Estudo do Gynecologic Oncology Group (GOG-279) destacado em 2023 no congresso anual da Sociedade de Oncologia Ginecológica mostrou que cisplatina e gencitabina semanais concomitantes com IMRT melhoraram a resposta patológica completa em mulheres com carcinoma espinocelular vulvar irressecável. Os resultados estão agora em artigo de Horowitz et al. no Journal of Clinical Oncology (JCO). “O estudo GOG279 tem o potencial de mudar nossa prática clínica no tratamento do câncer de vulva localmente avançado”, diz Eduardo Paulino (foto), oncologista do INCA, que comenta os principais achados.
Neste estudo de fase II (NRG Oncology/GOG Study 279), de braço único, o objetivo foi avaliar a eficácia e a toxicidade da cisplatina (C) e da gencitabina (G) com radioterapia de intensidade modulada (IMRT) em pacientes com câncer vulvar localmente avançado inelegíveis para cirurgia.
As pacientes inscritas realizaram avaliação nodal inguinal-femoral pré-tratamento. Sessenta e quatro Gy de IMRT foram prescritos para a vulva, com 50-64 Gy administrados na virilha/pelve baixa. Os planos de radioterapia (RT) foram avaliados pré-tratamento. Durante a IMRT, as participantes receberam cisplatina 40 mg/m2 e gencitabina 50 mg/m2 administradas uma vez por semana. O endpoint primário foi a resposta patológica completa (RPC). A sobrevida livre de progressão (SLP) e a sobrevida global (SG) foram estimadas usando o método Kaplan-Meier. Os eventos adversos foram avaliados pela Common Terminology Criteria for Adverse Events v 4.0.
Um total de 57 pacientes foram incluídas e 52 foram avaliáveis. A idade média foi de 58 anos (variação de 25 a 58), majoritariamente brancas (94%). Quarenta (77%) apresentavam doença em estágio II ou III e todas apresentavam histologia escamosa.
As pacientes receberam uma mediana de seis ciclos de quimioterapia (variação de 1 a 8). Os autores descrevem que 85% dos planos de RT foram avaliados quanto à qualidade, com 100% de conformidade com o protocolo. Sete pacientes abandonaram o estudo devido à toxicidade ou retirada do consentimento. Das 52 pacientes disponíveis para avaliação patológica, 38 (73% [IC 90%, 61 a 83]) obtiveram RPC. Não foram realizadas exenterações pélvicas.
Em um seguimento mediano de 51 meses, os resultados mostram que a SLP em 12 meses foi de 74% (IC de 90%, 62,2 a 82,7) e a SG em 24 meses foi de 70% (IC de 90%, 57 a 79).
Em relação ao perfil de segurança, os eventos adversos de grau 3 ou 4 mais comuns foram toxicidade hematológica e dermatite por radiação. Houve um evento de grau 5 improvável relacionado ao tratamento.
A análise de Horowitz et al. concluiu que cisplatina e gencitabina semanais concomitantes com IMRT melhoraram a RPC em mulheres com carcinoma espinocelular vulvar localmente avançado não passível de ressecção cirúrgica.
Em síntese, cisplatina e gencitabina concomitante com IMRT, em vez da radiação AP-PA padrão, resultou em uma melhora significativa na taxa de RPC e excelente controle local em comparação com estudos anteriores do GOG. “Não está claro se a melhora na RPC observada neste estudo foi o resultado da adição de gencitabina, do aumento da dose de radiação (12% maior que GOG 205 – 5.760 v 6.400 cGY) proporcionada pela IMRT, ou se ambos foram mutuamente importantes para o resultados”, analisam os autores.
O carcinoma vulvar é um carcinoma raro, predominantemente de células escamosas (CEC), com aproximadamente 6.400 casos e 1.600 mortes anualmente nos Estados Unidos.
O estudo em contexto
Por Eduardo Paulino, médico oncologista clínico do Instituto Nacional de Câncer - Hospital do Câncer II e da Oncologia D'Or
O tratamento do câncer de vulva localmente avançado é desafiador. Devido sua raridade, muito do nosso conhecimento e conduta são baseados em estudos de fase II, com raros estudos de fase III descritos na literatura.
Com o passar dos anos, pudemos observar uma evolução importante com a substituição de cirurgias mutiladoras para o tratamento definitivo com quimiorradioterapia.
Um dos primeiros estudos (GOG 101) utilizou radioterapia na dose de 4760 cG com um esquema de cisplatina e fluorouracil, e foi capaz de observar 48% e 31% de resposta clínica e patológica completa (RPC) respectivamente.
Com uma dose de radioterapia aproximadamente 19-20% maior que no estudo anterior, o GOG 205 utilizou cisplatina associada à radioterapia e elevou a RPC para 50%.
Adicionando a gencitabina à cisplatina e aumento de mais 12-13% na dose da radioterapia com uma tecnologia mais moderna (IMRT), nós observamos no GOG 279 um ganho importante em termos de resposta patológica completa (de 50% para 73%), com toxicidade comparável à de estudos anteriores. Não se sabe ao certo se o benefício vem da adição da gencitabina ou da dose de RT e melhor tecnologia utilizada, mas, de fato, o estudo GOG 279 tem o potencial de mudar nossa prática clínica no tratamento do câncer de vulva localmente avançado.
Referência: Neil S. Horowitz et al., Phase II Trial of Cisplatin, Gemcitabine, and Intensity-Modulated Radiation Therapy for Locally Advanced Vulvar Squamous Cell Carcinoma: NRG Oncology/GOG Study 279. JCO 0, JCO.23.02235. DOI:10.1200/JCO.23.02235