As bactérias que vivem no trato digestivo humano podem influenciar a forma como o câncer responde à imunoterapia. É o que mostra estudo do MD Anderson Cancer Center publicado na Science. O estudo considerou pacientes com melanoma metastático tratados com anti PD-1 e abre um novo caminho para melhorar o tratamento com inibidores de checkpoint imune. “Investigações como está são bem-vindas ao descortinar um futuro promissor em que microrganismos poderão ser nossos aliados para obter melhor tratamento do câncer”, afirma Dan Waitzberg (foto), diretor presidente do GANEP Nutrição Humana e coordenador do Grupo de Pesquisa (NAPAN) da FMUSP.
Para avaliar o impacto do microbioma na imunooncologia, Wargo e colegas analisaram os swabs bucais - amostras de tecido do interior da bochecha - e amostras fecais de pacientes de melanoma metastático tratados com anti-PD1 (n= 112). As amostras foram sequenciadas para determinar a diversidade, composição e potencial funcional dos microbiomas bucais e fecais.
Embora a equipe não tenha encontrado diferenças substanciais na resposta ou progressão com base em amostras bucais, as análises de amostras fecais mostraram associação com a resposta terapêutica. O estudo identificou diferenças importantes na composição do microbioma intestinal de pacientes que responderam (R) versus os que não responderam ao tratamento com anti PD-1 (NR). A análise das amostras de microbiomas fecais (n = 43, 30R, 13NR) mostrou uma diversidade significativamente maior (p <0,01) de bactérias, com abundância relativa da bactéria Ruminococcaceae (p <0,01) em pacientes que alcançaram resposta.
Aqueles com maior diversidade de bactérias no trato digestivo apresentaram maior mediana de sobrevida livre de progressão (SLP). Os pacientes que apresentaram abundância do gênero Faecalibacterium (da família Ruminococcaceae e ordem Clostridiales) em seus intestinos apresentaram SLP significativamente prolongada (mediana não alcançada), em comparação com aqueles com baixa abundância (SLP mediana de 242 dias). No entanto, a abundância de Bacteroidales no microbioma foi associada a uma progressão mais rápida da doença, com SLP significativamente menor (média de 188 dias), em comparação com a baixa presença de Bacteroidales (SLP mediana de 393 dias).
Para os autores, um microbioma favorável também foi associado a melhor apresentação do antígeno pelo sistema imunológico no microambiente tumoral. A análise de subgrupos mostrou que os pacientes que responderam e apresentavam altos níveis de Clostridiales / Ruminococcaceae apresentavam níveis mais elevados de células T circulantes. Aqueles com Bacteriodales abundantes apresentaram níveis mais elevados de células imunossupressoras, que não ativam a imunidade antitumoral.
Para investigar mecanismos causais, a equipe transplantou em cobaias microbiomas fecais de pacientes respondentes e de pacientes que não responderam à terapia com anti PD-1. Aqueles que receberam transplantes de respondentes reduziram significativamente o crescimento tumoral, bem como a densidades de células T benéficas, com níveis mais baixos de células imunossupressoras. Eles também tiveram melhores resultados quando tratados com inibidores de checkpoint imune.
Em conclusão, o estudo sugere que os microbiomas intestinais modulam a imunidade sistêmica e antitumoral. Agora, em associação com o Parker Institute for Cancer Immunotherapy, os pesquisadores devem desenvolver um estudo clínico que combina inibidores de checkpoint imune com modulação de microbioma.
“Os resultados pioneiros do trabalho publicado por Wargo e colaboradores na Science apontam que a riqueza e a diversidade da microbiota fecal influenciaram positivamente a resposta ao tratamento imunoterápico do melanoma. Esta observação está em linha com diversas outras que apontam que a condição oposta, ou seja, de disbiose, com menor diversidade e riqueza da microbiota está associada a diferentes estados mórbidos, que incluem os do próprio aparelho digestivo, mas também sistêmicos, como diabetes, obesidade, NASH, artrites e autismo, entre vários outros”, afirma Dan Waitzberg, diretor presidente do GANEP Nutrição Humana e coordenador do Grupo de Pesquisa (NAPAN) da FMUSP.
Waitzberg explica que a microbiota adequada composta por microrganismos simbiontes e comensais está associada à tolerância imunológica graças à permanente conversação cruzada com células imunológicas do intestino delgado e grosso. “Admite-se que o câncer de cólon pode ter sua carcinogênese parcialmente explicada por disbiose fecal, e que os resultados de quimio e radioterapia têm menores efeitos adversos em doentes com microbiota simbiótica”, diz.
Os autores observam que o microbioma é um fator de risco modificável que pode ser alvo de dieta, exercício, uso de antibióticos ou probióticos ou transplante de material fecal. "No entanto, ainda há muito a aprender sobre a relação entre o microbioma e o tratamento do câncer e é importante que não haja estímulo à automedicação com probióticos ou outros métodos", ressaltam.
Referência: Gut microbiome modulates response to anti–PD-1 immunotherapy in melanoma patients - V. Gopalakrishnan, A. Wargo et al - Science 02 Nov 2017: eaan4236 - DOI: 10.1126/science.aan4236