Robson Ferrigno NET OK 2A American Society for Clinical Oncology (ASCO) examinou criticamente as diretrizes desenvolvidas pela American Society for Radiation Oncology (ASTRO) e publicou 27 de janeiro um guideline com recomendações para o uso de radioterapia no tratamento de pacientes com câncer de pulmão pequenas células (CPPC). Quem discute as recomendações é Robson Ferrigno (foto), coordenador dos serviços de radioterapia do Hospital BP Paulista.

Em artigo de Daly et al.  no Journal of Clinical Oncology, a ASCO endossou as diretrizes da ASTRO de RT no CPPC, destacando aspectos ainda controversos. Afinal, quais as indicações, esquemas de fracionamento de dose, técnicas e tempo de radioterapia torácica para a doença limitada? Qual o papel da radioterapia estereotáxica corporal (SBRT) em comparação com a RT convencional na doença linfonodo negativo em estágio I ou II? Quais são as indicações, esquemas de fracionamento de dose apropriados e o momento da RT craniana profilática na doença em estágio limitado e na doença extensa?

Além das áreas de controvérsia em torno da dose e do fracionamento apropriados na doença limitada e extensa, os autores destacam ainda questões relacionadas à seleção do paciente e à técnica empregada (RT convencional versus SBRT).

Acompanhe a seguir as principais recomendações:

1.0. CPPC com doença localmente limitada

1.1. Para pacientes com CPPC em estágio limitado que podem tolerar a terapia definitiva, a RT torácica é recomendada (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: alta).

1.2. Para pacientes com CPPC e doença localmente limitada com indicação de rádio e quimioterapia concomitante, a RT torácica deve começar com o ciclo 1 ou 2 de quimioterapia (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: moderada). Observação de implementação: É importante manter a dosagem e o tempo de tratamento com base nos dados do ensaio.

1.3. Para pacientes com CPPC e doença localmente limitada, operados com ressecção R1 ou R2, a RT é condicionalmente recomendada (Força da recomendação: condicional; Qualidade da evidência: opinião de especialistas).

1.4. Para pacientes com CPPC com doença inicial clinicamente nódulo-negativo e patologicamente N2-positivo, a RT mediastinal é condicionalmente recomendada (Força da recomendação: condicional; Qualidade da evidência: opinião de especialistas).

1.5. Para pacientes com doença limitada, o tratamento com RT duas vezes ao dia em frações de 150 cGy a 4.500 cGy é recomendado (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: alta).

1.6. Para pacientes com CPPC e doença limitada, a RT diária em frações de 200 cGy a 6.000-7.000 cGy é recomendada como alternativa aceitável para RT duas vezes ao dia. (Força da recomendação: condicional; Qualidade da evidência: moderada).

1.7. Para pacientes com CPPC e doença limitada, a RT de campo envolvido é recomendada como padrão de tratamento (definido como fluorodeoxiglicose ávido em PET, ampliado em TC, e /ou biópsia positiva) (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: moderada).

1.8. Em pacientes com doença localmente limitada, cujos tumores experimentam redução com quimioterapia, a recomendação é considerar o tratamento de todas as estações nodais envolvidas (no momento do diagnóstico) e tumor parenquimatoso pulmonar pós-quimioterapia (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: moderada).

1.9. Técnicas altamente conformadas são recomendadas para minimizar a dose de tecido normal (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: baixa).

2.0 Papel da SBRT no estágio I ou II do CPPC linfonodo negativo

2.1. Para pacientes com doença limitada, com linfonodo negativo, estágio I ou II que são clinicamente inoperáveis, é recomendado o uso de SBRT ou do fracionamento convencional (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: moderada). Observações de implementação: idealmente, o status do nódulo negativo deve ser confirmado por estadiamento invasivo.

2.2. Para pacientes com doença limitada, com linfonodo negativo, estágio I ou II recebendo SBRT, a quimioterapia deve ser administrada aos pacientes se clinicamente tolerada (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: moderada).

3.0. RT craniana profilática

3.1. Para pacientes com CPPC que respondem à terapia inicial é recomendado o reestadiamento com ressonância magnética do cérebro para orientar a tomada de decisão em relação à irradiação craniana profilática (“PCI”). (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: baixa).

3.2. Para pacientes com CPPC em estágio I, a PCI não é recomendada condicionalmente (Força da recomendação: condicional; Qualidade da evidência: baixa). Observação de implementação: Em vez de PCI, a vigilância usando ressonância magnética do cérebro com contraste pode servir como alternativa.

3.3. Para pacientes em estágio II-III que têm <70 anos de idade com bom status de desempenho (ECOG 0-2) e respondem à rádio e quimioterapia, a PCI é recomendada (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: alta).

