O estudo IMPORT LOW, apresentado na 10ª European Breast Cancer Conference (EBCC), sugere que uma dose menor de radiação não impacta os resultados de sobrevida e controle do câncer de mama inicial. Robson Ferrigno (foto), coordenador do serviço de radioterapia do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, analisa o estudo.
A radioterapia para toda a mama é o tratamento padrão após a cirurgia conservadora da mama para mulheres com câncer de mama inicial, mesmo aquelas com baixo risco de recidiva local. No entanto, estudo apresentado na 10ª European Breast Cancer Conference põe em xeque esse padrão de tratamento e sugere que uma dose menor de radiação não impacta os resultados de sobrevida e controle da doença.
"Um grupo de mulheres recebeu a dose completa de radioterapia padrão em toda a mama. Um segundo grupo recebeu dose total padrão na área mais próxima de onde o nódulo apareceu e uma dose ligeiramente inferior nas áreas mais distantes. Um terceiro grupo recebeu radioterapia na dose total padrão apenas na região da mama em que foi identificada a lesão”, esclareceu Charlotte Coles, da Universidade de Cambridge, Reino Unido. "Depois de cinco anos, descobrimos que as taxas de recidiva local foram muito baixas em todos os grupos de tratamento, incluindo as mulheres que receberam menos radioterapia. Um seguimento de longo prazo está sendo realizado e as taxas de recorrência locais em dez anos serão relatadas numa fase posterior, disse ela.
A radioterapia pode causar mudanças na aparência da mama e na textura do tecido mamário, o que valoriza a proposição do estudo, de indagar se a dose de radioterapia total em toda a mama é de fato necessária em mulheres com doença inicial, de baixo risco.
Métodos
Coles e colegas de 30 centros de radioterapia em todo o Reino Unido recrutaram 2018 pacientes com câncer de mama com idade superior a 50 anos, tratadas com cirurgia de conservação da mama para tumores invasivos, medindo menos de 3 centímetros em seu ponto maior. As pacientes foram divididas em três grupos: 675 receberam radioterapia na mama inteira na dose padrão de 40 Gy (grupo controle), 674 receberam 40 Gy no leito tumoral e 36 Gy no resto da mama, e 669 receberam 40 Gy apenas no leito tumoral, sem nenhuma dose no resto da mama.
Todas as mulheres foram tratadas com radioterapia de intensidade modulada (IMRT). As características dos três grupos foram muito semelhantes e a idade média foi de 63 anos.
"Cinco anos após o tratamento, encontramos taxas de recorrência local muito baixas e os efeitos colaterais foram mínimos em todos os grupos. Nós também encontramos evidências em termos de satisfação com a aparência geral da mama, como relatado pelas próprias pacientes, especialmente aquelas que não receberam radioterapia fora do leito tumoral”, declarou Charlotte.
"Esperamos que a evidência de benefícios demonstrada neste estudo traga uma mudança na prática para permitir que mulheres com câncer de mama inicial possam se submeter a este tratamento", acrescentou a pesquisadora.
A pesquisa foi financiada pelo Cancer Research UK (Abstract nº LBA 4).
Análise: IMPORT LOW, por Robson Ferrigno
O estudo apresentado por Coles e colaboradores na 10ª European Breast Cancer Conference é uma análise retrospectiva de três grupos de pacientes com câncer de mama inicial (tumor até 3 cm de diâmetro) tratadas com cirurgia conservadora em 30 diferentes centros de radioterapia do Reino Unido. Os autores compararam os resultados cosméticos e de controle local de acordo com a distribuição de dose.
Todas as pacientes receberam dose de radioterapia hipofracionada (40 Gy em 15 frações) uma vez que esse é o padrão de fracionamento no Reino Unido. Um dos grupos recebeu essa dose apenas no leito do tumor operado, enquanto outro grupo recebeu a dose em toda a mama. Um terceiro grupo foi tratado com essa dose no leito do tumor e de 36 Gy em toda a mama. Em cinco anos não houve diferença estatisticamente significativa no controle local e no resultado cosmético.
Esse estudo é retrospectivo, portando com nível de evidência 3, porém, gera uma hipótese que há vários anos vem sendo estudada: o benefício da radioterapia parcial da mama.
O estudo NSABP B-39 / RTOG 0413, aberto em março de 2005, randomizou pacientes com câncer de mama estádios 0, I e II, com tumor até 3,0 cm de diâmetro, após cirurgia conservadora, em dois grupos. No grupo controle as pacientes foram tratadas com radioterapia de toda a mama com dose de 50 Gy em 25 frações e no grupo experimental elas foram tratadas com radioterapia parcial da mama com radioterapia externa localizada (como no estudo em questão), com braquiterapia intersticial ou com braquiterapia com balão (mammosite). Nesse estudo, não foi permitido o emprego de radioterapia intra-operatória, outra modalidade de radioterapia parcial da mama. Os resultados maduros desse estudo serão publicados no futuro, após seguimento clínico de pelo menos 10 anos.
Além de retrospectivo, o estudo apresentado no 10ªEBCCpossui seguimento clínico curto. Portanto, a radioterapia apenas do leito da lesão primária ainda não deve ser considerada como padrão e nem haver, como escrevem os autores, qualquer mudança na prática, mesmo em pacientes com tumores até 3 cm. Necessitamos de dados mais maduros de estudos prospectivos e randomizados, como o mencionado acima. O emprego dessa estratégia ainda é experimental e deve ser utilizada apenas em pacientes inseridas em protocolos de estudos.
Referência: Abstract no: 4 LBA. “Partial breast radiotherapy for women with early breast cancer: First results of local recurrence data for IMPORT LOW
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