A Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) publicou um guideline com recomendações para o diagnóstico e tratamento do carcinoma espinocelular de primário desconhecido na cabeça e pescoço (do inglês, SCCUP). O Painel de Especialistas realizou uma pesquisa dos trabalhos publicados entre 2008 e 2019. Os resultados de interesse incluíram sobrevida, controle local e regional da doença e qualidade de vida. As diretrizes foram publicadas no Journal of Clinical Oncology (JCO). Quem comenta é a oncologista Aline Lauda Chaves (foto), presidente do Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço (GBCP).
“O carcinoma epidermoide é a histologia mais frequente nos tumores da cabeça e pescoço e a maioria destes tumores apresenta metástases nos linfonodos cervicais, definindo uma doença localmente avançada. A detecção do sítio primário (cavidade oral, laringe, orofaringe, hipofaringe, nasofaringe) é fundamental para definir o tratamento. Porém, algumas vezes, esse sítio não é encontrado, definindo então o carcinoma epidermoide de sítio primário desconhecido na cabeça e pescoço, entidade de difícil abordagem para os profissionais que lidam com oncologia da cabeça e pescoço, tendo em vista que geralmente estes pacientes não são incluídos nos estudos clínicos direcionados a cabeça e pescoço”, esclarece Aline. “O guideline da ASCO é uma nova ferramenta que vem facilitar a abordagem e condução destes casos, desde o diagnóstico até o tratamento”, acrescenta.
A pesquisa bibliográfica identificou 100 estudos relevantes para fundamentar a base de evidências, que abordou quatro questões clínicas principais: 1. Qual a avaliação pré-operatória apropriada para pacientes com massa cervical suspeita de malignidade; 2. Quais os procedimentos cirúrgicos diagnósticos e terapêuticos adequados; 3. Quais as considerações e técnicas apropriadas para o tratamento cirúrgico; e 4. Quais são as considerações de tratamento para radioterapia e terapia sistêmica no SCCUP?
Avaliação pré-operatória
As diretrizes recomendam que os pacientes avaliados para uma massa cervical suspeita de carcinoma espinocelular sejam submetidos a um exame físico completo, incluindo laringoscopia por fibra óptica, que pode ser complementada com técnicas avançadas de imagem para facilitar a identificação da localização anatômica do tumor primário e informar possíveis opções de manejo terapêutico (Força da recomendação: moderada). Os autores observam que deve ser realizada aspiração por agulha fina ou core biópsia de uma massa cervical clinicamente suspeita (Força da recomendação: forte), e realizado rotineiramente o teste de HPV de alto risco nos nódulos de nível II e III do SCCUP.
A tomografia computadorizada com contraste (CECT) do pescoço deve ser o teste inicial para avaliação da linfadenopatia cervical metastática (Força da recomendação: forte), e caso o tumor primário não esteja evidente no exame clínico e na CECT, o PET-CT deve ser a próxima etapa do diagnóstico (Força da recomendação: forte).
Procedimentos cirúrgicos diagnósticos e terapêuticos
O guideline recomenda que os pacientes sejam submetidos a uma avaliação operatória completa do trato aerodigestivo superior dos locais de mucosa em risco (cavidade oral, nasofaringe, orofaringe, hipofaringe e laringe), incluindo biopsia direcionada de qualquer área suspeita. Biopsias aleatórias de áreas não suspeitas têm baixo rendimento e não devem ser realizadas. (Força da recomendação: forte).
Para pacientes com linfadenopatia unilateral, se um local primário não for confirmado na avaliação inicial, o cirurgião deve realizar a tonsilectomia palatina ipsilateral. Se a amigdalectomia palatina falhar na identificação, uma amigdalectomia lingual ipsilateral pode ser realizada. A tonsilectomia palatina bilateral pode ser considerada de acordo com a suspeita clínica, a critério do cirurgião (Força da recomendação: moderada).
Em casos em que o tumor primário é identificado durante a avaliação operatória do trato aerodigestivo superior e o tratamento cirúrgico definitivo é planejado (incluindo dissecção do pescoço), a recomendação é a ressecção do primário identificado usando técnicas transorais para uma margem cirúrgica negativa (Força da recomendação: forte). As amostras de tecidos de locais primários suspeitos (biopsias, amigdalectomias palatinas e linguais) devem ser inteiramente submetidas ao exame histológico. (Força da recomendação: forte).
“A avaliação intraoperatória por congelação de amostras de tonsilectomia palatina ou lingual deve ser realizada quando o tumor primário permanece clinicamente não detectado”, observam os autores (Força da recomendação: forte).