3.4. Para pacientes com estado geral limitado, idade avançada e / ou comorbidades significativas, a recomendação prevê a tomada de decisão compartilhada sobre PCI (considerando as características específicas do paciente e da doença) é recomendada (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: baixa).

3.5. Para pacientes com CPPC com doença limitada, a dose recomendada de PCI é de 2.500 cGy em 10 frações (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: moderada).

3.6. Para pacientes que respondem à quimioterapia, é recomendada a consulta com um especialista em radioterapia para melhorar a tomada de decisão compartilhada sobre PCI versus vigilância por ressonância magnética (considerando as características específicas do paciente e da doença) (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: moderada)

3.7. Para pacientes elegíveis para PCI, recomenda-se 2.500 cGy em 10 frações ou 2.000 cGy em 5 frações (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: moderada).

4.0 RT de consolidação no CPPC com doença localmente extensa

4.1. Para pacientes com CPPC e doença localmente extensa com resposta à quimioterapia isolada, mas tumor residual no tórax, a RT torácica é recomendada (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: alta).

4.2. Para pacientes com resposta apenas à quimioterapia, a RT torácica para uma dose de 3.000 cGy em 10 frações é condicionalmente recomendada (Força da recomendação: condicional; Qualidade da evidência: moderada). Observação de implementação: Em pacientes com expectativa de sobrevida prolongada, doses mais altas podem ser apropriadas.

4.3. Para pacientes com doença localmente extensa que receberão RT torácica, o tratamento deve ser administrado após a conclusão da quimioterapia isolada (Força da recomendação: forte; Qualidade da evidência: alta).

4.4. Para pacientes com resposta à quimioterapia e imunoterapia, mas com doença residual no tórax, a recomendação prevê RT torácica com dose de 3.000 cGy em 10 frações dentro de 6-8 semanas (Força da recomendação: condicional; Qualidade da evidência: opinião de especialista).

Recomendações para o emprego da radioterapia no tratamento do CPCP

Por Robson Ferrigno, médico especialista em radioterapia, coordenador dos serviços de radioterapia do Hospital BP Paulista

A publicação do guia prático da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) representa o endosso das recomendações da Sociedade Americana de Radioterapia Oncológica (ASTRO), previamente publicadas no periódico Practical Radiation Oncology em junho de 20202.

Nesses dois guias práticos, as recomendações para o emprego da radioterapia no tratamento do câncer de pulmão de células pequenas estão resumidas em uma tabela de leitura fácil e obrigatória para todos os profissionais médicos que que lidam com oncologia torácica.

Vale destacar duas discussões sobre dose de radioterapia. A primeira se refere ao emprego ou não da radioterapia hiperfracionada na doença limitada. O estudo CONVERT mostrou que a dose de radioterapia de 45 Gy em 30 frações de 1,5 Gy duas vezes ao dia (15 dias úteis de tratamento) teve os mesmos resultados de controle de doença e toxicidade na doença limitada em comparação com a dose de 66 Gy em 33 frações diárias de 2 Gy (33 dias úteis de tratamento).

Devido ao menor tempo de tratamento, o regime hiperfracionado foi considerado padrão. Porém, em situações cuja logística de comparecimento do paciente duas vezes ao dia ao serviço de radioterapia for prejudicial, o regime de dose diária é aceitável. No Brasil, devido à dificuldade de vagas de radioterapia, principalmente no âmbito do SUS, o emprego da radioterapia hiperfracionada se torna mais complexo.

A segunda consideração sobre dose é no emprego da consolidação da radioterapia torácica em doença localmente extensa e com resposta objetiva à quimioterapia. A dose de 30 Gy em 10 frações de 3 Gy, utilizada pelo estudo CREST, é considerada baixa para controle local a longo prazo. O próprio guia prático deixa a consideração de aumentar a dose de radioterapia nos pacientes com expectativa de vida mais longa. Isso ocorre principalmente em pacientes sem metástase à distância, em bom estado geral ou com acesso aos tratamentos sistêmicos mais efetivos, como por exemplo, a imunoterapia. Utilizar dose final em torno de 60 Gy em 30 frações se torna razoável nessas situações.

As diretrizes de conduta estão disponíveis, em acesso aberto: https://ascopubs.org/doi/full/10.1200/JCO.20.03364

 Referências:

1- Daly et al. Radiation Therapy for Small-Cell Lung Cancer: ASCO Guideline Endorsement of an ASTRO Guideline. Journal of Clinical Oncology DOI: 10.1200/JCO.20.03364

2- Simone II CB, Bogarte JA, Cabrera AR, et al. Radiation Therapy for Small Cell Lung Cancer: An ASTRO Clinical Practice Guideline. Pract Radiat Oncol 2020, 10: 158-173.