Onconews - ESMO atualiza diretrizes em neoplasias neuroendócrinas gastroenteropancreáticas

Rachel 3 NET OKA edição de julho do Annals of Oncology traz diretrizes atualizadas da ESMO para o tratamento de neoplasias neuroendócrinas gastroenteropancreáticas (GEP-NENs). “As diretrizes anteriores do European Neuroendocrine Tumour Society (ENETS) eram bem fragmentadas, separadas por sítio tumoral, por condição, se é ou não funcionante. O guideline da ESMO é abrangente e prático, trazendo recomendações nos principais cenários, em um só documento”, observa a oncologista Rachel Riechelmann (foto), membro do corpo docente do grupo de Tumores Neuroendócrinos, Neoplasias Endócrinas e Carcinomas de Primário Desconhecido (CUP) da Sociedade Europeia.

O conjunto de recomendações reforça a importância de decisões diagnósticas e terapêuticas baseadas em características-chave, como atividade proliferativa, expressão de receptores de somatostatina, taxa de crescimento tumoral e extensão da doença.

Neoplasias neuroendócrinas (NENs) surgem do sistema celular neuroendócrino difuso e podem ocorrer em muitos locais diferentes, mais frequentemente no sistema digestivo, seguido pelo pulmão. O foco principal dessas diretrizes está nas NENs esporádicas do intestino delgado (SI)-NEN e em tumores neuroendócrinos pancreáticos (Pan-NEN).

Pavel et al. descrevem aumento significativo na incidência de GEP-NENs, com evolução de mais de seis vezes entre 1997 e 2012 nos Estados Unidos, e mostram discreta variação por gênero, com homens mais afetados do que as mulheres. Segundo os autores, GEP-NETs de pâncreas, duodeno, estômago e, mais raramente, NETs do timo e pulmão também podem surgir no cenário da síndrome da neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (MEN1), assim como em contextos hereditários, observados em 5% dos casos.

O painel de especialistas lembra que testes de sequenciamento genômico revelaram que 17% dos PAN-NETs aparentemente esporádicos têm mutações na linha germinativa, incluindo alterações nos genes de reparo do DNA (p.ex. MUTYH, CHEK2, BRCA2). “Enquanto a maioria das NENs é esporádica, um histórico hereditário deve ser considerado, particularmente nas PAN-NETs”, recomenda a diretriz. “O teste genético deve ser realizado em pacientes com múltiplas neoplasias endócrinas (hiperparatireoidismo e / ou tumores da hipófise), histórico familiar de NENs ou doenças associadas e características suspeitas de doença hereditária, bem como em pacientes jovens (<40 anos de idade) com gastrinoma”, preconiza.

“As recomendações para solicitação de um painel para pesquisa de mutações germinativas é uma novidade dessas diretrizes, indicadas para pacientes com múltiplas neoplasias neuroendócrinas ou pacientes jovens com gastrinoma. Esse é um tema bem recente, que inclusive vai ser discutido na ESMO GI”, destaca Rachel.

Diagnóstico e estadiamento

Para diagnóstico patológico, a diretriz prevê relatório da morfologia, classificação e coloração imuno-histoquímica para cromogranina A e sinafofisina. A coloração para SSTR ou coloração específica para hormônios peptídicos e aminas, bem como o uso de marcadores moleculares, é opcional e depende de requisitos clínicos.

Rachel explica que a diretriz inclui a nova classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2017 e 2019, em que os tumores G3 são classificados em tumor neuroendócrino G3 versus carcinoma neuroendócrino. “Essas duas classes de NENs refletem biologicamente e geneticamente duas doenças diferentes, com prognósticos também distintos”, sublinha o painel de especialistas (TABELA I).

TABELA 1-WHO 2019 classification for gastroenteropancreatic NENs

Morphology

Grade

Mitotic count (2 mm2)a

Ki-67 Index (%)b

Well-differentiated NETs

G1

<2

<3

Well-differentiated NETs

G2

2–20

3–20

Well-differentiated NETs

G3

>20

>20

Poorly-differentiated NECs
• Small-cell
• Large-cell

G3

>20

>20

MiNEN

 

Tumour-like lesions

HPF, high-power field; MiNEN, mixed neuroendocrine/nonendocrine neoplasm; NEC, neuroendocrine carcinoma; NEN, neuroendocrine neoplasm; NET, neuroendocrine tumour; WHO, World Health Organization.

a - 10 HPF = 2 mm2, at least 40 fields (at ×40 magnification) evaluated in areas of highest mitotic density.

b - MIB1 antibody; percentage of 500–2000 tumour cells in areas of highest nuclear labelling.

No estadiamento, o guideline reforça a classificação TNM e o grau do tumor como os dois principais parâmetros prognósticos independentes.

Exames de imagem também são recomendados, com critérios bem definidos. A SSTR de corpo inteiro deve fazer parte do estadiamento, dos exames de imagem no pré-operatório e em situações de reestadiamento. “Recomenda-se 68Ga / 64Cu-SSTR-PET-CT, mas, se não disponível, a SRS pode ser usada, embora seja consideravelmente menos sensível. Nesse caso, SRS deve incluir imagens de seção transversal pelo SPECT”, propõem os autores.

A diretriz de conduta prevê que a RM deve ser preferida em comparação com a TC para a detecção de lesões no fígado, pâncreas, cérebro e ossos, enquanto a TC é preferida para imagens dos pulmões.

