Alguns chegaram a considerar que a molécula era mesmo a bala mágica. Aprovado pelo FDA em 2001, mesilato de imatinibe foi um marco da era alvo molecular no tratamento do câncer e revolucionou a história natural da doença na leucemia mieloide crônica (LMC) e no sarcoma GIST. O problema é que essa breakthrough therapy anda em falta para o paciente brasileiro, sem explicações claras acerca do desabastecimento.
O primeiro alerta veio ainda no final de 2021, precisamente dia 28 de dezembro, quando alguns centros de câncer começaram a sinalizar a falta do medicamento. Desde então, inúmeros contatos tentaram, sem sucesso, ouvir o Ministério da Saúde. Afinal, quantos são os pacientes afetados? O que representa para um paciente de GIST, por exemplo, ter interrompida a oferta desse inibidor de tirosina quinase? Por que não houve gestão de estoque desse quimioterápico de primeira linha?
Depois de muita insistência, o Ministério da Saúde se limitou a uma nota protocolar enviada no início de janeiro, que nem de longe dá conta de explicar o desabastecimento. “O Ministério de Saúde informa que o contrato do medicamento mesilato de imatinibe de 100 e 400mg foi assinado no último dia 11. A pasta trabalha para antecipar a entrega”, diz a nota, assinada pela assessoria de imprensa
Igualmente protocolar, o Hospital de Câncer de Barretos se valeu de expediente semelhante. “A informação que temos é de que a Secretaria de Saúde notificou sobre um atraso na entrega do medicamento citado pelo Ministério da Saúde. Neste momento, o medicamento está em processo de aquisição (contrato de aquisição assinado entre o Ministério da Saúde e o fornecedor em 11/01/2022). Conforme contrato, o prazo para entrega do medicamento pelo fornecedor ao Ministério da Saúde é de até 30 dias. Dessa forma, previsão para a regularização no abastecimento é na 2ª quinzena de fevereiro/22”, informou o Hospital de Amor.
Em Porto Alegre, a hematologista Laura Fogliatto manifesta indignação e confirma que o medicamento está mesmo em falta para os pacientes. “Acabou o imatinibe”, afirmou à reportagem do Onconews. A situação se repete em outros centros de tratamento de câncer. “Nossos pacientes estão sem a medicação”, afirma Carlos Eduardo Miguel, chefe da área de hemotologia do Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP).
Lançado pela Novartis como Glivec, o medicamento tem registro na Anvisa e há tempos foi incorporado no Sistema Único de Saúde (SUS). Em dezembro de 2012 o Ministério da Saúde anunciou a produção nacional, como o primeiro genérico para o câncer totalmente produzido no Brasil. À época, em comunicado à imprensa, o Ministério previa destinar R$ 140 milhões por ano para a produção do medicamento, estimando uma economia para o SUS de R$ 337 milhões em cinco anos.
Em documento da Conitec, o custo de produção de mesilato de imatinibe no Brasil era de apenas R$ 17,00 (http://conitec.gov.br/images/Incorporados/Imatinibe-GIST-FINAL.pdf). Mesmo com autosuficiência na produção da molécula a custos acessíveis, como compreender o desabastecimento de imatinibe?