Onconews - Declaração para Melhoria da Atenção ao Câncer é entregue ao Ministério da Saúde

Movimento_TJCC___Site.jpgMédicos, organizações de pacientes e imprensa se reuniram dia 27 de julho, em São Paulo, para discutir as propostas da Declaração Para Melhoria da Atenção ao Câncer no Brasil, documento realizado em conjunto com mais de 50 entidades médicas e de apoio ao paciente de todo o país, que se reuniram para alinhar as principais demandas na oncologia nacional.

Durante o encontro foi apresentado o vídeo da entrega oficial do documento ao Ministério da Saúde, representado por Fausto Figueira, assessor especial do ministro Arthur Chioro, que se comprometeu a trabalhar para garantir avanços na atenção oncológica. “É um instrumento legítimo, de pressão da sociedade por melhorias. As organizações devem questionar o governo, e nosso papel é atendê-los. Quero afirmar que também queremos trabalhar todos juntos”, afirmou Figueira.
 
Participaram da mesa os oncologistas Antonio Carlos Buzaid e Fernando Cotait Maluf, do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes; Marisa Madi, diretora executiva do Icesp e coordenadora da Rede Hebe Camargo de Combate ao Câncer, representando a Secretaria Estadual da Saúde; José Salvador, chefe do transplante de medula óssea do Hospital Santa Marcelina; e Merula Steagall, presidente da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia).
 
“Ano passado nos reunimos no I Congresso Todos Juntos Contra o Câncer com a ideia de formar uma aliança, analisar a Política Nacional de Controle e Combate ao Câncer, identificar as principais lacunas e trabalharmos juntos para contribuir com o governo nesse aprimoramento do sistema”, afirmou a presidente da Abrale.
 
Além da análise da Política Nacional para Prevenção e Controle do Câncer, a elaboração do documentou levou em conta o artigo 196 da Constituição Federal, que garante o direito ao tratamento adequado ao cidadão, a e o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), realizado em 2010, que já havia apontado alguns aprimoramentos e estabelecido prazos para os ajustes do Ministério da Saúde. “Em 2013 vencia esse prazo e muitas dessas recomendações não foram cumpridas. Essa colaboração com o Ministério da Saúde é de extrema importância para que possamos encontrar soluções colaborativas”, acrescentou Merulla.
 
O documento está dividido em cinco pilares estruturais: prevenção, diagnóstico, tratamento, cuidados paliativos e gestão. Para cada item foi estabelecida uma meta, como por exemplo a redução do tempo de espera para a realização dos exames e para o início do tratamento, redução nas falhas de diagnostico, formação de centros regionais para diagnóstico precoce e simplificação do fluxo de referenciamento e encaminhamento no Serviço Único de Saúde (SUS). A ideia é monitorar o tempo de espera para os tratamentos através do levantamento junto dos pacientes, além da criação de um painel de bordo para monitorar os indicadores oficiais do governo.
 
“Esse documento foi feito a mil mãos. Passou por milhares de revisões, horas e horas de trabalho de todos nós, com o único objetivo de tentar melhorar a saúde no brasil. A monitoração é uma maneira de melhorar o atendimento em todas as áreas de extrema importância”, afirmou o oncologista Antonio Carlos Buzaid, que destacou a pesquisa clínica como uma maneira rápida de melhorar o cuidado no ambiente público e privado, reduzindo custos.
 
O oncologista Fernando Maluf destacou a necessidade de investimentos em prevenção, em sua opinião uma área muito importante onde é possível gastar muito menos e obter um grande impacto. “A prevenção primária, o estilo de vida é benéfico não só contra câncer, mas contra diabetes, hipertensão, doença cardíaca, entre outra patologias. A obesidade é crescente no país e sabemos que é responsável por 1/3 dos tumores do corpo humano. Enquanto em outros países nós vemos campanhas agressivas contra a obesidade, aqui não se fala muito nessa questão. Acho que esse é um aspecto muito importante desse documento, que pode impactar positivamente a nossa população”.
 
