Estudo longitudinal de Meissner e cols1., publicado na Revista Científica Cancer, demonstrou que sintomas moderados a severos de medo de recidiva do câncer (do inglês, FCR – Fear of Cancer Recurrence) reportados por pacientes com câncer de próstata localizado podem permanecer por um longo período de tempo. O estudo foi tema de editorial2 escrito pela psico-oncologista Cristiane Decat Bergerot (foto), do Centro de Câncer de Brasília (CETTRO), em parceria com os uro-oncologistas Stephen Williams e Zachary Klaassen.
“Este é um dos maiores estudos sobre o medo de recidiva em termos de tamanho da amostra (N=2417 pacientes) e de tempo de seguimento (9 anos). Pacientes com câncer de próstata foram avaliados em dois momentos: após o diagnóstico e cerca de 9 anos depois. Num segundo momento foram identificados importantes preditores de FCR tais como escolaridade, tipo de tratamento, sintomas de ansiedade, depressão e FCR já identificada no primeiro momento. Esse estudo reforça a relevância de se identificar sintomas psicossociais associado ao diagnóstico e ao tratamento para adequado manejo desses sintomas”, destaca o editorial.
Embora o medo da recidiva do câncer (FCR) ou da progressão da doença esteja entre as principais necessidades e preocupações reportadas por sobreviventes de câncer, estudos longitudinais sobre a trajetória do FCR são escassos. Neste estudo, os pesquisadores buscaram avaliar longitudinalmente a prevalência e os preditores (sociodemográficos, clínicos e sintomas emocionais) de FCR em sobreviventes de câncer de próstata em um período superior a 7 anos.
Com base no banco de dados multicêntrico German Familial Prostate Cancer Database, 2.417 sobreviventes completaram o Fear of Progression Questionnaire–Short Form com intervalo entre dois tempos distintos de avaliação (T1 e T2), sendo T1 a primeira avaliação após a prostatectomia radical (por volta do ano de 2010) e T2 no acompanhamento subsequente (até 2019). A regressão logística multivariável hierárquica foi usada para avaliar os preditores de FCR no acompanhamento.
A mediana de idade na avaliação inicial foi de 69,5 anos (desvio padrão, 5,9 anos); 6,5% e 8,4% dos pacientes relataram sintomas clínicos de FCR na avaliação inicial (T1) e no seguimento (T2), respectivamente.
Em uma análise multivariável, controlando para associações concorrentes, os preditores longitudinais de FCR no T2 incluíram: baixa escolaridade (odds ratio [OR], 4,35; 95% [CI], 2,33-8,33), tempo decorrido da prostatectomia radical (OR , 1,10; 95% CI, 1,03-1,18), recorrência bioquímica (OR, 1,67; 95% CI, 1,02-2,72), ausência de terapia adjuvante atual (OR, 2,38; 95% CI, 1,19-4,76), FCR (OR, 10,75; 95% CI, 6,18-18,72) e ansiedade (OR, 1,35; 95% CI, 1,06-1,72).
“O medo da recidiva do câncer é um sintoma comumente reportado por pacientes com câncer (doença localizada ou metastática), e níveis mais elevados estão associados a pior qualidade de vida, aumento do uso de recursos de saúde e prejuízo funcional2,3”, esclarece o editorial.
“Os achados deste estudo destacam que uma baixa proporção de sobreviventes reportou FCR moderada a grave em T1 (6,5%) e em T2 (8,4%). Resultados semelhantes foram encontrados para ansiedade (T1, 4,8%; T2, 10,6%) e depressão (T1, 4,9%; T2, 14,3%). Estes resultados corroboram com estudos anteriores com esta população de pacientes. É digno de nota que a proporção de pacientes com câncer de próstata que reporta sintomas emocionais é menor do que a proporção de pacientes com câncer de mama ou de pulmão3,4”, aponta Bergerot e cols. A prevalência de FCR encontrada neste estudo foi ainda menor do que a prevalência descrita anteriormente, em média 3 vezes maior.3-8. “É importante ressaltar que a maioria desses estudos foram transversais ou possuíam menos tempo de seguimento (6 meses, 2 anos e 7 anos após o tratamento) e usaram diferentes questionários”, observam.
