No Brasil, as desigualdades socioeconômicas existentes afetaram o curso da epidemia de COVID-19, com uma carga adversa desproporcional para estados e municípios com alta vulnerabilidade socioeconômica. O alerta é de pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, em artigo de Rocha et al. publicado na edição de junho do Lancet Global Health (vol.9, nº 6). “Políticas e ações direcionadas são necessárias para proteger aqueles com maior vulnerabilidade socioeconômica”, sustentam os autores.
Nesta análise, Rocha et al. consideraram diversas fontes publicamente disponíveis no Brasil, para obter dados sobre fatores de risco à saúde para COVID-19 grave (proporção da população com doença crônica e proporção com idade ≥60 anos), vulnerabilidade socioeconômica (proporções da população com vulnerabilidade habitacional ou sem trabalho formal ), capacidade do sistema de saúde (número de leitos de unidades de terapia intensiva e médicos), cobertura de saúde e assistência social, mortes por COVID-19 e respostas estaduais do governo em termos de políticas de distanciamento físico. Indicadores sobre a proporção da população que aderiu ao distanciamento físico e ao isolamento também foram considerados.
“Desenvolvemos um índice de vulnerabilidade socioeconômica (SVI) com base nas características das famílias e no Índice de Desenvolvimento Humano”, descrevem os autores. A análise incluiu dados nos níveis estadual e municipal, com estatísticas descritivas para caracterizar a relação entre a disponibilidade de recursos de saúde, características socioeconômicas e a propagação da epidemia, assim como a resposta de governos e populações em termos de novos investimentos, legislação e distanciamento físico. Para caracterizar a dinâmica das mortes por COVID-19 e a resposta à epidemia entre os municípios o estudo utilizou regressões lineares em um conjunto de dados municipais, de fevereiro a outubro de 2020.
Os resultados mostram que a propagação inicial da COVID-19 foi afetada principalmente por padrões de vulnerabilidade socioeconômica medida pelo SVI, ao invés do impacto da faixa etária da população e da prevalência de fatores de risco à saúde. “Os estados com um SVI alto (maior que a mediana) foram capazes de expandir a capacidade hospitalar, promulgar legislações rigorosas relacionadas ao COVID-19 e aumentar a adesão ao distanciamento físico, embora não o suficiente para prevenir maior mortalidade por COVID-19 durante a fase inicial da epidemia, em comparação com estados com baixo SVI”, destacam os autores.
“As taxas de mortalidade aceleraram até junho de 2020, principalmente nos municípios com maior vulnerabilidade socioeconômica. Ao longo dos meses seguintes, no entanto, as diferenças na resposta das políticas convergiram em municípios com SVIs mais baixos e mais altos, enquanto o distanciamento físico permaneceu relativamente mais alto e as taxas de mortalidade tornaram-se relativamente mais baixas nos municípios com os SVIs mais altos na comparação com aqueles com SVIs mais baixos”, conclui o estudo brasileiro.
Referência: Effect of socioeconomic inequalities and vulnerabilities on health-system preparedness and response to COVID-19 in Brazil: a comprehensive analysis - Rudi Rocha, PhD; Prof Rifat Atun, FRCP; Adriano Massuda, PhD; Beatriz Rache, MSc; Paula Spinola, MSc; Letícia Nunes, PhD; Miguel Lago, MSc; Prof Marcia C Castro, PhD - Open Access - Published: April 12, 2021 - DOI:https://doi.org/10.1016/S2214-109X(21)00081-4