Considerações cirúrgicas
Para doença unilateral de pequeno volume do pescoço, cirurgia definitiva ou radioterapia podem ser oferecidas após discussão multidisciplinar (Força da recomendação: moderada). Já para doença cervical bilateral de pequeno volume sem evidência clínica de extensão extranodal, a cirurgia definitiva (com ou sem terapia adjuvante) ou a radioterapia (com ou sem quimioterapia simultânea) podem ser oferecidas após discussão multidisciplinar (Força da recomendação: moderada).
Os autores ressaltam que a doença bilateral do pescoço em grande volume e/ou a extensão extranodal (ENE) macroscópica favorecem a quimiorradioterapia definitiva, dada a possível morbidade aumentada da dissecção bilateral extensa do pescoço e a probabilidade aumentada de terapia com trimodalidade nesses casos (Força da recomendação: moderada).
Quando a cirurgia primária é planejada, os níveis IIA, III e IV devem ser dissecados rotineiramente nos casos em que um primário orofaríngeo é suspeito ou confirmado para o SCCUP. Níveis linfonodais adicionais devem ser consideradas para dissecção, dependendo da extensão da carga nodal (Força da recomendação: forte).
Radioterapia
Os pacientes que recebem radioterapia ou quimiorradioterapia concomitante como tratamento primário devem receber tratamento para doença nodal grave, regiões do pescoço com risco de conter doença microscópica e regiões mucosas anatômicas com risco de abrigar o primário oculto. Os volumes específicos tratados dependerão da apresentação clínico-patológica do paciente após o exame completo (Força da recomendação: Forte).
Pacientes tratados com radioterapia primária para envolvimento unilateral de múltiplos nódulos e nenhuma evidência clínica e radiológica de extensão extranodal devem receber tratamento bilateral de rotina (Força da recomendação: forte). As diretrizes recomendam ainda que os pacientes tratados com radioterapia primária para N3 e / ou envolvimento nodal bilateral e / ou evidência clínica e / ou radiológica de extensão extranodal recebam tratamento bilateral do pescoço (Força da recomendação: forte)
“Os pacientes que recebem radioterapia ou quimiorradioterapia concomitante ao tratamento cirúrgico de câncer de primário desconhecido devem receber tratamento em regiões do pescoço e mucosa com risco de conter doença microscópica. A necessidade de tratamento deve ser determinada pela extensão da cirurgia realizada e pelos resultados patológicos da cirurgia (Força da recomendação: forte)”, recomenda o documento, acrescentando que para aqueles sem local primário patologicamente identificado no momento da cirurgia podem se beneficiar do tratamento para as regiões mucosas anatômicas com risco de abrigar o local primário oculto (Força da recomendação: forte).
Em relação à radioterapia adjuvante, as diretrizes observam que não deve ser administrada a pacientes com um único nódulo patologicamente positivo sem extensão extranodal após dissecção do pescoço de alta qualidade e nos quais, após uma avaliação completa, nenhum tumor primário é identificado (Força da recomendação: forte). “A radioterapia adjuvante deve ser administrada a pacientes com múltiplos nódulos patologicamente envolvidos e/ou evidência patológica de extensão extranodal (Força da recomendação: forte)”, afirma o documento.
Terapia sistêmica
A administração concomitante de cisplatina com radioterapia definitiva deve ser oferecida a pacientes com SCCUP sem contraindicações à quimioterapia com cisplatina, com HPV/p16 negativo, na presença de doença nodal AJCC 8º N2-N3 não ressecada; com SCCUP HPV/p16 positivo na presença de múltiplos linfonodos ipsilaterais ou bilaterais não-ressecados ou linfonodos> 3 cm; e com SCCUP estágio II-IVA (AJCC 8º), Epstein-Barr-positivo.
“A administração concomitante de cisplatina à radioterapia adjuvante deve ser oferecida a pacientes sem contraindicações à quimioterapia com cisplatina com suspeita de carcinoma espinocelular primário da mucosa e evidência patológica de extensão extranodal (Força da recomendação: forte)”, destacam os autores.
É iImportante reforçar que um exame clínico bem feito por profissional experiente e a TC de pescoço são fundamentais, assim como a videolaringoscopia. Nos últimos anos, a análise da imunohistoquímica para avaliar superexpressão de p16 para avaliar presença do HPV, e se negativo, PCR para avaliar presença do EBV, pode direcionar o subsítio envolvido, orofaringe e nasofaringe respectivamente, direcionando o tratamento para estas localizações. As premissas para tratamento do SCCUP são as mesmas para o tumor de subsítio definido, tanto no tratamento da doença local quanto localmente avançada e metastática”, conclui Aline.
Informações adicionais estão disponíveis em www.asco.org/head-neck-cancer-guidelines.
Referência: Diagnosis and Management of Squamous Cell Carcinoma of Unknown Primary in the Head and Neck: ASCO Guideline – DOI: 10.1200/JCO.20.00275 Journal of Clinical Oncology - Published online April 23, 2020.