O especialista Ricardo Caponero (foto), oncologista clínico e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cuidados Paliativos, analisa estudo publicado no ‘The Journal of the American Medical Association’ (JAMA) e alerta para os desvios de conceber os cuidados paliativos como forma de economia na saúde.
O estudo considerou pacientes idosos com câncer durante o seu último ano de vida, especialmente aqueles claramente com mau-prognóstico, e demonstrou que entre os pacientes tratados em serviços de hospices com cuidados paliativos, a probabilidade de morrer em um hospital ou ambulatório foi cinco vezes menor que aqueles que não tiveram os benefícios do hospice.
O líder do estudo é o médico Ziad Obermeyer, do departamento de medicina de emergência no Hospital Brigham and Women e professor assistente de medicina de emergência e políticas de cuidados de saúde na Harvard Medical School, em Boston. Obermeyer e colegas realizaram o estudo com o objetivo de comparar os custos dos cuidados de saúde entre os dois grupos de pacientes com câncer: aqueles submetidos a tratamento sem cuidados paliativos e os inscritos no hospice.
O estudo
Os pesquisadores avaliaram 18.165 pacientes com câncer de mau prognóstico, como indivíduos com graves tumores de pâncreas ou metástases cerebrais, que se inscreveram no hospice antes de morrer. Esse grupo de pacientes foi comparado a outro braço, com 18.165 pacientes com câncer grave, que não receberam cuidados paliativos.
Ambos os grupos de pacientes tinham aproximadamente a mesma quantidade de distúrbios hidroeletrolíticos, anemia, demência, hemiplegia e perda de peso. A maioria dos pacientes em ambos os grupos apresentavam tumores sólidos: 91% no grupo paliativos e 88% no grupo sem tratamento paliativo.
Os dados da pesquisa demonstraram que os pacientes que não estavam no hospice precisaram de intervenções frequentes para doenças como infecções ou falência de órgãos que não foram relacionadas com o câncer. Nesse grupo, também foi maior a necessidade de procedimentos invasivos e/ou de cuidados intensivos, de modo que esses pacientes experimentaram mais internações que o grupo inscrito no hospice. Ao final, as análises também demonstram que no grupo fora dos cuidados paliativos, 74% dos pacientes morreram em instalações de enfermagem e hospitais enquanto que apenas 14% do grupo hospice morreram em asilos ou hospitais.
Obermeyer e colegas concluíram que o serviço de hospice com cuidados paliativos levou a uma economia de custo. Menos de 6% dos pacientes permaneceram no hospice por mais de 6 meses. Em sua última semana de vida, o custo/dia por pacientes ficou abaixo do custo envolvido no tratamento do grupo que não recebeu cuidados paliativos.
"Nossos resultados destacam a importância potencial de discussões francas entre médicos e pacientes sobre as realidades dos cuidados no final de vida", concluiu o líder da investigação.
Opinião de especialista – Ricardo Caponero
Indicação é melhorar a qualidade de vida
Um dos critérios de qualidade em cuidados paliativos é o uso adequado de recursos, evitando a obstinação terapêutica e o emprego desnecessário e custoso de recursos. Entre os cuidados que acrescentam custos e toxicidade, com benefícios duvidosos, estão a utilização de unidades de terapia intensiva em pacientes de prognóstico limitado, o uso de quimioterapia e radioterapia no último mês de vida (e às vezes, nas duas últimas semanas de vida), a solicitação de exames que não modificaram a conduta no último trimestre antes da morte, etc.
Se por um lado a aplicação de cuidados paliativos evita o desperdício com medidas fúteis, reduzindo o custo, por outro, implica em mais custo com recursos humanos dada a necessidade imperiosa de trabalhar com uma equipe multidisciplinar, estender os cuidados à família e prolongá-los para a fase de luto.
O mais importante é evitar a distorção corrente de que devemos utilizar os cuidados paliativos como forma de economia na saúde, para economizar recursos. Essa não é e nunca foi a indicação dos cuidados paliativos. A indicação é melhorar a qualidade de vida de pacientes (e suas famílias) enfrentando as agruras de uma doença grave e de prognóstico reservado. A eventual economia de recursos pode ser um ganho secundário, ela pode não existir em centros com baixa distanásia, e ser gigantesca em centros onde grassa a obstinação terapêutica.
No entanto, no atual universo onde domina o capitalismo, a redução de custo tem auxiliado na implantação de muitos centros e serviços paliativistas. Como diz o ditado: "Deus escreve certo, por linhas tortas", ou ainda, nesse caso, "Os fins (implantar os cuidados paliativos) justificam os meios (usar racionalmente os recursos).
Referência: Obermeyer Z, Makar M, Abujaber S, et al. Association between the Medicare hospice benefit and health care utilization and costs for patients with poor-prognosis cancer. JAMA. 2014;312(18):1888-1896.