Um estudo de coorte retrospectivo de base populacional publicado em abril no Journal of Clinical Oncology (JCO) mostrou que em mulheres menores de 65 anos o tratamento do câncer de mama com regimes baseados em trastuzumabe, incluindo aqueles sem antraciclinas, foi associado com um risco aumentado de cardiotoxicidade.
O estudo também indicou que a terapia sequencial (antraciclinas seguida de trastuzumabe) aumentou o risco de eventos hospitalares de insuficiência cardíaca congestiva (ICC).
O trabalho de Paaladinesh Thavendiranathan e colegas procurou determinar o risco de cardiotoxicidade relacionado à terapia de câncer de mama em mulheres com uma distribuição etária representativa da prática clínica de rotina, uma vez que a maioria dos estudos de base populacional sobre cardiotoxicidade relacionada com o tratamento se concentra em mulheres mais velhas.
“O estudo apresenta maior incidência de eventos cardiovasculares na população jovem com câncer de mama inicial do que já foi mostrado em trials e em algumas metanálises anteriores. Esse dado corrobora o fato de que a população de vida real, mesmo jovem, apresenta um risco cardiovascular basal maior do que a população estudada nos estudos (a prevalência de diabetes na população jovem submetida à terapia sequencial foi de 10%, enquanto que nos estudos essa taxa não passava de 4%”, explica a cardiologista Ariane Vieira Scarlatelli, consultora em cardio-oncologia do Grupo OncoClínicas e vice-presidente do grupo de estudos em cardio-oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia. “Embora o risco absoluto de eventos cardiovasculares no tratamento de câncer seja maior nos indivíduos idosos, o risco relativo é similar em jovens”, acrescenta.
Foram incluídas no trabalho mulheres adultas de 14 centros de câncer em Ontário, no Canadá, que receberam quimioterapia para câncer de mama estadios I a III entre 2007 e 2012. O tratamento foi categorizado em 4 diferentes grupos: quimioterapia baseada em antraciclina sem trastuzumabe, trastuzumabe com quimioterapia sem antraciclina, antraciclinas seguida de trastuzumabe (terapia sequencial) e quimioterapia sem antraciclina/trastuzumabe (outros tipos de quimioterapia).
O desfecho primário compreendeu tanto episódios de hospitalização ou visitas à emergência por insuficiência cardíaca congestiva, quanto diagnóstico ambulatorial de ICC ou morte cardiovascular.
Resultados
Das 18.540 mulheres incluídas (idade média, 54 anos; intervalo interquartil 47 a 63 anos), 79% eram menores de 65 anos. A incidência cumulativa do resultado primário foi de 3,08% (95% CI, 2,81% a 3,36%) por 3 anos de follow-up, enquanto que em uma amostra pareada por idade das mulheres sem câncer de mama (n = 92.700), a incidência foi de 0,96% (95% CI, 0,89% a 1,04%).
Em comparação com mulheres que receberam outros tipos de quimioterapia, as pacientes que receberam trastuzumabe com quimioterapia não-antraciclina e terapia sequencial tiveram maior risco de cardiotoxicidade (hazard ratio 1,76 [95% CI, 1,19 a 2,60] e 3,96 [95% CI, 3,01 a 5,22], respectivamente).
Os eventos hospitalares de insuficiência cardíaca congestiva apresentaram aumento apenas com a terapia sequencial (hazardratio, 1,86; 95% CI, 1,07 a 3,22).
Segundo Ariane, os resultados sugerem a necessidade de reconhecimento de que o risco de eventos cardiovasculares relacionados ao tratamento do câncer de mama, nos regimes sequenciais de antraciclina e trastuzumabe, ou mesmo nos regimes de trastuzumabe isolado, é maior mesmo em pacientes jovens, até então consideradas de baixo risco e que, por isso, muitas vezes tinham sua vigilância cardiovascular negligenciada. “A necessidade de vigilância e acompanhamento cardiovascular em jovens tratadas com trastuzumabe isolado ou associado a antraciclina deve ser feito de maneira similar ao que se faz com os pacientes idosos”, conclui.
Referência: Breast Cancer Therapy– Related Cardiac Dysfunction in Adult Women Treated in Routine Clinical Practice: A Population-Based Cohort Study – Paaladinesh Thavendiranathan, Husam Abdel-Qadir, Hadas D. Fischer, Ximena Camacho, Eitan Amir, Peter C. Austin, Douglas S. Lee - doi:10.1200/JCO.2015.65.1505JCO April 18, 2016 JCO651505