O editorial ressalta que o estudo de Meissner e cols. demonstrou a relevância da triagem de pacientes com câncer de próstata para FCR. “Pacientes com doença localizada tratada com prostatectomia radical que apresentavam sintomas clínicos de FCR antes da cirurgia, continuaram a sentir esses sintomas por quase uma década (pelo menos 9 anos). A presença desse sintoma, provavelmente impactou na qualidade de vida desses pacientes, com potencial implicação nos comportamentos de promoção da saúde. Fornecer suporte emocional e abordar a FCR, bem como promover a educação em saúde é essencial para esses pacientes9”, avaliam.
Entre as opções que podem minimizar o estigma frequente e as barreiras logísticas associadas ao suporte psicológico, os autores apontam intervenções online (eHealth), como iConquerFear,10 um programa estruturado e baseado em evidências que se mostrou eficaz na abordagem da FCR entre os pacientes.11
Entre as limitações do estudo de Meissner e cols., estão o fato de ter sido conduzido na Alemanha e, portanto, o papel potencial de várias políticas nacionais de saúde pode ter influenciado a prestação de cuidados oncológicos e a notificação de pacientes. Além disso, os pacientes desta amostra foram diagnosticados em um estágio inicial da doença, e a extensão da FCR encontrada nesta amostra pode não ser semelhante à experimentada por pacientes com câncer de próstata em estágios de loco-regional ou metastática. “Também é importante destacar que este estudo não examinou sintomas que podem impactar no bem-estar emocional dos pacientes, incluindo funcionamento sexual, urinário ou intestinal10, 12.
O FCR deve ser incluído no programa de avaliação de sintomas emocionais da instituição, para pacientes com câncer de próstata”, afirmam. “Estudos futuros devem explorar a relação entre eventos adversos e FCR.,determinar a prevalência de FCR em pacientes com doença loco-regional ou metastática e avaliar o papel que o FCR pode desempenhar na adesão à triagem de antígeno prostático específico”, conclui o editorial.
Referências:
1 - Meissner, VH, Olze, L, Schiele, S, Ankerst, DP, Jahnen, M, Gschwend, JE, Herkommer, K, Dinkel, A. Fear of cancer recurrence and disease progression in long-term prostate cancer survivors after radical prostatectomy: A longitudinal study. Cancer. 2021. https://doi.org/10.1002/cncr.33836
https://acsjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/cncr.33836
2 - Bergerot, CD, Williams, SB, Klaassen, Z. Fear of cancer recurrence among patients with localized prostate cancer. Cancer. 2021. https://doi.org/10.1002/cncr.33837
https://acsjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/cncr.33837
3 - Götze H, Taubenheim S, Dietz A, Lordick F, Mehnert-Theuerkauf A. Fear of cancer recurrence across the survivorship trajectory: results from a survey of adult long-term cancer survivors. Psychooncology. 2019; 28: 2033- 2041.
4 - Hinz A, Mehnert A, Ernst J, Herschbach P, Schulte T. Fear of progression in patients 6 months after cancer rehabilitation—a validation study of the fear of progression questionnaire FoP-Q-12. Support Care Cancer. 2015; 23: 1579- 1587.
5 - Mehta SS, Lubeck D, Pasta DJ, Litwin MS. Fear of cancer recurrence in patients undergoing definitive treatment for prostate cancer: results from CaPSURE. J Urol. 2003; 170: 1931- 1933.
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11 - Tauber NM, O'Toole MS, Dinkel A, et al. Effect of psychological intervention on fear of cancer recurrence: a systematic review and meta-analysis. J Clin Oncol. 2019; 37: 2899- 2915.
12 - De Sousa A, Sonavane S, Mehta J. Psychological aspects of prostate cancer: a clinical review. Prostate Cancer Prostatic Dis. 2012; 15: 120- 127.