o apoio da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado (CCT). Agora, após a aprovação na CAS, o PL segue com pedido de urgência para a última votação no plenário do Senado. Se aprovado, a Anvisa terá de autorizar os laboratórios que farão a produção e distribuição da fosfoetanolamina sintética.
Segundo o senador Acir Gurgacz (PDT-RO), relator do texto na CAS, os testemunhos de regressão e cura do câncer pelo uso da fosfoetanolamina justificam a aprovação do projeto. "Trata-se de resposta terapêutica espetacular, quando comparada a qualquer medicamento antineoplásico disponível no mercado brasileiro e mundial. A fosfoetanolamina será um alento para milhares de famílias", afirmou.O líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE) é mais cauteloso e teme a liberação da substância sem a realização de testes que comprovem sua eficácia e segurança. Segundo Costa, é papel da Anvisa, e não do Congresso, autorizar a produção e o uso de medicamentos. "Além do problema de segurança do consumo de medicamentos, a liberação da fosfoetanolamina será uma sinalização negativa de que é o Congresso [e não a agência] que aprova ou reprova a produção de medicamentos."
O projeto está sob consulta pública e os cidadãos podem opinar por meio do Portal e-Cidadania, do Senado. Verificado às 17 horas de hoje (18/03/2016), a consulta pública contava com 6489 opiniões, sendo 6319 a favor e 170 contrárias à aprovação da substância.
Comunidade científica é contrária
Contrários de maneira unânime à liberação do uso da substância sem passar pelos trâmites necessários, a Anvisa, o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e a Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC) vêem com preocupação a aprovação do Projeto de Lei, que tem acontecido em velocidade alarmante nas esferas governamentais.
Para o oncologista Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), o que vem acontecendo em relação à fosfoetanolamina é abaixo da crítica. “É tudo o que o Brasil não precisa. Estamos vivendo uma crise institucional imensa, temos vários problemas para o legislativo resolver, inclusive problemas políticos, e se resolve aprovar uma substância sem nenhum embasamento técnico, de maneira oportunista. Acho que essa é a palavra, não tem outra. Mais uma vez é o uso eleitoral e populista de qualquer tipo de informação”, critica.
Segundo Fernandes, os senadores com os quais a SBOC teve a oportunidade de entrar em contato dizem entender o ponto defendido pela Sociedade, mas afirmam que não têm como negar o uso da substância para a população. “Ou seja, eles estão precisando tirar o foco dos outros problemas querendo aprovar alguma coisa como se fosse uma boa notícia. Quem vai ter que pedir desculpas no futuro para os brasileiros pela vergonha que isso está sendo frente ao mundo são os senhores deputados e senadores”, lamenta.
Em nota, a Anvisa informou que não há nenhum pedido protocolado para a realização de ensaios clínicos ou solicitação de registro dessa substância e, por isso, é absolutamente descabido acusar a Agência de qualquer demora em processo de autorização para uso da fosfoetanolamina. “O que há, de fato, é que uma substância que é utilizada há tantos anos nunca foi testada de acordo com as metodologias científicas internacionalmente utilizadas, para comprovar sua segurança e eficácia. Da mesma forma, os desenvolvedores dessa substância nunca procuraram estabelecer um processo produtivo em fábrica legalmente estabelecida e certificada para operar com qualidade”, afirma.
A Agência ressalta que qualquer medicamento novo desenvolvido no Brasil, ou de uso relevante em saúde pública, recebe tratamento prioritário para as análises da Agência. “Ou seja, se os desenvolvedores da fosfoetanolamina, ou qualquer grupo de pesquisa do País, protocolarem solicitação para realizar os estudos clínicos que comprovem sua segurança e eficácia, a Anvisa o analisará com presteza e rapidez. Da mesma forma, receberá total prioridade de análise se algum fabricante apresentar o dossiê com os documentos técnicos necessários para a solicitação de registro dessa substância como um medicamento”, acrescenta.
O Instituto Nacional de Câncer (INCA) reforça a real necessidade dos estudos, ‘já que seu uso pode acarretar riscos aos pacientes, frequentemente já debilitados, e impedir a identificação dos seus potenciais benefícios’.
Segundo comunicado enviado pela assessoria de imprensa, o Instituto apoia integralmente as pesquisas para o desenvolvimento da substância fosfoetanolamina. O INCA ressalta que a produção e uso de medicamentos nos país deve obedecer às regras e pareceres da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão especializado na área.
A Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC) também se manifestou, afirmando que até o momento não há dados suficientes que comprovem a eficácia e a segurança deste composto para se prescrever como modalidade de tratamento. “A inexistência de uma análise minuciosa e séria, com base nos critérios científicos aceitos mundialmente, além de seu registro definitivo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não permitem que a fosfoetanolamina sintética seja considerada como um medicamento. Não podemos apoiar a legalidade de algo que não apresenta valor médico”.
A SBC acrescenta que defende o debate às problemáticas em torno do combate ao câncer no país, sem oportunismos, a partir de atitudes mais responsáveis que visem sua efetividade no tratamento de uma doença de grande impacto para a saúde pública.
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