A ASCO atualizou seu guideline sobre a integração dos cuidados paliativos ao cuidado padrão em oncologia. O oncologista Ricardo Caponero (foto), Coordenador do Centro Avançado em Terapia de Suporte e Medicina Integrativa (CATSMI) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, comenta as diretrizes.
Um Painel de Peritos Ad Hoc em Cuidados Paliativos foi convocado para atualizar as recomendações com base em uma revisão sistemática da literatura médica. A diretriz, publicada dia 31 de outubro no Journal of Clinical Oncology (JCO), atualiza o parecer clínico provisório (PCO) emitido pela ASCO em 2012 e inclui a revisão de nove ensaios clínicos randomizados, um estudo quasi-experimental e cinco análises secundárias de ensaios clínicos randomizados, todos publicados entre março de 2010 e janeiro de 2016.
Os estudos incluíram pacientes com doença avançada ou metastática e pacientes com câncer de pulmão não pequenas células em estágio inicial, além de um estudo que comparou cuidados paliativos precoce versus tardio. Os resultados primários dos ensaios incluíram qualidade de vida, alívio dos sintomas, resultados psicológicos, sobrevida e satisfação.
Os autores observam que no início do curso da doença, pacientes internados e ambulatoriais com câncer avançado devem receber serviços de cuidados paliativos simultâneos ao tratamento ativo. Idealmente, os pacientes devem ser encaminhados para equipes interdisciplinares de cuidados paliativos e os serviços podem complementar os programas existentes. As diretrizes também recomendam que cuidadores de pacientes com câncer precoce ou avançado sejam encaminhados para serviços de cuidados paliativos e tenham acesso a um suporte que pode incluir orientação telefônica, educação, encaminhamentos e reuniões presenciais.
Para os pacientes recém-diagnosticados com câncer avançado, o Painel sugere o envolvimento precoce dos cuidados paliativos no período de até oito semanas a partir do diagnóstico. Entre os pacientes com câncer com alta carga de sintomas e/ou necessidades físicas ou psicossociais não atendidas, os programas de cuidados ambulatoriais devem garantir acesso a recursos dedicados de cuidados paliativos e complementar ferramentas de programas existentes.
Os componentes essenciais dos cuidados paliativos incluem ainda a construção de relacionamento com pacientes e cuidadores familiares; manejo dos sintomas, distress e status funcional; compreensão do paciente sobre sua doença e diagnóstico; esclarecimento dos objetivos do tratamento; avaliação e suporte às necessidades de enfrentamento; assistência para a decisão médica; e coordenação e referência a outros provedores de cuidados, conforme necessário.
Os autores do estudo enfatizam que a revisão das evidências apoiou as diretrizes para pacientes diagnosticados com câncer avançado, mas que as evidências existentes são insuficientes para fazer fortes recomendações para indivíduos diagnosticados com doença em estágio inicial.
Além disso, eles enfatizam a necessidade de capacitar oncologistas em competências de cuidados paliativos primários e avaliar os serviços especializados como parte dos cuidados de rotina aos pacientes e seus cuidadores.
Referência: Integration of palliative care into standard oncology care: American Society of Clinical Oncology clinical practice guideline update - Ferrell BR, Temel JS, Temin S, et al. - J Clin Oncol. 2016 Oct 28. DOI: 10.1200/JCO.2016.70.1474.
Atualização é oportuna e importante
Por Ricardo Caponero, Coordenador do Centro Avançado em Terapia de Suporte e Medicina Integrativa (CATSMI) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
A atualização da American Society of Clinical Oncology (ASCO) sobre a integração dos cuidados paliativos ao cuidado oncológico padrão é tanto oportuna como importante. Oportuna porque essa integração não tem ocorrido, por distorções tanto entre oncologistas como entre "paliativistas". Com raras exceções, os oncologistas continuam encarando os cuidados paliativos como sendo a opção quando "não há mais nada a fazer", ou seja, quando todas as opções terapêuticas antineoplásicas falharam. Os "paliativistas", por sua vez, reclamam do encaminhamento tardio, mas por serem em número reduzido, quando se defrontam com a necessidade potencial (praticamente metade ou mais dos pacientes oncológicos, quadros demenciais e outras situações) "caem na real" e descobrem que não têm como dar conta dessa demanda, e restringem seu atendimento a pacientes com sobrevida mais limitada, ou seja, distante do preconizado atendimento integrado.
Também é importante ressaltar as dificuldades em nosso meio, desde as barreiras culturais decorrentes da má compreensão, até a não remuneração dos procedimentos realizados na prática dos cuidados paliativos (consultas mais longas, mais frequentes, assistência à família, atendimento ao luto, assistência integrada multidisciplinar, etc). Nossa realidade ainda está muito distante da norte-americana.
Não é por menos que uma das co-autoras das atuais recomendações da ASCO seja a especialista em cuidados paliativos Jennifer Temel, Professora Associada de medicina na Harvard Medical School,que com um emblemático artigo publicado no periódico New England demostrou cientificamente que os cuidados paliativos, além de melhorarem significativamente a qualidade de vida, não abreviam um dia sequer da quantidade de vida (sobrevida), podendo até prolongá-la, como também ficou evidente no estudo ENABLE, com um aumento de mais de 10% na sobrevida em um ano para os pacientes incluídos precocemente nos cuidados paliativos.
Essa tem sido a política do Centro Avançado em Terapia de Suporte e Medicina Integrativa (CATSMI), do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, que se propõe a seguir de forma integral o que a ASCO agora estabelece como uma boa prática clínica. No entanto, da proposta à realidade, ainda enfrentamos as dificuldades inerentes ao nosso meio. Nossa expectativa é que com a atualização das diretrizes da ASCO nossa realidade possa melhorar.