Diante de um cenário que impõe decisões complexas, o Grupo Francês de Sarcoma propôs um conjunto de recomendações gerais para auxiliar no manejo de pacientes com sarcoma durante a pandemia de COVID-19. "As recomendações do grupo francês de sarcoma vêm ao encontro de vários guidelines internacionais que visam melhor balizar nossas condutas. No entanto, é importante tentar adaptá-las à nossa realidade local”, afirma o oncologista Cícero Martins (foto), médico do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e do Américas Oncologia.
A posição do French Sarcoma Group (FSG) foi publicada no Annals of Oncology e recomenda que pacientes com suspeita de COVID19 devem ser rastreados quanto à presença do vírus. “Se houver confirmação da infecção ou forte suspeita (clínica ou por tomografia computadorizada), qualquer tratamento oncológico deve ser adiado até a recuperação total do paciente ou por pelo menos 15 dias após o início dos sintomas”, sugere o FSG. “Um dos grandes desafios atualmente, principalmente no cenário público, é o acesso a testes para COVID e a seus resultados com rapidez. Na ausência destes, o adiamento do tratamento pode ser uma alternativa até resolução dos sintomas ou acesso a exames”, observa Martins.
Para casos de sarcoma localizado em pacientes sem sintomas de COVID-19, o grupo recomenda seguir as diretrizes de prática clínica, sem modificação. Já para casos complexos, a orientação é recorrer a painéis multidisciplinares.
Outra recomendação prevê que a radioterapia adjuvante não deve ser retardada em pacientes com sarcoma de partes moles, ao mesmo tempo em que reforça que a quimioterapia neoadjuvante deve ser reservada para pacientes com tumores irressecáveis ou nos quais a única intervenção possível é mutilante. “A radioterapia pré-operatória, dependendo da localização e do tipo histológico do tumor, também é uma alternativa”, propõem o FSG.
Em relação à abordagem cirúrgica, o grupo francês não recomenda adiar a cirurgia em pacientes operáveis sem sintomas de COVID, em particular nos casos de sarcoma de partes moles de Grau 2-3, sarcoma ósseo, GIST e sarcoma visceral. No entanto, nos casos de alto risco (por exemplo, sarcoma retroperitoneal), destaca a importância de garantir acesso a unidades intensivas no pós-operatório. Caso contrário, radioterapia pré-operatória ou tratamento sistêmico pode ser considerado.
Para sarcoma de Ewing e osteossarcoma, em pacientes sem sintomas de infecção por COVID-19, a orientação é manter esquemas de quimioterapia neoadjuvantes e adjuvantes, sem modificação. A mesma recomendação vale para rabdomiossarcoma alveolar e embrionário, para pacientes sem sintomas de infecção por COVID19.
Para tumores conjuntivos com malignidade intermediária, como tumores desmoides, o FSG propõe a vigilância ativa; no caso de doença progressiva, a indicação é favorecer opção sem AINEs.
Para GIST com alto risco de recidiva, o tratamento adjuvante com imatinibe deve ser iniciado de acordo com as diretrizes.
Para sarcoma avançado de partes moles, o tratamento de primeira linha continua sendo quimioterapia com doxorrubicina, associado a fatores de crescimento de granulócitos. A terapia combinada pode ser proposta se for necessária a redução do tumor (doxorrubicina mais dacarbazina se leiomiossarcoma, ou doxorrubicina mais ifosfamida para outros tipos histológicos com metástases pulmonares limitadas, sem extensão extra-torácica e acessível à cirurgia torácica).
Para sarcomas (não lipossarcoma) em tratamento de segunda linha e além, a recomendação do grupo francês é manter a terapia com drogas-alvo de uso oral (pazopanibe ou mesmo regorafenibe) para limitar o movimento de pacientes no ambulatório. Para lipossarcomas, as opções são trabectedina ou eribulina. Para GIST, as recomendações aplicam-se ao imatinibe na fase metastática (depois sunitinibe e regorafenibe).
Para sarcomas ósseos com metástase ao diagnóstico, o tratamento de primeira linha clássico é recomendado. Para recidiva metastática do sarcoma ósseo, o uso de topotecano e ciclofosfamida para sarcoma de Ewing e de antiangiogênicos para osteossarcomas pode ser proposto.
Martins ressalta que as medidas priorizam uma avaliação racional, sempre pesando custo e benefícios para pacientes oncológicos. “De forma geral, pacientes com tumores de alto grau, com um risco de recidiva aumentado, devem seguir seus fluxogramas normais de tratamento devido a gravidade de sua doença oncológica. Por outro lado, pacientes onde o tratamento oncológico pode ser postergado ou substituído por outras alternativas como drogas orais, que conferem menor risco de deslocamento, devem ser favorecidas”, avalia.
“Em um momento de grande incerteza e susceptibilidade como na epidemia de COVID-19, onde nos faltam muitos dados e um horizonte de solução, cabe ao médico uma avaliação criteriosa, sempre priorizando o paciente”, conclui o especialista..
Referência: Penel N, Bonvalot S, Minard V, Orbach D, Gouin F, Corradini N, Brahmi M, Marec-Bérard P, Briand S, Gaspar N, Llacer C, Carrère S, Dufresne A, Le Cesne A, Blay J, French Sarcoma Group proposals for management of sarcoma patients during COVID-19 outbreak, Annals of Oncology (2020), doi: https://doi.org/10.1016/j.annonc.2020.03.308.