Em pacientes com carcinoma de nasofaringe com doença N0-N1, estudo de não-inferioridade demonstrou que a irradiação eletiva da parte superior do pescoço não envolvido fornece controle regional semelhante e resulta em menor toxicidade comparada à irradiação padrão do pescoço inteiro. Robson Ferrigno (foto), coordenador dos Serviços de Radioterapia do Hospital BP Paulista, analisa os resultados, publicados na edição de abril do Lancet Oncology.
Este estudo randomizado de fase 3, aberto, de não-inferioridade, envolveu três centros médicos chineses. Foram inscritos pacientes entre 18 e 65 anos de idade e carcinoma de nasofaringe sem tratamento prévio, com doença N0-N1, de acordo com a classificação TNM da International Union Against Cancer (AJCC, 7ª edição) não queratinizante e não metastática (M0), com status de desempenho de Karnofsky de 70 ou superior.
Os pacientes elegíveis foram randomizados (1:1) para receber irradiação eletiva ipsilateral da parte superior do pescoço (UNI) ou irradiação do pescoço inteiro (WNI). Doses totais de radiação de 70 Gy (para o volume do tumor primário e linfonodos retrofaríngeos aumentados), 66-70 Gy (para os linfonodos cervicais envolvidos), 60-62 Gy (para o volume alvo de alto risco) e 54-56 Gy (para o volume alvo de baixo risco) administrados em 30-33 frações, distribuídas em cinco frações por semana. Pacientes com doença estágio II-IVA foram recomendados para quimioterapia à base de cisplatina intravenosa (ou quimioterapia de indução seguida de quimiorradioterapia concomitante ou quimiorradioterapia concomitante isolada). Os pacientes foram estratificados de acordo com o centro de tratamento e status nodal. O endpoint primário foi a sobrevida livre de recaída regional na população com intenção de tratar.
Para esta análise, a não-inferioridade foi definida como sobrevida livre de recidiva regional em 3 anos dentro de 8% do limite superior (IC de 95%) entre os grupos UNI e WNI. Os eventos adversos foram analisados na população de segurança (definida como todos os pacientes que iniciaram o tratamento randomizado).
Os autores relatam que entre 22 de janeiro de 2016 e 23 de maio de 2018, 446 pacientes foram randomizados para receber UNI (n=224) ou WNI (n=222). O acompanhamento mediano foi de 53 meses (IQR 46-59).
Os resultados mostram que a sobrevida livre de recaída regional em 3 anos foi semelhante nos grupos UNI e WNI, com 97,7% [IC 95% 95,7–99,7] no grupo UNI versus 96,3% [93,8–98,8] no grupo WNI; diferença -1,4% [IC 95% -4,6 a 1,8]; p não inferioridade <0,0001).
Quando analisados os dados de segurança, embora os efeitos tóxicos relacionados à radiação aguda tenham sido semelhantes entre os dois grupos, a incidência de toxicidade tardia foi menor no grupo UNI do que no grupo WNI, incluindo hipotireoidismo de qualquer grau (66 [30%] de 222 pacientes vs 87 [39%] de 221), toxicidade cutânea (32 [14%] vs 55 [25%]), disfagia (38 [17%] vs 71 [32%]) e lesão do tecido do pescoço (50 [23%] vs 88 [40%]]). Nenhuma morte ocorreu durante o tratamento. Após o tratamento, um paciente do grupo WNI morreu de causa não relacionada ao câncer (dermatomiosite).
Em conclusão, a irradiação eletiva ipsilateral da parte superior do pescoço (UNI), poupando a parte inferior do pescoço não envolvida, fornece sobrevida regional livre de recidiva semelhante em comparação com a irradiação padrão de pescoço inteiro (WNI) em pacientes com carcinoma de nasofaringe N0-N1.
Este estudo está registrado na plataforma ClinicalTrials.gov, NCT02642107, e está fechado para recrutamento.
Resultados são promissores, mas devem ser interpretados com cautela
Por Robson Ferrigno, médico especialista em Radioterapia coordenador dos Serviços de Radioterapia do Hospital BP Paulista
Trata-se do primeiro estudo publicado na literatura, prospectivo e randomizado, de não inferioridade, para avaliar de-escalonamento de volume de entrega de radiação para tratamento do câncer de nasofaringe.
O padrão de tratamento preconizado mundialmente para os carcinomas de nasofaringe a partir do estádio IIB (T2b N0 M0, T1-2N1M0) é a associação de radioterapia com quimioterapia baseada em agente platinante. A radioterapia exclusiva é reservada apenas para os estádios I (T1N0M0) e IIA (T2aN0M0). Com ou sem quimioterapia, o volume de entrega de radioterapia compreende o tumor primário com margens e as drenagens linfáticas cervicais níveis Ib, II, III IV e V, além da base do crânio e dos linfonodos retrofaríngeos. A diminuição do volume de radiação para os estádios linfonodais N0 e N1 (estádio I a III), conforme avaliada pelo estudo em questão, traz potencial de diminuição de toxicidade tardia e melhor qualidade de vida para os pacientes curados.
No entanto, os achados devem ser interpretados com cautela uma vez que o seguimento mediano desse estudo é de apenas 53 meses e os cálculos atuariais para controle loco regional foram para apenas três anos. Como ainda pode haver recaídas mais tardias, é razoável aguardarmos seguimento maior desses pacientes.
O achado de ausência de diferença na toxicidade aguda era esperado uma vez que esse tipo de desfecho é causado principalmente pela entrega de radiação na área do tumor primário. A toxicidade tardia menor é consequência da ausência de radiação em pescoço contralateral, o que facilita a proteção de glândulas salivares contralaterais e do esôfago, da diminuição de dose em glândula tireóide que fica localizada na parte inferior do pescoço e da diminuição de extensão de pele irradiada.
No futuro, se essa estratégia de de-escalonamento puder ser adotada com segurança para os estádios N0 e N1, é fundamental que esses pacientes sejam estadiados com PET/CT e ressonância para melhor acurácia da extensão da doença.
Com seguimento mais longo esse estudo pode representar mudança de conduta técnica de radioterapia para esses pacientes.
Referência: Elective upper-neck versus whole-neck irradiation of the uninvolved neck in patients with nasopharyngeal carcinoma: an open-label, non-inferiority, multicentre, randomised phase 3 trial - Prof Ling-Long Tang; Cheng-Long Huang, MD; Prof Ning Zhang, MD; Prof Wei Jiang, MD; Yi-Shan Wu, MD; Prof Shao Hui Huang, MD et al. - Published:February 28, 2022DOI:https://doi.org/10.1016/S1470-2045(22)00058-4