O tratamento de primeira linha com o radioligante 177Lu-Dotatate mais octreotida prolongou significativamente a mediana de sobrevida livre de progressão (em 14 meses) em pacientes com tumores neuroendócrinos gastroenteropancreáticos avançados de alto grau, potencialmente estabelecendo um novo padrão nesse cenário de tratamento. É o que sugerem os resultados do estudo de Fase 3 NETTER-2, publicado no Lancet. A oncologista Rachel Riechelmann (foto), Diretora de Oncologia do A.C.Camargo Cancer Center e conselheira da Sociedade Europeia de Tumores Neuroendócrinos, comenta os resultados.
“Atualmente, não existe padrão de tratamento de primeira linha para pacientes com tumores neuroendócrinos gastroenteropancreáticos avançados, de grau superior 2–3, bem diferenciados”, observaram os autores.
O estudo de Fase 3 NETTER-2, aberto, randomizado, de superioridade, avaliou a eficácia e segurança do tratamento de primeira linha com [177Lu] Lu-DOTA-TATE (177Lu-Dotatate) nessa população de pacientes.
O estudo incluiu pacientes (com idade ≥15 anos) com tumores neuroendócrinos gastroenteropancreáticos avançados recentemente diagnosticado de grau 2 (Ki67 ≥10% e ≤20%) e grau 3 (Ki67 >20% e ≤55%), positivo para receptor de somatostatina (em todas as lesões-alvo), de 45 centros em nove países da América do Norte, Europa e Ásia.
Foram utilizadas tecnologias de resposta interativa para randomizar (2:1) pacientes para receber quatro ciclos (o intervalo do ciclo foi de 8 semanas ± 1 semana) de 177Lu-Dotatate intravenoso mais octreotida intramuscular 30 mg de ação prolongada (LAR) e depois octreotida 30 mg LAR a cada 4 semanas (grupo 177Lu-Dotatate) ou octreotida 60 mg LAR a cada 4 semanas (grupo controle). Os pacientes foram estratificados por grau de tumor neuroendócrino (2 versus 3) e origem (pâncreas versus outro).
As avaliações do tumor foram realizadas no início do estudo, na semana 16 e na semana 24, e depois a cada 12 semanas até a progressão da doença ou morte. O endpoint primário foi a sobrevida livre de progressão por avaliação radiológica central cega e independente. A análise primária foi realizada em 101 eventos de sobrevida livre de progressão.
Resultados
Entre 22 de janeiro de 2020 e 13 de outubro de 2022, foram selecionados 261 pacientes, e 35 (13%) foram excluídos. 226 pacientes foram randomizados para os braços 177Lu-DOTATATE (n = 151; 67%) ou controle (n = 75; 33%); 121 (54%) eram homens e 105 (46%) eram mulheres.
A mediana de sobrevida livre de progressão foi de 8,5 meses (95% CI 7,7–13,8) no grupo controle e 22,8 meses (19,4–não estimado) no grupo 177Lu-Dotatate (razão de risco estratificada 0·276 [0·182 – 0·418]; p<0·0001).
Durante o período de tratamento, eventos adversos (de qualquer grau) ocorreram em 136 (93%) dos 147 pacientes tratados no grupo 177Lu-Dotatate e 69 (95%) dos 73 pacientes tratados no grupo controle. Não houve mortes relacionadas ao medicamento durante o período de tratamento.
Em síntese, 177Lu-Dotatate de primeira linha mais octreotida LAR estendeu significativamente a sobrevida média livre de progressão (em 14 meses) em pacientes com tumores neuroendócrinos gastroenteropancreáticos avançados de grau 2 ou 3. “177Lu-Dotatate deve ser considerado o novo padrão de tratamento no tratamento de primeira linha nesta população”, destacaram os autores.
Rachel observa que não se sabe qual o impacto de adicionar um análogo de somatostatina ao lutécio em pacientes com tumores não funcionantes. Além disso, a oncologista acredita que começar a primeira linha com análogo de somatostatina como padrão de tratamento para pacientes com tumores grau 3 é questionável. “Não há um tratamento padrão para esse grupo, então a escolha desse braço controle foi aleatória, mas na prática esse paciente acaba começando muitas vezes com quimioterapia”, afirma.
A oncologista pondera que apesar de ser uma excelente opção de tratamento, o Lutécio 177 acaba sendo utilizado em outras linhas, já que a magnitude de efeito não muda muito se o tratamento é realizado em primeira ou segunda linha.
“É preciso que se tenha o seguimento de longo prazo dos radiofármacos, pois existe o risco de desenvolvimento de síndrome mielodisplásica e até leucemia secundária associada a esses medicamentos. Isso acontece com o passar do tempo, e esses pacientes vivem muito tempo”, ressalta.
“O principal é que esses pacientes sejam discutidos em reuniões multidisciplinares em centros de referência com expertise em neuroendócrinos, porque a doença é muito variada e estabelecer um tratamento de primeira linha não é adequado. Lutécio pode ser utilizado em primeira linha, mas existem outras opções que também devem ser colocadas em contexto pesando risco, benefício, toxicidade e acesso”, conclui Rachel.
O estudo foi financiado pela Advanced Accelerator Applications, uma empresa da Novartis, e está registrado em ClinicalTrials.gov, NCT03972488.
Referência:
Singh S, Halperin D, Myrehaug S, Herrmann K, Pavel M, Kunz PL, Chasen B, Tafuto S, Lastoria S, Capdevila J, García-Burillo A, Oh DY, Yoo C, Halfdanarson TR, Falk S, Folitar I, Zhang Y, Aimone P, de Herder WW, Ferone D; all the NETTER-2 Trial Investigators. [177Lu]Lu-DOTA-TATE plus long-acting octreotide versus high‑dose long-acting octreotide for the treatment of newly diagnosed, advanced grade 2-3, well-differentiated, gastroenteropancreatic neuroendocrine tumours (NETTER-2): an open-label, randomised, phase 3 study. Lancet. 2024 Jun 5:S0140-6736(24)00701-3. doi: 10.1016/S0140-6736(24)00701-3. Epub ahead of print. PMID: 38851203.