Dados de uma pesquisa coordenada pelo Dana Farber Cancer Institute mostram que 80% dos oncologistas consultados discutiram o uso medicinal da maconha com seus pacientes e quase metade (46%) recomendou o uso no último ano. Os resultados foram publicados no Journal of Clinical Oncology e segundo os autores esse é o primeiro estudo sobre práticas e crenças dos oncologistas em relação à maconha medicinal. “Mais do que mostrar o conhecimento e a experiência de oncologistas sobre o uso da maconha medicinal e seus derivados no tratamento oncológico, o estudo nos traz uma discussão muito importante sobre os abismos que ainda existem entre as melhores evidências e a tomada de decisão em saúde”, avaliam Rachel Riera e Rafael Leite Pacheco, do Centro Cochrane do Brasil.
A pesquisa questionou os oncologistas sobre o uso da maconha medicinal e buscou avaliar se discutem o assunto com seus pacientes, quais as recomendações mais frequentes e qual o grau de conhecimento do oncologista sobre o tema. O estudo também buscou avaliar a perspectiva do oncologista sobre a eficácia da maconha medicinal para sintomas relacionados ao câncer, como dor, náuseas e vômitos, depressão, ansiedade, falta de apetite, falta de sono e estado geral, bem como seus riscos em comparação com outros tratamentos.
O survey foi enviado a 400 oncologistas, selecionados aleatoriamente, e obteve 237 respondentes.
Os resultados mostram que 80% dos oncologistas consultados conversam com seus pacientes sobre o uso da maconha medicinal e em 78% dos casos o assunto foi introduzido pelo próprio paciente ou sua família. Menos de 30% dos oncologistas se sentiram suficientemente informados sobre a maconha medicinal para fazer recomendações, mas quase metade (46%) recomendou o consumo aos pacientes no último ano.
Segundo os especialistas da Cochrane, mesmo em um tema atual e muito discutido, o uso da maconha medicinal, uma parcela pequena (menos de 30%) dos oncologistas se sentiu suficientemente amparada a fazer recomendações aos seus pacientes. “Apesar disto, e mais alarmante ainda, é o fato de que cerca de metade dos oncologistas (46%) recomendou o uso da maconha medicinal”, ressaltam.
Rachel e Rafael defendem que não existe mais espaço para uma medicina que não seja amparada nas melhores evidências. “A revisão sistemática da literatura é o primeiro passo, mas não o único, para resolver este problema. O grande desafio é transformar as evidências de uma revisão sistemática em recomendações de acesso fácil aos profissionais e pacientes. Mesmo que não houvessem estudos clínicos sobre a efetividade e segurança da maconha medicinal (o que certamente não é verdade), uma revisão sistemática bem-feita serviria de apoio ao tomador de decisão para, por exemplo, priorizar outros tratamentos cuja efetividade e segurança são conhecidas”, observam os especialistas, acrescentando que em uma busca rápida no MEDLINE (via Pubmed), foram encontradas algumas revisões sistemáticas2-7 que poderiam ser úteis como recomendações a pacientes oncológicos.
Em relação à eficácia, para 67% dos respondentes a maconha foi entendida como um complemento às estratégias padrão de tratamento da dor, enquanto 65% consideraram que a maconha medicinal é tão ou mais eficaz quanto os tratamentos padrão para anorexia e caquexia.
"Garantir que os médicos tenham um conhecimento suficiente para embasar suas recomendações é essencial para fornecer cuidados de alta qualidade”, sustentou Eric G. Campbell, professor da Escola de Medicina do Colorado e coautor do trabalho. “Nosso estudo sugere que há claramente espaço para melhorias quando se trata de maconha medicinal”, concluem os autores.
A pesquisa também mostrou variações importantes no entendimento da maconha medicinal, sendo recomendados para fins terapêuticos tanto os fármacos canabinóides, disponíveis com receita médica e que contêm um ou dois ingredientes ativos, quanto a maconha extraída da planta, que contém centenas de ingredientes ativos e, portanto, “apresenta potencial de promover complexas interações sinérgicas e inibitórias”, alertam.
“O artigo nos traz uma curiosidade que vai além da efetividade e segurança da maconha medicinal em pacientes oncológicos. Ele nos faz idealizar como seriam os cuidados em saúde se cada conduta fosse baseada nas melhores evidências disponíveis”, reforçam os pesquisadores da Cochrane.
Referências:
1 - Medical Oncologists’ Beliefs, Practices, and Knowledge Regarding Marijuana Used Therapeutically: A Nationally Representative Survey Study - Ilana M. Braun, Alexi Wright, John Peteet, Fremonta L. Meyer, David P. Yuppa, Dragana Bolcic-Jankovic, Jessica LeBlanc, Yuchiao Chang, Liyang Yu, Manan M. Nayak, James A. Tulsky, Joji Suzuki, Lida Nabati, and Eric G. Campbell - Journal of Clinical Oncology 2018 36:19, 1957-1962
2 - Schussel V, Kenzo L, Santos A, et al. Cannabinoids for nausea and vomiting related to chemotherapy: Overview of systematic reviews. Phytother Res. 2018;32(4):567-576.
3 - Smith LA, Azariah F, Lavender VT, et al. Cannabinoids for nausea and vomiting in adults with cancer receiving chemotherapy. Cochrane Database Syst Rev. 2015;(11):CD009464.
4 - Tramèr MR, Carroll D, Campbell FA, et al. Cannabinoids for control of chemotherapy induced nausea and vomiting: quantitative systematic review. BMJ. 2001;323(7303):16-21.
5 - Cotter J. Efficacy of Crude Marijuana and Synthetic Delta-9-Tetrahydrocannabinol as Treatment for Chemotherapy-Induced Nausea and Vomiting: A Systematic Literature Review. Oncol Nurs Forum. 2009;36(3):345-352.
6 - Davis MP. Oral nabilone capsules in the treatment of chemotherapy-induced nausea and vomiting and pain. Expert Opin Investig Drugs. 2008;17(1):85-95.
7 - Machado Rocha FC, Stéfano SC, De Cássia Haiek R, et al. Therapeutic use of Cannabis sativa on chemotherapy-induced nausea and vomiting among cancer patients: systematic review and meta-analysis. Eur J Cancer Care (Engl). 2008;17(5):431-4