Onconews - Implicações e desafios da pan-genômica

henrique galvao barretos vale essa okImagine um teste de biópsia líquida capaz de rastrear indivíduos assintomáticos, para vários tipos de câncer. Em editorial, a edição de junho do Lancet Oncology destaca questionamentos e implicações éticas que cercam o desenvolvimento de um teste universal de biópsia líquida, em debate que ganha novo relevo depois da publicação dos estudos CCGA e DETECT-A. “Tenho grandes expectativas em relação à biópsia líquida, mas vejo com certa cautela o aprimoramento da técnica: detectar ctDNA de neoplasias em estágio inicial é mais difícil”, avalia Henrique Galvão (foto), médico geneticista, coordenador do Departamento de Oncogenética e presidente do Comitê de Bioética Clínica do Hospital de Amor, em Barretos.

“Nesta fase, o tumor está iniciando a invasão de tecidos adjacentes, então, pouco do DNA de suas células "cai" na corrente sanguínea. Por isso, a sensibilidade evidenciada em ambos os estudos não é muito alta”, acrescenta.

O estudo do consórcio CCGA apresentou um teste capaz de detectar mais de 50 tipos de câncer com alta especificidade (> 99%) e sensibilidade que alcançou 92% na doença estádio IV. Já o estudo DETECT-A combinou a biópsia líquida com imagem PET de corpo inteiro e a especificidade chegou a 99%, com sensibilidade que variou de acordo com o tipo do tumor.

“Quando a tecnologia evolui, o preço se torna uma alavanca importante para avaliar a extensão em que pode ser adotada. Uma lição clara da pandemia do COVID-19 é que, mesmo em países de alta renda, os testes em massa podem agravar rapidamente as fragilidades existentes de financiamento nos sistemas de saúde”, argumenta o editorial.

Ao enfocar o custo e a sustentabilidade dessas inovações, a análise do Lancet Oncocoly desperta reflexões importantes sobre o ambiente de avanços científicos. “Quatro anos após o anúncio ambicioso da GRAIL, agora vemos um progresso científico encorajador. No entanto, várias de nossas perguntas anteriores permanecem sem resposta e, o que é mais importante, é se esses testes podem ser refinados a um custo-benefício adequado para uso em todo o mundo?”, questiona a publicação.

A GRAIL nasceu em 2016, apresentada como uma spinoff da Illumina, uma das maiores companhias de diagnóstico do mundo, e desde a criação anunciou sua missão com “a detecção precoce de câncer em indivíduos assintomáticos por meio de biópsia líquida".

Tudo indica que a GRAIL, tecnicamente, já se aproximou do objetivo proposto. No entanto, o avanço tecnológico não parece ter solucionado o cenário de incertezas. Imagine um indivíduo assintomático. Diante de um teste positivo, ele deve ser imediatamente tratado? Paradoxo ainda maior é quando se está diante de um teste positivo para um tumor sem opções de tratamento. A detecção precoce vale o sofrimento psicológico?

“Os trabalhos buscam otimizar esta procura com técnicas de biologia molecular não tão dispendiosas (investigação de 16 genes + 8 marcadores proteicos no caso do Detect-A e de padrões de metilação no CCGA), o que tornaria economicamente viável sua utilização na prática clínica. No entanto, para além de questões metodológicas, temos que levar em conta os impactos emocionais que um resultado desta natureza traz, talvez até não condizentes com seu significado real. Ansiedade, procedimentos fúteis e obstinação diagnóstica devem ser considerados”, observa Galvão.

Enquanto a biópsia líquida e soluções de sequenciamento de DNA avançam, o caminho da viabilidade ainda parece desafiar a era da genômica.

“Estamos em um momento de validação dos conceitos, e o futuro é promissor. Porém, ainda faltam alguns passos, com muita pesquisa e reflexões, para que a biópsia líquida seja capaz de auxiliar as estratégias de prevenção ao câncer na população”, conclui o geneticista brasileiro.

Referência: The Lancet Oncology. (2020). Cancer detection: the quest for a single liquid biopsy for all. The Lancet Oncology, 21(6), 733. DOI:https://doi.org/10.1016/S1470-2045(20)30033-4