Estudo de Fase III que avalia a radioterapia de resgate com dose intensificada (sRT) e seus efeitos na função erétil em homens com câncer de próstata com recorrência bioquímica após prostatectomia radical apresentou resultados até 5 anos de acompanhamento, demonstrando que o uso de sRT e a intensificação da dose no leito da próstata afetaram a dinâmica da função erétil desde o início do tratamento até cinco anos após a sRT. Bernardo Salvajoli (foto), radio-oncologista do ICESP e do HCorOnco, analisa os resultados.
Neste estudo multicêntrico randomizado (SAKK 09/10) foram elegíveis pacientes com evidência de falha bioquímica após prostatectomia radical e PSA ≤ 2 ng/ml na randomização. A disfunção erétil (DE) foi investigada como desfecho secundário em análise realizada de fevereiro de 2011 a abril de 2014 com pacientes que receberam sRT de 64 Gy ou 70 Gy. A disfunção erétil e a qualidade de vida (QV) foram avaliadas usando inquéritos validados (CTCAE v4.0; EORTC C30 e PR25) no início do estudo e até 5 anos após a sRT.
Os resultados foram relatados por Daniel R. Zwahlen e colegas na Clinical and Translational Radiation Oncology. Foram avaliáveis 344 pacientes. Após a prostatectomia radical, 197 (57,3%) pacientes apresentaram DE Grau 2, enquanto DE Grau 3 foi registrada em 147 (42,7%) pacientes. Pacientes com função erétil completa ou DE leve antes da sRT apresentaram piora de sua função erétil e o número de pacientes com DE grave aumentou durante os primeiros 12 meses. Após 5 anos, apenas 25% dos pacientes com DE inicial nula ou leve apresentaram preservação ou melhora do estado da função erétil como antes da sRT.
Intervalo de tempo mais curto entre a prostatectomia radical e o início do sRT (p = 0,007) e idade mais avançada na randomização (p = 0,005) foram preditores significativos para maior disfunção erétil basal e baixa atividade sexual a longo prazo. A idade (p = 0,010) e a técnica de RT (p = 0,031) tiveram impacto significativo na ocorrência de DE de longo prazo grau 3 e pior funcionamento sexual. Durante o acompanhamento, não foram encontradas diferenças na função erétil, atividade sexual e funcionamento sexual entre os braços de 64 Gy e 70 Gy.
A conclusão dos autores indica que a DE foi ainda mais afetada pela sRT, mas a intensificação da dose da sRT não mostrou impacto significativo na recuperação da função erétil ou na prevalência de DE de novo após a sRT. Idade, estágio do tumor, prostatectomia e técnicas de RT, preservação de nervos e tempo de observação foram associados aos resultados da função erétil em longo prazo.
“Em consonância com os resultados de estudos anteriores, nossos resultados mostraram que dois terços dos pacientes incluídos no estudo apresentavam disfunção erétil ou disfunção erétil leve antes da sRT e homens tratados com sRT experimentaram redução constante na função erétil após 1, 2 e 5 anos de acompanhamento, provavelmente como consequência da sRT”, destaca a análise.
A íntegra do artigo está disponível em acesso aberto.
Este estudo está registrado na plataforma ClinicalTrials.gov (NCT01272050).
O estudo em contexto
Por Bernardo Salvajoli, radio-oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital do Coração (HCorOnco)
O estudo SAKK 09/10, publicado originalmente em 2021 pelo grupo suíço, é um estudo de fase III que compara a radioterapia de salvamento com uma dose de 64Gy versus radioterapia escalonada com 70Gy. Os dados iniciais indicaram que, no cenário de radioterapia pós-operatória, a radioterapia escalonada (70Gy) não resultou em melhores desfechos oncológicos, mas sim em maior toxicidade gastrointestinal. Nesta nova publicação de 2024, eles apresentam uma análise do desfecho secundário, a disfunção erétil, com um seguimento mediano de 5 anos.
A disfunção erétil é um componente importante na decisão de tratamento e na preservação da qualidade de vida em pacientes com câncer de próstata. Quando a próstata está presente, essa discussão ocorre com frequência, pois temos duas modalidades de tratamento a serem escolhidas: radioterapia ou prostatectomia. Nessa situação, temos dados do estudo ProtecT, que mostra uma melhor preservação da função sexual e continência urinária com radioterapia e uma melhor função intestinal para o grupo da cirurgia. Já no cenário pós-prostatectomia, essa discussão ocorre com menos frequência, pois não temos várias opções tratamento nesse momento, mas ainda assim é um componente importante da discussão médico-paciente sobre possíveis efeitos colaterais e qualidade de vida.
A atualização do SAKK 09/10 revela alguns pontos interessantes. Cerca de 42% dos pacientes operados já apresentavam disfunção de grau 3 antes mesmo da radioterapia. Além disso, mostra que a radioterapia após a cirurgia piora significativamente a disfunção em aproximadamente 2/3 dos pacientes que previamente tinham disfunções de grau 0 a 2. Os principais preditores encontrados no estudo para a piora da disfunção foram um intervalo curto entre a cirurgia e a radioterapia, idade avançada e a técnica de radioterapia utilizada. Um fato curioso foi que a dose de radioterapia não impactou significativamente na piora do desfecho, talvez não seja um fator relevante ou a diferença entre 64 a 70Gy não seja suficiente para encontrarmos essa diferença. Aspectos cirúrgicos também se mostraram relevantes, sendo a técnica cirúrgica, a extensão tumoral e a preservação do feixe nervoso como fatores que podem contribuir para piores resultados.
A mensagem que fica é que a disfunção sexual é multifatorial, e discutir com o paciente e oferecer tratamentos mais modernos são ideais para um melhor desfecho da função erétil.
Referência: https://doi.org/10.1016/j.ctro.2024.100786