Estudo randomizado de fase III demonstrou que o tratamento com o inibidor da FLT3 gilteritinib (Xospata, Astellas) resultou em sobrevida significativamente mais longa e em porcentagens mais altas de pacientes com remissão em comparação com a quimioterapia de resgate em pacientes com leucemia mieloide aguda recidivada ou refratária com mutação no FLT3. Os resultados publicados no New England Journal of Medicine embasaram a aprovação do medicamento como monoterapia pela Comissão Europeia. Otávio Baiocchi (foto), professor adjunto da Unifesp e diretor da Unidades de Linfoma e Mieloma Múltiplo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, comenta o trabalho.
“A mutação do gene FLT3 ao diagnóstico da leucemia mielóide aguda geralmente coloca os pacientes em um grupo prognóstico desfavorável com baixa resposta a quimioterapia convencional. O gilteritinibe é um inibidor oral seletivo da FLT3 com atividade de agente único na LMA com esta mutação”, esclarece Baiocchi.
Neste estudo, adultos com LMA recidivada ou refratária FLT3 mutada foram randomizados na proporção 2:1 para receber gilteritinibe (120mg por dia) ou quimioterapia de resgate. Os endpoints primários foram sobrevida global e porcentagem de pacientes que tiveram remissão completa com recuperação hematológica total ou parcial. Os endpoints secundários incluíram sobrevida livre de eventos e porcentagem de pacientes que tiveram remissão completa.
Resultados
Entre os 371 pacientes elegíveis, 247 foram aleatoriamente designados para o grupo gilteritinibe e 124 para o grupo quimioterapia de resgate. A mediana de sobrevida global no grupo gilteritinibe foi significativamente maior do que no grupo quimioterapia (9,3 meses vs. 5,6 meses; taxa de risco de morte, 0,64; intervalo de confiança 95% CI, 0,49 a 0,83; P <0,001).
A mediana de sobrevida livre de eventos foi de 2,8 meses no grupo gilteritinibe e 0,7 meses no grupo quimioterapia (taxa de risco para falha no tratamento ou morte, 0,79; 95% CI, 0,58 a 1,09). A porcentagem de pacientes em remissão completa com recuperação hematológica total ou parcial foi de 34% no grupo gilteritinibe e 15,3% no grupo quimioterapia (diferença de risco, 18,6 pontos percentuais; 95% CI, 9,8 a 27,4); as porcentagens com remissão completa foram 21,1% e 10,5%, respectivamente (diferença de risco, 10,6 pontos percentuais; 95% CI, 2,8 a 18,4).
Em uma análise ajustada pela duração da terapia, eventos adversos de grau 3 ou superior e eventos adversos graves ocorreram com menos frequência no grupo gilteritinibe em comparação com o grupo quimioterapia; os eventos adversos mais comuns de grau 3 ou superior no grupo gilteritinibe foram neutropenia febril (45,9%), anemia (40,7%) e trombocitopenia (22,8%).
“O FLT3 é um receptor tirosina quinase com papel importante na sobrevida e proliferação das células tronco-hematopoéticas. Este gene é mutado em cerca de 1/3 dos casos de LMA, sendo bem mais frequente na população de pacientes com doença recaída ou refratária”, explica Baiocchi.
O especialista observa que a primeira geração de inibidores do gene FLT3 não era tão específica (inibidores multi-quinases) e com isso apresentavam menos eficácia com maiores efeitos colaterais. “Hoje, com as novas gerações de inibidores de FLT3 (mais específicos, gilteritinib por exemplo), os resultados de estudos recentes demonstram maior eficácia com perfil de segurança maior. Os mecanismos de resistência a estes inibidores ainda precisam ser melhor estudados e têm merecido destaque em publicações recentes”, afirma.
O estudo foi financiado pela Astellas Pharma; ClinicalTrials.gov, NCT02421939.
Referência: Gilteritinib or Chemotherapy for Relapsed or Refractory FLT3-Mutated AML - Alexander E. Perl et al - N Engl J Med 2019; 381:1728-1740
DOI: 10.1056/NEJMoa1902688