A radioterapia por feixe externo (RT) é o tratamento padrão (SOC) para o alívio da dor de metástases ósseas sintomáticas. Estudo liderado por pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center buscou avaliar a eficácia da radioterapia para metástases ósseas assintomáticas na prevenção de eventos relacionados ao esqueleto (SRE). O radio-oncologista Bernardo Salvajoli (foto) analisa os resultados.
Neste estudo multicêntrico randomizado e controlado, pacientes adultos com neoplasias malignas de tumores sólidos metastáticos foram estratificados por histologia e SOC planejado (terapia sistêmica ou observação) e randomizados na proporção de 1:1 para receber RT para metástases ósseas assintomáticas de alto risco ou SOC isoladamente. O endpoint primário foi SRE. Os endpoints secundários incluíram hospitalizações por SRE e sobrevida global (SG). Os SREs incluem dor, fraturas e compressão da medula espinhal que requerem cirurgia ou radioterapia. Eles podem contribuir para um maior risco de morte e maiores custos de cuidados de saúde.
Os resultados relatados no Journal of Clinical Oncology mostram que entre 8 de maio de 2018 e 9 de agosto de 2021 foram inscritos 78 pacientes com 122 metástases ósseas de alto risco, a partir de três instituições nos Estados Unidos. Setenta e três pacientes foram avaliados para o endpoint primário.
Os tipos de câncer primário mais comuns foram pulmão (27%), mama (24%) e próstata (22%). Em 1 ano, o SRE ocorreu em uma das 62 metástases ósseas (1,6%) no braço da RT e em 14 das 49 metástases ósseas (29%) no braço SOC (P < 0,001). Houve significativamente menos pacientes hospitalizados por SRE no braço de RT em comparação com o braço SOC (0 x 4, P = 0,045). Em um acompanhamento médio de 2,5 anos, os autores descrevem que a SG foi significativamente mais longa no braço de RT (razão de risco [HR], 0,49; IC 95%, 0,27 a 0,89; P = 0,018), benefício que persistiu na análise de regressão multivariada de Cox (HR, 0,46; IC 95%, 0,23 a 0,85; P = 0,01).
“A radioterapia administrada profilaticamente para as metástases ósseas assintomáticas e de alto risco reduziu o SRE e as hospitalizações. Também observamos melhora na sobrevida global com radiação profilática, embora um estudo confirmatório de fase III seja necessário”, concluem os autores.
Em síntese, Gillespie et al. destacam que este estudo randomizado de fase II é relevante para demonstrar benefício clínico e estatisticamente significativo da RT na redução de eventos relacionados ao esqueleto, incluindo fratura patológica, compressão da medula espinhal ou intervenção ortopédica com radiação profilática para metástases ósseas assintomáticas, mas de alto risco.
A análise mostra que entre 78 pacientes adultos com tumores sólidos metastáticos, a radioterapia reduziu o SRE em 1 ano de 29% para 1,6% em comparação com o tratamento padrão. Além disso, a sobrevida global foi ampliada com o uso de radioterapia (mediana de 1,7 versus 1,0 anos) com uma razão de risco de 0,49, que manteve a significância na análise ajustada.
RT em locais de risco e prevenção de complicações ósseas
Por Bernardo Salvajoli, médico especialista em radioterapia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital do Coração (HCorOnco)
“Historicamente, a radioterapia paliativa para lesões ósseas se concentrou em reduzir a dor e outras complicações relacionadas quando o câncer já não é mais considerado curável. Existe o conceito de que pode ser usada para prevenir fraturas em locais críticos ou compressões medulares, mas na prática essa abordagem acaba sendo muito pouco utilizada.
Embora a radioterapia externa seja o padrão de cuidado para lesões dolorosas, ela não tem sido amplamente utilizada para lesões assintomáticas fora do contexto oligometastático. Geralmente, os pacientes continuam em terapia sistêmica até que as lesões se tornem sintomáticas.
Este estudo surgiu da observação de que muitos pacientes hospitalizados devido a metástases ósseas complicadas já apresentam evidências dessas lesões em exames de imagem vários meses antes da complicação.
Os pesquisadores esperavam mostrar que complicações relacionadas poderiam ser prevenidas ao tratar metástases ósseas assintomáticas com radiação e ficaram surpresos ao descobrir que os benefícios dessa terapia podem ir além da prevenção, talvez com ganhos em fazer os pacientes viverem mais. É instigante pensar que a radioterapia paliativa, uma terapia simples e mais barata, poderia prolongar a sobrevida.
O que podemos extrair do artigo de Fase II é que sim, existe um papel para a prevenção de complicações ósseas usando radioterapia em locais de risco, como colo de fêmur ou coluna, por exemplo, e gera uma hipótese para estudos de fase III, que talvez, com essa abordagem, possa fazer os pacientes viverem mais.
Diversas dúvidas persistem e devem ser esclarecidas nos próximos estudos: Qual o melhor momento de intervenção? Quais histologias se beneficiam? Quais locais anatômicos têm maior risco de hospitalização e quais devem ser tratados?
Referência: DOI: 10.1200/JCO.23.00753 Journal of Clinical Oncology. Published online September 25, 2023.