Onconews - Impacto da duração da radioterapia na sobrevida global do carcinoma espinocelular de canal anal

Hanriot Net OKAtrasos no tratamento são comuns no carcinoma espinocelular do ânus e canal anal (SCCA, da sigla em inglês), refletindo a toxicidade da quimiorradiação (QRT). Estudo que investigou os efeitos da duração da radioterapia na sobrevida global de pacientes com SCCA tratados com QRT publicou os resultados, em artigo de Mehta et al., no Journal of Gastrointestinal Oncology. “Artigos como este vêm reforçar o conceito de que tecnologia bem empregada pode salvar vidas, promover melhor qualidade de vida nas pessoas tratadas e com relação de custo-efetividade plenamente justificada", avalia Rodrigo Hanriot (foto), coordenador do serviço de Radioterapia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Foram considerados pacientes adultos diagnosticados com SCCA e tratados com QRT de 2004 a 2014, selecionados a partir dos registros do National Cancer Database dos EUA. Os modelos de regressão de risco proporcional de Cox examinaram o efeito da duração da radioterapia, medida como frações entregues por semana, na sobrevida global. A regressão binomial negativa avaliou os efeitos de fatores demográficos e prognósticos na duração da RT.

Resultados

Um total de 8.948 pacientes foram incluídos na análise dos fatores que afetam a duração do tratamento e 6.429 integraram a análise de SG.

Os achados da análise multivariável indicam que mulheres tratadas em instituições de baixo volume ou volume intermediário, com escore de Charlson / Deyo ≥2 e doença avançada foram mais propensas a receber RT mais prolongada, com lacunas na oferta da dose semanal. Inversamente, o tratamento com IMRT, com quimioterapia de agente único, em um centro acadêmico foi associado a menor duração da RT.

Uma diminuição nas frações entregues por semana foi independentemente associada à redução da SG com um ponto de corte de 4,72 frações por semana (cerca de 2 frações perdidas em um tratamento de 30 frações).“Esforços devem ser feitos para evitar interrupções da RT de qualquer duração em pacientes com SCCA e para compensar interrupções do tratamento que possam  reduzir a duração total da RT”, destacam os autores.

Nesta análise, a redução na SG teve maior efeito quando a RT foi administrada a uma taxa de 4,72 frações por semana ou menos (cerca de 2 frações perdidas em um tratamento de 30 frações). “Esses dados reforçam que qualquer atraso na RT deve ser evitado em pacientes com SCCA que recebem QRT”, apontam.

Tecnologia bem empregada e resultado do tratamento

Por Rodrigo Hanriot, médico especialista em radioterapia, coordenador do serviço de Radioterapia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Como radio-oncologista aprendemos desde sempre que o tratamento irradiante precisa ser entregue idealmente sem interrupções por temor de perda de controle clínico. Alguns trials em tumores com características semelhantes ao de ânus/canal anal, com histologia espinocelular e associação a contaminação por HPV, como tumores de cabeça e pescoço e ginecológicos, já haviam demonstrado perda semelhante no controle com atrasos no término do tratamento.

Este estudo retrospectivo de banco de dados, apesar de sujeito a importantes  bias de amostra, fornece dados inquietantes sobre variáveis que interferem no resultado do tratamento.

Antes de uma possível conclusão óbvia de que atrasos no tratamento estão associados a pior desfecho, levanta-se o questionamento de “porque atrasamos um tratamento”? Tendo a oportunidade como profissional de receber em 2000/2001 o primeiro sistema de tratamento de IMRT do país, pude perceber na prática diária quando (e em quanto) a tecnologia pode fazer a diferença. O tratamento de tumores de ânus/canal anal sempre foi desafiador. Na primeira geração da radioterapia - ou radioterapia bidimensional - o planejamento era extremamente trabalhoso e impreciso. Entregar doses diferentes para cada região (alta dose no ânus, dose intermediária na drenagem pélvica, moderada na região inguinal) usando “blocos de transmissão” com espessura variável e construção totalmente manual, dependia de verdadeiros artesãos da radioterapia. E o resultado era incerto. Toxicidade elevadíssima na pele e períneo, com a certeza de interrupção do tratamento em algum momento.

A segunda geração ou radioterapia conformada tridimensional permitiu importante avanço com muito menos dependência humana, mas ainda assim a toxicidade não impedia interrupções. A mudança veio com IMRT. Delineamento, planejamento e execução foram extremamente simplificadas, a toxidade previsível e confesso que depois dela, não me recordo de ter paciente com tratamento interrompido por toxicidade. Realmente um game changer. Entretanto, até o presente momento, quase 20 anos depois de sua entrada no Brasil, ainda não há incorporação do IMRT pelo rol da ANS, exceto em tumores de cabeça e pescoço.

Artigos como este vêm reforçar o conceito de que tecnologia bem empregada pode salvar vidas, promover melhor qualidade de vida nas pessoas tratadas e com relação de custo-efetividade plenamente justificada.

Referência: Mehta S, Ramey SJ, Kwon D, Rich BJ, Ahmed AA, Wolfson A, Yechieli R, Portelance L, Mellon EA. Impact of radiotherapy duration on overall survival in squamous cell carcinoma of the anus. J Gastrointest Oncol 2020;11(2):277-290. doi: 10.21037/jgo.2020.02.09