Pavel et al. lembram que o uso de FDG-PET é opcional nas NENs e deve ser adotado individualmente, equilibrando as vantagens potenciais com os custos.

Doença localizada

Os autores destacam que a cirurgia é o tratamento de escolha para doenças locais ou locorregionais  (NET G1 e G2) e lembram que a avaliação pré-operatória das PAN-NETs localizadas deve levar em consideração o tamanho do tumor, a presença de sintomas inespecíficos, atividade funcional, localização da lesão e sinais de invasão local.

A diretriz chama a atenção para distinções na conduta, de acordo com o tamanho das lesões. Para Pan-NETs ≤2 cm, o painel sugere uma abordagem conservadora com vigilância, que consiste em imagens anuais de alta qualidade. Já em lesões > 2 cm, o risco de metástases nodais aumentado justifica a recomendação de pancreatectomia padrão (pancreaticoduodenectomia ou pancreatectomia distal) com linfadenectomia regional.

O painel de especialistas também dedicou atenção especial aos pacientes não candidatos à cirurgia. “A presença de características de alto risco (por exemplo, tamanho de tumor limítrofe grande e / ou Pan-NEC G3 de alto grau) deve desencorajar uma abordagem cirúrgica inicial”, sustenta o guideline.

Outro tópico destacado diz respeito às NENs esporádicas do intestino delgado. Neste caso, o painel recomenda a ressecção radical macroscópica de SI-NETs localizadas, juntamente com a linfadenectomia mesentérica sistemática. “A cirurgia também é recomendada na presença de SI-NETs localmente avançadas, pois a presença de grande massa mesentérica pode causar obstrução intestinal aguda ou crônica e / ou isquemia intestinal localizada / difusa”, descreve a publicação.

Doença metastática

Em GEP-NETs no estágio IV, a abordagem cirúrgica é indicada em pacientes selecionados, que mostram doença hepática exclusiva ou predominante, após avaliação cuidadosa da classificação do tumor, distribuição das lesões metastáticas e local primário.

“A cirurgia inicial não é indicada na presença de metástases extra-abdominais e GEP-NENs de alto grau”, define a diretriz, que também contraindica a cirurgia diante de um NEC G3 avançado.

A ressecção paliativa pode ser considerada na doença avançada de SI-NETs , geralmente para prevenir complicações relacionadas à obstrução intestinal ou isquemia intestinal. “No entanto, é controverso se a remoção primária do tumor em pacientes com doença em estágio IV se traduz em melhora na sobrevida”, descreve a recomendação.

A diretriz da ESMO preconiza a cirurgia de Debulking para aliviar os sintomas em pacientes afetados por SI-NETs metastático e considera a possibilidade de indicar  debulking também em Pan-NETs avançados com sintomas não controlados relacionados à hipersecreção hormonal, ressalvando que a opção não deve ser considerada em pacientes com Ki-67> 10%.

Os tratamentos locorregionais vasculares e ablativos podem ser opção alternativa à ressecção em pacientes com lesões metastáticas irressecáveis.  “A escolha dos procedimentos depende da experiência local, da extensão e vascularização das lesões metastáticas e da localização do envolvimento hepático”, destacam os autores, lembrando que a terapia adjuvante não está indicada na doença G1 / G2, mas na doença agressiva (NEC G3), quando a quimioterapia adjuvante à base de platina pode ser considerada.

Para pacientes com síndrome carcinoide, Pavel et al. reforçam que análogos de somatostatina são a primeira linha de tratamento, com indicação também em alguns Pan-NETs funcionais raros.

“No geral, a grande maioria das recomendações são completamente aplicáveis no cenário brasileiro. A dificuldade maior é no sistema público de saúde, onde não estão disponíveis a pesquisa de painel de tumor germinativo, o PET-CT gálio68, utilizado para o estadiamento, além de vários medicamentos-alvo”, avalia Rachel. Segundo a oncologista, a maior dificuldade é no tratamento da doença metastática. “O SUS oferece a quimioterapia, que funciona nos neuroendócrinos de pâncreas, mas não nos tumores de midgut, e alguns serviços têm os análogos de somatostatina, geralmente financiado pela própria instituição. O paciente com tumor neuroendócrino tratado no SUS tem muito pouco recurso de tratamento, de estadiamento, e obviamente, de prolongamento de sobrevida. Infelizmente, ainda existe uma limitação muito grande”, diz.

A oncologista observa que a diretriz não cobre em detalhes manejo de síndromes funcionais raras, metástases ósseas, sequência de tratamento da síndrome carcinoide refratária e cardiopatia carcinoide, além de recomendações sobre como selecionar pacientes com NENs metastático para estratégia de watchful waiting. “É uma boa estratégia em pacientes com pouco volume de doença, tumores não funcionantes, assintomáticos, com curso de doença mais indolente. Geralmente pacientes com tumores de midgut”, esclarece.

Confira a íntegra do artigo, disponível em acesso aberto, com o conjunto das recomendações da ESMO para o tratamento de tumores neuroendócrinos gastroenteropancreáticos.

Referência: Pavel M, Öberg K, Falconi M, Krenning E, Sundin A, Perren A, Berruti A, on behalf of the ESMO Guidelines Committee, Gastroenteropancreatic neuroendocrine neoplasms: ESMO Clinical Practice Guidelines for diagnosis, treatment and follow-up†, Annals of Oncology (2020), doi: https://doi.org/10.1016/j.annonc.2020.03.304