Rafael Almeida (foto), pesquisador associado no InCor/HCFMUSP, é primeiro autor de estudo brasileiro publicado na British Journal of Cancer e destacado em editorial na mesma edição, com novos dados para compreender como as interações hospedeiro-microbiota impactam as células T produtoras de IL-9 e modulam a progressão tumoral.
Muitos estudos indicam que as interações hospedeiro-microbiota contribuem para a diferenciação e função de células T locais e sistêmicas. No entanto, nenhum estudo havia abordado o impacto dessas interações nas células T produtoras de IL-9. Diante da crescente evidência de que a microbiota do hospedeiro e as células T produtoras de IL-9 modulam a progressão tumoral, Almeida et al. procuraram avaliar se as células Th9 e Tc9 estariam entre os fatores protetivos mediados pela microbiota contra o desenvolvimento do tumor.
“Mostramos que camundongos livres de germes têm menor frequência de células T produtoras de IL-9 na lâmina colônica quando comparados com camundongos convencionais, e que a reconstituição da microbiota intestinal restaura as frequências celulares”, descrevem os autores.
O estudo brasileiro também mostrou que o tratamento de longo prazo com antibiótico promoveu a disbiose no hospedeiro, diminuiu a expressão intestinal dos genes IL-4 e TGF-β e diminuiu a frequência de células T produtoras de IL-9 na lâmina própria do cólon, aumentando a suscetibilidade ao desenvolvimento de tumores e reduzindo a frequência das células T produtoras de IL-9 no microambiente do tumor.
A boa notícia é que estratégias foram capazes de promover atividade anticâncer. “O transplante fecal restaurou a diversidade da microbiota intestinal e a frequência das células T produtoras de IL-9 nos pulmões de animais disbióticos, restringindo a carga tumoral. Finalmente, a injeção recombinante de IL-9 melhorou o controle do tumor em camundongos disbióticos”, analisam os autores.
A disbiose tem sido associada não apenas a problemas relacionados à imunidade antitumoral, mas também com a falta de eficácia de diferentes terapias, particularmente inibidores de checkpoint imune, tanto em modelos animais quanto em humanos. Assim, ampliar a compreensão sobre a interação hospedeiro-microbiota abre caminho para novas abordagens no tratamento do câncer.
Rafael Ribeiro Almeida, primeiro autor do artigo na BJC, explica que o impacto da interação entre a microbiota e o hospedeiro sobre o desenvolvimento, maturação e função do sistema imunológico tem sido alvo de diversos estudos nos últimos anos. “Evidências clínicas e experimentais apontam para um papel fundamental da microbiota, tanto na imunidade contra tumores quanto na responsividade aos tratamentos de estimulação imunológica, embora os mecanismos relacionados ainda sejam pouco compreendidos”, diz Almeida. “ Nosso trabalho traz uma contribuição significativa nesse contexto, ao demonstrar que a microbiota tem um papel importante não só na diferenciação de linfócitos T produtores de IL-9, como também na sua função antitumoral”, acrescenta.
O trabalho brasileiro serve de base para novas perguntas científicas. “Agora, resta entender o quanto a disbiose em humanos, na maioria das vezes menos extrema do que a induzida em nosso modelo experimental, poderia impactar na diferenciação e função antitumoral dos linfócitos T produtores de IL-9. Estudos envolvendo microbiota e terapias baseadas em bloqueadores de checkpoint imune (ex: anti-PD1 e anti-CTLA4) e IL-9 poderiam contribuir para o avanço no tratamento oncológico, caso se confirme papel adjuvante da IL-9 no contexto terapêutico”, sinaliza o pesquisador, que avança com duas proposições centrais. Afinal, existe um grupo específico de microrganismos da microbiota responsável por promover a diferenciação dessas células? Como poderíamos alterar a microbiota de pacientes oncológicos a fim de melhorar a resposta imune e a responsividade aos tratamentos?
Referência: Almeida, R. R., Vieira, R. de S., Castoldi, A., Terra, F. F., Melo, A. C. L., Canesso, M. C. C., … Câmara, N. O. S. (2020). Host dysbiosis negatively impacts IL-9-producing T-cell differentiation and antitumour immunity. British Journal of Cancer. doi:10.1038/s41416-020-0915-6