Dados de Travis, WD et al. publicados no Journal of Thoracic Oncology apoiam a recomendação de incluir STAS (Spread Through Alveolar Space) como descritor histológico na 9ª edição da Classificação TNM do câncer de pulmão. Quem analisa a recomendação é a patologista Vera Luiza Capelozzi (foto), Professora Associada do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Inclusão da STAS pode melhorar compreensão da invasão e estadiamento do câncer de pulmão
Por Vera Luiza Capelozzi (foto), Professora Associada do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
Do inglês ‘Spread Through Alveolar Space’ (STAS) é geralmente definida como células tumorais dentro dos espaços aéreos do parênquima pulmonar além do tumor principal. STAS tem sido geralmente associada a maior recorrência/característica de prognóstico negativo, particularmente em ressecções cirúrgicas limitadas. Os estudos se concentram principalmente no adenocarcinoma de pulmão. Várias definições de STAS são usadas na literatura, porém como os autores definiram STAS não é relatado. Os estudos incorporam diferentes parâmetros e metodologias na análise de recorrência e prognóstico.
Tem sido muito debatida na literatura, a forma como o artefato é separado da STAS, o que nem sempre é abordado ou definido. São considerados como artefatos favoráveis: aglomerados espalhados aleatoriamente e nas bordas das seções de tecido; bordas irregulares de aglomerados de células tumorais, tiras lineares de células destacadas das paredes alveolares; células tumorais intra-alveolares distantes do tumor principal, mas não em um continuum de espaços aéreos que levam de volta à borda do tumor. Um estudo prospectivo de fragmentos de tecido solto em amostras de ressecção de câncer de pulmão de células não pequenas, mostrou uma visão alternativa para "espalhar pelos espaços aéreos" (Blaauwgeers H, Flieder D, Warth A, Harms A, Monkhorst K, Witte B, Thunnissen E. A Prospective Study of Loose Tissue Fragments in Non-Small Cell Lung Cancer Resection Specimens: An Alternative View to "Spread Through Air Spaces". Am J Surg Pathol. 2017 Sep;41(9):1226-1230. doi: 10.1097/PAS.0000000000000889).
Segundo esse artigo, cerca de 93% dos espécimens de tecido solto nos espaços aéreos podem ser explicados por forças mecânicas associadas ao manuseio do tecido. Interroga-se também se cirurgiões ou patologistas (ou ambos) estão causando STAS. A literatura reúne em torno de 30 artigos que associam a presença de STAS com o prognóstico. (Liu H, et al. Prognostic Impact of Tumor Spread Through Air Spaces in Non-small Cell Lung Cancers: a Meta-Analysis Including 3564 Patients. Pathol Oncol Res 2019).
Histologicamente, STAS é uma característica morfológica com significado prognóstico, que pode ou não ser exacerbada pelo manejo iatrogênico. Não é um padrão histoarquitetural como em adenocarcinoma (lepídico, acinar, etc), mas sim uma característica de invasão (como na invasão linfovascular). STAS não deve ser incluído no tamanho do tumor ou na subtipagem histológica abrangente. Também pode ter impacto no status da categoria R em ressecções, mas requer definição padronizada, critérios para distinção de artefato, maior compreensão do efeito do manuseio iatrogênico.
O IASLC Comitê, recentemente publicado, recomenda a inclusão da STAS como descritor histológico na 9ª edição da Classificação TNM do câncer de pulmão (Travis et al. The IASLC Lung Cancer Staging Project: Recommendation to Introduce Spread Through Air Spaces (STAS) as a Histologic Descriptor in the 9 Edition of the TNM Classification of Lung Cancer.Analysis of 4,061 Pathologic Stage I Non-Small cell Lung Carcinomas. J Thorac Oncol. 2024 Mar 18:S1556-0864(24)00122-9. doi: 10.1016/j.jtho.2024.03.015).
Esse Comitê avaliou 4.061 carcinomas de células não pequenas (NSCLC) em estágio I R0 ressecados cirurgicamente. O objetivo foi determinar se STAS poderia ser um descritor histológico adicional de invasão tais como invasão pleural visceral (VPI) e invasão linfovascular (LVI). STAS foi detectada em quase 30% dos pacientes com NSCLC em estágio patológico I.
A frequência de STAS foi mais alta na América do Norte (46,2%), seguida pela Europa (29,4%), resto do mundo (14,2%) e Ásia (7%). Nos países que reportaram dados STAS em mais de 50 casos de câncer de pulmão, a frequência foi mais elevada na Alemanha (56,4%), seguidos pelos EUA (48,1%), Canadá (43%), Turquia (36,7%), Espanha (16,4%) e Taiwan (12,8%), com presença mais baixa na Itália (1,4%).
A ocorrência de STAS foi significativamente mais frequente em pacientes mais velhos (≥65 anos) (p<0,0001) com ressecções sublobares em comparação com ressecções lobares (p=0,0018). Entre os tipos histológicos, STAS foi significativamente mais detectada em adenocarcinomas (838/3543, 23,7%), carcinomas adenoescamosos ou carcinomas de grandes células (13/49, 26,5%) em comparação com carcinomas de células escamosas (79/469; 16,8%) (p=0,0036), de grau 3 ou 4 vs 1 ou 2 (p<0,0001), com ILV (p<0,0001), IPV (p<0,0001) e tamanho tumoral ≥ que 3 cm. (p=0,0002).
Pacientes com tumores expressando STAS apresentaram sobrevida global e livre de recorrência significativamente pior quando comparados aos pacientes sem STAS.
No geral, o IASLC Comitè recomenda a inclusão da STAS como descritor histológico segundo a 9ª edição da Classificação TNM do câncer de pulmão. O Comitê espera que a inclusão da STAS nos laudos anátomo-patológicos permita uma melhor compreensão da invasão e estadiamento do câncer de pulmão nas próximas edições do TNM.
Referência: DOI: https://doi.org/10.1016/j.jtho.2024.03.015