Wilson Luiz da Costa Jr. (foto), membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, comenta artigo de David Beard e colegas, na edição de março do Lancet, sobre o papel dos controles placebo em ensaios cirúrgicos, com recomendações para melhorar a avaliação dos riscos e benefícios, otimizar o desenho dos ensaios e as ferramentas de validação.
Por Wilson Luiz da Costa Jr.*
Buscando sistematizar a utilização de placebos em ensaios randomizados cirúrgicos, membros do UK National Institute For Health Research and Medical Research Council publicaram recentemente uma revisão sistemática sobre o assunto acompanhada dos guidelines ASPIRE (Applying Surgical Placebo in Randomised Evaluations
O uso de placebos em ensaios clínicos cirúrgicos é historicamente controverso e associado a termos eticamente condenados, como “cirurgia fantasma”, além de levar a resultados de difícil interpretação, sobretudo pelo poderoso “efeito placebo” identificado em alguns destes estudos. No entanto, ensaios clínicos que buscam responder perguntas relacionados a tratamentos invasivos cirúrgicos e/ou endoscópicos e que utilizam um braço placebo são particularmente valiosos quando há dúvida significativa na eficácia do procedimento a ser testado, ou quando há significativo risco de viés em um estudo padrão randomizado aberto. Buscando sistematizar a utilização de placebos em ensaios randomizados cirúrgicos, membros do UK National Institute For Health Research and Medical Research Council publicaram recentemente uma revisão sistemática sobre o assunto acompanhada dos guidelines ASPIRE (Applying Surgical Placebo in Randomised Evaluations).
As recomendações incluem quatro elementos que compõem uma lista (checklist) a ser examinada para que estes estudos sejam adequadamente realizados. O primeiro é a avaliação do racional e dos aspectos éticos do trabalho (1), que basicamente inclui a confirmação de que o estudo investigará uma intervenção cirúrgica cuja eficácia não foi comprovada previamente, além de uma cuidadosa avaliação dos riscos e benefícios a que os pacientes recrutados serão expostos. O próximo elemento é o desenho do estudo (2). Um passo fundamental dentro deste processo é a caracterização adequada do procedimento cirúrgico/intervencionista a ser investigado. Para isso, os autores propõem uma estratégia que denominam DITTO (Desconstrução do procedimento, Identificação dos passos, Retirada de parte do procedimento que caracterizará o grupo placebo – Take out, avaliação de riscos – Think risk, e Otimização). Desenhado o procedimento que caracterizará o grupo placebo, procede-se a uma avaliação dos riscos associados e à validação pelos demais investigadores. A terceira etapa a ser checada diz respeita à condução do estudo (3), a qual inclui a elaboração e aplicação de um detalhado termo de consentimento livre e esclarecido, estratégias de recrutamento, a disseminação entre os pacientes de informações acerca do desenho, dos benefícios e riscos da pesquisa, e a designação de um comitê de monitoramento avançado que supervisionará sua execução. O quarto e último elemento envolve a interpretação e translação dos achados (4). Nesta fase, recomenda-se a validação destes achados com os grupos que participaram do estudo, envolvendo inclusive pacientes, e aplicação de princípios da ciência de implementação para sua disseminação.
A realização de estudos randomizados cirúrgicos é cercada de mitos e os vieses associados à sua execução levam frequentemente à não aplicação de descobertas que poderiam impactar o cuidado de um grande número de pacientes. Este estudo traz recomendações exequíveis e baseadas em princípios científicos sólidos e éticos, as quais podem elevar a qualidade da ciência praticada em doentes cirúrgicos e introduzir avanços no seu cuidado.
*Autor: Wilson Luiz da Costa Jr. é pós-doutorando do Department of Medicine/Epidemiology, Baylor College of Medicine, Houston, TX; médico titular do Departamento de Cirurgia Abdominal do A.C.Camargo Cancer Center e editor-associado do Brazilian Journal of Oncology
Referência: Beard, D. J., Campbell, M. K., Blazeby, J. M., Carr, A. J., Weijer, C., Cuthbertson, B. H., … Cook, J. A. (2020). Considerations and methods for placebo controls in surgical trials (ASPIRE guidelines). The Lancet, 395(10226), 828–838. doi:10.1016/s0140-6736(19)33137-x