Estudo com a participação de centros brasileiros demonstrou que a histerectomia laparoscópica foi associada a menores taxas de sobrevida livre de doença e sobrevida global do que a cirurgia aberta em mulheres com câncer de colo do útero estágio inicial. Os dados foram publicados no New England Journal of Medicine. “O LACC Trial, que havia sido desenhado para provar não inferioridade, foi prematuramente encerrado, por orientação do comitê de segurança, assim que ficou evidente a superioridade de um dos braços”, diz Reitan Ribeiro (foto), cirurgião oncológico dos Hospitais Erasto Gaertner, Vita Batel e Marcelino Champagnat e um dos médicos brasileiros que participou do estudo.
Há dados limitados de estudos retrospectivos sobre os resultados de sobrevida após histerectomia radical laparoscópica ou assistida por robô (minimamente invasiva) são equivalentes aos resultados conseguidos com a histerectomia radical abdominal aberta em mulheres com câncer de colo do útero em estágio inicial.
Neste estudo envolvendo pacientes com câncer de colo uterino IA1 (invasão linfovascular), IA2 ou IB1 e subtipo histológico de carcinoma de células escamosas, adenocarcinoma ou carcinoma adenoescamoso, os pacientes foram randomizados aleatoriamente para cirurgia minimamente invasiva ou cirurgia aberta. O endpoint primário foi a taxa de sobrevida livre de doença em 4,5 anos, com a não inferioridade reivindicada se o limite inferior do intervalo de confiança bilateral de 95% da diferença entre os grupos (cirurgia minimamente invasiva menos cirurgia aberta) fosse maior que -7,2 pontos percentuais (ou seja, mais próximo de zero).
Resultados
Um total de 319 pacientes foram designados para cirurgia minimamente invasiva e 312 para cirurgia aberta. Entre as pacientes que foram designados para cirurgia minimamente invasiva, 84,4% foram submetidos à laparoscopia e 15,6% à cirurgia assistida por robô. No geral, a idade média das pacientes foi de 46 anos. A maioria das pacientes (91,9%) apresentava doença estádio IB1.
Os dois grupos foram semelhantes em relação aos subtipos histológicos, à taxa de invasão linfovascular, às taxas de envolvimento parametrial e linfonodal, ao tamanho do tumor, ao grau do tumor e à taxa de uso de terapia adjuvante. A taxa de sobrevida livre de doença em 4,5 anos foi de 86% com cirurgia minimamente invasiva e 96,5% com cirurgia aberta, uma diferença de -10,6 pontos percentuais (95% IC, -16,4 a -4,7).
A cirurgia minimamente invasiva foi associada a uma menor taxa de sobrevida livre de doença em comparação com a cirurgia aberta (taxa em 3 anos, 91,2% vs. 97,1%; hazard ratio para recidiva da doença ou morte por câncer cervical, 3,74; 95% IC, 1,63 a 8,58 ), uma diferença que permaneceu após ajuste para idade, índice de massa corporal, estágio da doença, invasão linfovascular e envolvimento linfonodal; a cirurgia minimamente invasiva também foi associada com uma menor taxa de sobrevida global (taxa em 3 anos, 93,8% vs. 99,0%; hazard ratio para morte por qualquer causa, 6,00, 95% IC, 1,77-20,30).
Segundo Reitan, os resultados, inesperados, chamam atenção por diferentes motivos, além do óbvio resultado negativo para a cirurgia minimamente invasiva. “Um deles é a sobrevida em 3 anos de 99% das pacientes submetidas a cirurgia aberta, resultado muito superior ao que já havia sido reportado na literatura. Ainda que a sobrevida em 3 anos da cirurgia minimamente invasiva tenha sido semelhante, e até melhor, do que vinha sendo publicado em estudos retrospectivos, isso não foi suficiente para bater a cirurgia aberta. Outro resultado inesperado, e não discutido diretamente, é o fato da curva de recorrências da cirurgia laparoscópica não ter atingido um platô, que normalmente é observado por volta dos 2 anos de seguimento”, avalia.
“Uma leitura atenta do estudo vai revelar outros detalhes. Os resultados, sua história e sua leitura poderão até lembrar um drama, mas sua interpretação deve ser despida dos conflitos de interesse emocionais (nossas crenças e paixões) para que possamos beneficiar nossas pacientes”, conclui.
O trabalho foi financiado pela Universidade do Texas M.D. Anderson Cancer Center e Medtronic; LACC ClinicalTrials.gov número, NCT00614211.
Referência: Minimally Invasive versus Abdominal Radical Hysterectomy for Cervical Cancer - Pedro T. Ramirez, M.D., Michael Frumovitz, M.D., Rene Pareja, M.D., Aldo Lopez, M.D., Marcelo Vieira, M.D., Reitan Ribeiro, M.D., Alessandro Buda, M.D., Xiaojian Yan, M.D., Yao Shuzhong, M.D., Naven Chetty, M.D., David Isla, M.D., Mariano Tamura, M.D., et al. - October 31, 2018 - DOI: 10.1056/NEJMoa1806395