O especialista também ressaltou a importância do rastreamento em diversos tipos de câncer, como o colo de útero, que hoje nos países desenvolvidos é quase inexistente e no Brasil é epidêmico. “O rastreamento para nós é fundamental e esse documento coloca isso como uma pedra básica, de como vamos colocar pressão no sistema para que o rastreamento seja feito do modo mais eficaz. Como oncologista fico muito feliz que várias pessoas, de áreas diferentes da sociedade, estejam se mobilizando para ‘forçosamente’ sensibilizar aqueles que regem as políticas de saúde do país”. 

Regulação em oncologia 

Marisa Madi, representante da Secretaria da Saúde do estado de São Paulo, defendeu que muito já foi feito na área da oncologia, mas reconhece que ainda há um longo caminho a percorrer, e vê com bons olhos a iniciativa. “Essa mobilização da sociedade, essa procura por transparência é algo que contribui, e muito, para o debate e para a construção do atendimento. O gestor tem muita dificuldade de conseguir essas informações. Tenho certeza que todo esse movimento vai somar”.
 
Segundo Marisa, um gap importante na atenção oncológica do Estado é a radioterapia. “O Estado fez investimentos por conta própria e está aguardando ansiosamente o plano de expansão da radioterapia do Ministério da Saúde”, diz. Ela destaca a necessidade de trabalhar a integração e a gestão dos serviços, que ainda apresenta dificuldades na detecção precoce e no caminhar dos pacientes. “Uma das estratégias que a Secretaria tem trabalhado é a regulação. Hoje existe uma central de regulação em oncologia, junto à estrutura de regulação do estado. Ela está em implantação, mas já tem os referenciais técnicos de encaminhamento, já existe um mapeamento desses serviços e as vagas estão sendo incorporadas paulatinamente a essa central de regulação. A regulação unificada da oncologia em todo o estado é uma estratégia muito importante”. 

Democratização do atendimento

As diferenças regionais na prestação de serviços do câncer, além da necessidade de mais investimentos na saúde pública foram enfatizadas por José Salvador, do Hospital Santa Marcelina. Segundo ele, a assistência à saúde no pais não é democrática. “No SUS os recursos não são suficientes, não preenchem as necessidades básicas da assistência oncológica. O câncer pediátrico, por exemplo, está bem dimensionado nos estados mais desenvolvidos, e muito pouco desenvolvido nas regiões norte e nordeste, onde precisamos de novas frentes na pediatria”, lamenta.
 
Para Salvador, é preciso democratizar. “Temos a classe política que se cuida nos grandes hospitais e têm o melhor tratamento. E o povo, onde fica? Temos que fazer todo dia essa pergunta e empreender para que todos tenham a mesma qualidade de tratamento e a mesma disponibilidade. Essa iniciativa representa um grande avanço e a sociedade precisa encarar de frente e fazer com que tenhamos mais desenvolvimento, mais recursos para a área da saúde”, concluiu. 

A experiência do paciente 

O evento contou ainda com depoimentos de pacientes, que ilustram bem as dificuldades de acesso e a demora no atendimento do sistema público. Roseane Oliveira Gomes, paciente de linfoma de Hodgkin, demorou cerca de 4 meses para conseguir o diagnóstico, mais dois meses para marcar a primeira consulta, o que atrasou o tratamento e fez com que ela fosse buscar na saúde privada a agilidade que precisava. “Antes de começar a quimioterapia tive que fazer uma biópsia da medula óssea, que pelo SUS iria demorar cerca de 4 meses. Tive que fazer esse tratamento no sistema privado”, contou.
 
Carlos Alberto Mazzuca, paciente de câncer de próstata, também não enfrentou a morosidade do sistema público. “Fui encaminhado para um urologista da rede pública, demorou 30 dias, e mesmo assim não foi possível fazer a consulta. O tempo estava correndo e resolvi fazer por conta própria. Procurei um centro de referência e fiz todo o meu estadiamento”, diz.
 
Hoje os pacientes estão bem, em parte pela possibilidade que tiveram de, em algum momento do seu tratamento procurar o atendimento privado para agilizar seu tratamento. E para aqueles que não têm essa possibilidade? Para a oncologista Nise Yamaguchi, que também esteve presente no evento, quando não oferecemos acesso aos tratamentos, ao diagnóstico e à eficiência dentro do sistema, estamos condenando pessoas a mortes lentas e desumanas. “Nosso papel nesse momento e levantar a voz por mais verbas e, principalmente, mais transparência na utilização dessas verbas”, ressaltou.