Os inibidores de checkpoint imune (ICI) são cada vez mais utilizados como tratamento em diferentes tipos de câncer. Artigo publicado 19 de julho no Internal Medicine Journal discute as toxicidades endócrinas mais frequentemente relacionadas ao tratamento com ICI, que podem resultar em morbidade e mortalidade significativas se não forem reconhecidas. “É importante que todos os médicos, além de endocrinologistas e oncologistas, compreendam a natureza dessas reações e a abordagem para seu diagnóstico e tratamento. Esta revisão tem como objetivo fornecer uma visão geral da epidemiologia, fisiopatologia, apresentação clínica e manejo desses eventos adversos endócrinos”, destacam os autores. Romualdo Barroso (foto), oncologista do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília, comenta os resultados.
Nesta análise, Anthony G. B. Walters e Geoffrey Braatvedt lembram que os ICIs exercem seu efeito terapêutico através da inibição de duas vias de regulação imunológicas ou 'pontos de verificação', especificamente o marcador de superfície celular do antígeno 4 do linfócito T citotóxico (CTLA-4) e do antígeno dirigido à proteína de morte programada 1 (PD-1) e seu ligante (PD-L1).
Ao inibir a regulação imunológica, os ICI possibilitam maior resposta imune anticâncer, mas ao mesmo tempo podem levar aos chamados eventos adversos imunorrrelacionados (irAE). Os eventos adversos relacionados ao sistema endócrino estão entre os irAE mais comuns, mas a incidência de diferentes endocrinopatias varia significativamente por classe de ICI. Os irAE endócrinos mais frequentemente relatados com o uso de ICI incluem tireoidite, hipofisite e, com menor frequência, também diabetes mellitus autoimune e insuficiência adrenal primária. “Raramente, podem ocorrer diabetes insípido, hipoparatireoidismo e doença de Graves”, acrescentam os autores.
Os irAE endócrinos ocorrem predominantemente nas primeiras 6–12 semanas após o início da terapia, mas foram relatados desde 1 semana a mais de 1 ano após o início do tratamento. A terapia combinada está associada ao início precoce.
Walters e Braatvedt reforçam dados já descritos na literatura, indicando que as diferentes taxas de disfunção hipofisária e tireoidiana entre anti-CTLA-4 e anti-PD-1 ou anti- PD-L1 são bem descritas e ocorrem mais em pacientes tratados com terapia combinada. “A hipofisite é mais comum naqueles que tomam o agente anti-CTLA-4 ipilimumabe (3,8%) ou terapia combinada (6,4%) do que em pacientes tratados com terapia anti-PD-1 (1,1%) e anti-PD-L1 <0,1%”, descrevem.
O inverso é verdadeiro para a disfunção tireoidiana, mais frequente em pacientes que recebem terapia combinada ou anti-PD-1. “O hipotireoidismo é a endocrinopatia mais comumente encontrada, com incidência relatada de 13,2% com terapia combinada, 7,0% com terapia anti-PD-1 e taxas semelhantes com ipilimumabe e anti-PD-L1 sozinho de 3,8% e 3,9%, respectivamente”, reportam os autores. Para Walters e Braatvedt, as taxas de hipertireoidismo podem estar subestimadas, considerando que o hipertireoidismo assintomático precede o hipotireoidismo em muitos casos de tireoidite autoimune. “No entanto, a incidência relatada de hipertireoidismo foi de 8% com terapia combinada, 1,7% com ipilimumabe, 3,2% com terapia anti-PD-1 e 0,6 % com terapia anti-PD-L1”.
A incidência de insuficiência adrenal primária foi rara, de apenas 0,7%, mas uma incidência bem superior (4,2%) foi observada em pacientes em terapia combinada. O diabetes mellitus autoimune (fenótipo tipo 1) ocorreu com frequência ainda menor, com incidência de 0,2%, e os autores destacam que 12 dos 13 casos ocorreram naqueles tratados com terapia anti-PD-1. “Isso é consistente com uma revisão de relatos de casos, em que 65 dos 66 casos de diabetes mellitus autoimune foram tratados com anti-PD-1, anti-PD-L1 ou terapia combinada”, relata a publicação.
A revisão sistemática também incluiu dados de análises retrospectivas e longitudinais mais recentes sugerindo que os dados dos ensaios clínicos podem subestimar a verdadeira incidência de irAE, considerando que relatórios pós-comercialização sugerem taxas mais altas da maioria das endocrinopatias, particularmente as mais raras, como insuficiência adrenal primária e diabetes mellitus, com incidência dessas complicações de até 2%.
Barroso destaca a importância de monitorização da função tireoidiana, com a recomendação de TSH e T4 livre antes de iniciar o tratamento, antes de cada ciclo nos primeiro 4 meses e depois em meses alternados. “Com relação a hipofisite, sobretudo em pacientes usando inibidores de CTLA-4, é importante orientar o paciente e suspeitar da hipofisite ou da insuficiência adrenal primária em caso de fadiga importante, cefaleia e hipotensão postural. Embora raro, a possibilidade de diabetes fulminante também deve ser pensada em pacientes com hipotensão e confusão mental”, observa.
“Outro detalhe é que, no geral, esses efeitos tendem a se tornar crônicos, e pacientes que desenvolvem hipofisite e/ou insuficiência adrenal primária ou diabetes devem ser encaminhados para seguimento conjunto com endocrinologista”, acrescenta.
A íntegra do artigo está disponível, em acesso aberto, e inclui dados sobre gestão, monitoramento e tratamento de sintomas. Em síntese, os efeitos endócrinos do tratamento com ICI são uma complicação cada vez mais reconhecida da terapia do câncer, com uma variedade de efeitos adversos comuns e raros. “Essas complicações são importantes para oncologistas, endocrinologistas e generalistas, com implicações no monitoramento, tratamento e possivelmente no prognóstico”, concluem os autores.
Referência: Endocrine adverse effects of immune checkpoint inhibitors - Anthony G. B. Walters, Geoffrey Braatvedt - First published: 18 July 2021 - https://doi.org/10.1111/imj.14992