A Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) desenvolveu uma recomendação de consenso sobre o manejo conservador do câncer do colo do útero. O trabalho foi publicado no Journal of Surgical Oncology, em artigo que tem o cirurgião Glauco Baiocchi (foto) como primeiro autor.
Realizado entre março e setembro de 2020, o consenso contou com a participação de uma equipe multidisciplinar de 55 especialistas. Um total de 21 questões foram abordadas e atribuídas a grupos de especialistas que revisaram a literatura e elaboraram recomendações preliminares. Além disso, os coordenadores avaliaram as recomendações que foram classificadas por nível de evidência e, por fim, foram votadas por todos os participantes.
As questões incluíram tópicos controversos sobre avaliação tumoral, tratamento cirúrgico e vigilância no manejo conservador do câncer do colo do útero. Os dois tópicos com menores taxas de concordância foram o papel da abordagem minimamente invasiva na traquelectomia radical e preservação parametrial. Além disso, apenas três recomendações tiveram menos de 90% de concordância entre os participantes (preservação da fertilidade no Estágio Ib2, dispositivo antiestenose e transposição uterina).
“Poucos ensaios clínicos foram desenvolvidos em cirurgia para câncer do colo do útero; assim, a maioria das recomendações foi apoiada por baixos níveis de evidência. Abordamos tópicos importantes e inovadores no manejo conservador do câncer do colo do útero e nosso estudo pode contribuir para a literatura sobre o tema”, observaram os autores.
Recomendações
Para o tratamento conservador do estágio Ia1 sem invasão do espaço linfovascular (LVSI), a recomendação dos autores é que uma margem livre de lesões pré-malignas e invasivas deve ser alcançada (nível de evidência: III; grau de recomendação: A).
A avaliação pré-operatória em candidatas à traquelectomia radical deve incluir exame físico, biópsia ou conização, e exame de imagem inclui ressonância magnética pélvica (Nível de evidência: III; Grau de recomendação: A).
A cirurgia de preservação da fertilidade é contraindicada para carcinoma neuroendócrino e não há evidências contra a tentativa de preservação da fertilidade para casos incomuns de adenocarcinomas e não relacionados ao HPV (Nível de evidência: III; Grau de recomendação: B).
Em relação à traquelectomia radical, ela ainda é indicada como procedimento cirúrgico poupador de fertilidade nos estágios Ia2 e Ib1, não devendo ser substituída pela conização ou traquelectomia simples (Nível de evidência: III; Grau de recomendação: B).
O acesso cirúrgico preferencial para a traquelectomia radical deve ser por via vaginal ou aberta (Nível de evidência: I; Grau de recomendação: B). “A biópsia do LNS pode substituir linfadenectomia pélvica em estágios Ia1 com LVSI e Ib1 em candidatas à cirurgia poupadora de fertilidade quando realizada por uma equipe cirúrgica experiente nesta técnica (Nível de evidência: III; Grau de recomendação: B). Além disso, SLNs e qualquer linfonodo suspeito devem ser enviados para a seção de congelação durante a cirurgia de preservação da fertilidade (Nível de evidência: III; Grau de recomendação: A)”, ressaltam os autores.
Na doença estágio Ib2 para mulheres com grande desejo de preservar fertilidade, a quimioterapia neoadjuvante parece ter melhores resultados em comparação com a traquelectomia radical inicial, no entanto, sem estudo prospectivo apoiando qualquer abordagem (Nível de evidência: IV; Grau de recomendação: C)”, afirmam os autores. “Apesar de alguns relatos de casos, a fertilidade a cirurgia poupadora para o Estágio Ib3 não deve ser recomendada (Nível de evidência: V; Grau de recomendação: A)”, acrescentam.
A cerclagem uterina é um passo necessário para prevenção da incompetência cervical e deve ser feito no momento da traquelectomia radical (Nível de evidência: III; Grau de recomendação: A). Os autores recomendam dispositivos anti-estenose para prevenção de estenose cervical após traquelectomia radical (Nível de evidência: IV; Grau de recomendação: C). “A estenose cervical deve ser tratada com dilatação quando os sintomas ou antes da tentativa de gravidez (Nível de evidência: IV; Grau de recomendação: B)”, afirmam.
O tratamento padrão após o laudo patológico final indicar tratamento adjuvante devido a fatores de risco intermediários para recorrência (“critérios de Sedlis”) é a radioterapia pélvica adjuvante (Nível de evidência: I; Grau de recomendação: A). Em caso de linfonodo positivo, margem, ou invasão parametrial, há indicação de quimiorradiação (Nível de evidência: I; Grau de recomendação: A).
Para a vigilância após a preservação da fertilidade, recomenda-se exame físico a cada 4 meses durante os primeiros 2-3 anos, e a cada 6 meses até 5 anos de seguimento. A utilização de exames de imagem deve ser individualizada, e as pacientes devem ser aconselhadas sobre vacinação contra o HPV (Nível de evidência: IV; Grau de recomendação: B).
Os autores ressaltam que recorrências de NIC1 após conização ou traquelectomia devem ser seguidas. NIC2+ deve ser tratado com conização, se viável, ou procedimentos ablativos se a fertilidade ainda for desejada. “Em caso de recorrência invasiva após a conização, uma traquelectomia radical ainda pode ser recomendada se os critérios formais forem seguidos. Para mulheres que tiveram uma traquelectomia radical anterior, tumores maiores (>2 cm), ou sinal de disseminação extrauterina, o manejo conservador não é possível e a paciente deve ser tratada com histerectomia ou radioterapia (Nível de evidência: V; Grau de recomendação: B)”, observam.
O documento destaca ainda que após a traquelectomia radical, a vigilância obstétrica deve incluir a avaliação do tamanho do colo do útero remanescente, confirmação da cerclagem e triagem para vaginose. A progesterona intravaginal também é recomendada (Nível de evidência: IV; Grau de recomendação: B).
Referência: Baiocchi G, Tsunoda AT, Guitmann G, Vieira MA, Zanvettor PH, Silvestre JBCH, Santos MH, Sacramento RMM, de Araujo EO, Lopes RH, Falcao D, Lopes A, Schmidt R, Lyra JS, Almeida HIB, Casteleins WA, Cintra GF, Zanini LAG, Reis RJ, Coelho EG, Fin FR, Rezende V, Pançan TDM, Vieira SC, Silva JS, de Andrade MR, Carneiro VCG, Foiato TF, Ritt GF, Ianaze GC, Moretti-Marques R, Andrade CEMC, Maciel LF, Lira DL, Medeiros GM, Leite ALS, Cucolicchio GO, Tayeh MRA, Cruz RP, Guth GZ, Leal RMLV, Magno VA, Lopes FCO, Laporte GA, Pupo-Nogueira A, Barros AV, da Cunha JR, Pessini SA, Braganca JF, Figueiredo HF, Loureiro CMB, Bocanegra RED, Affonso RJ, Fernandes PHS, Ribeiro HSC, Batista TP, Oliveira AF, Ribeiro R. Brazilian Society of Surgical Oncology consensus on fertility-sparing surgery for cervical cancer. J Surg Oncol. 2022 Jul;126(1):37-47. doi: 10.1002/jso.26899. PMID: 35689582.