Onconews - Neuro-oncologia: radiocirurgia estereotáxica hipofracionada na cavidade cirúrgica cerebral

bernardo salvajoli 2020 bxQuais são os resultados e os fatores prognósticos de pacientes com metástase cerebral após a radioterapia estereotáxica hipofracionada para a cavidade de ressecção? Estudo de coorte que envolveu uma das maiores séries de pacientes com metástases cerebrais tratados com HSRT pós-operatória publicou os dados no JAMA Oncology, em artigo de Eitz et al. Bernardo Salvajoli (foto), médico especialista em radioterapia, comenta os resultados.

Para metástases cerebrais, a combinação de ressecção neurocirúrgica e radioterapia estereotáxica hipofracionada pós-operatória (HSRT) é uma abordagem terapêutica emergente, mas ainda faltam dados de resultados maduros em grande escala.

Neste estudo multicêntrico foram considerados pacientes com metástases cerebrais ressecadas e HSRT pós-operatória tratados entre 1º de dezembro de 2003 e 31 de outubro de 2019, em 1 dos 6 centros participantes. Os principais endpoints foram sobrevida global, controle local e a análise de fatores prognósticos associados à sobrevida global e controle local da doença. Endpoints secundários incluíram insuficiência intracraniana, progressão à distância e a incidência de toxicidade neurológica.

Os pacientes elegíveis receberam uma dose média total de 30 Gy (intervalo, 18-35 Gy) e uma dose média por fração de 6 Gy (intervalo, 5-10,7 Gy).

Resultados

Os autores descrevem que 558 pacientes foram elegíveis, com idade média de 61 anos, 53,9% mulheres, e 581 cavidades ressecadas foram objeto de análise. O acompanhamento médio foi de 12,3 meses (intervalo interquartil, 5,0-25,3 meses). “A sobrevida global foi de 65% em 1 ano, 46% em 2 anos e 33% em 3 anos, enquanto o controle local foi de 84% em 1 ano, 75% em 2 anos e 71% em 3 anos”, reportam.

Como fatores prognósticos associados à sobrevida global a análise multivariada identificou uma pontuação de Karnofsky Performance Status de 80% ou mais ( [HR], 0,61; IC de 95%, 0,46-0,82; P <0,001), intervalo de 22 a 33 dias entre a ressecção e a radioterapia (HR, 1,50; 95 % CI, 1,07-2,10; P = 0,02), e controle do tumor primário (HR, 0,69; IC 95%, 0,52-0,90; P = 0,007).

Para controle local, uma única metástase cerebral (HR, 0,57; IC 95%, 0,35-0,93; P = 0,03) e um tumor primário controlado (HR, 0,59; IC 95%, 0,39-0,92; P = 0,02) foram significativos na análise multivariada.

A necrose de radiação esteve presente em 48 pacientes (8,6%) e a doença leptomeníngea em 73 pacientes (13,1%). Eventos tóxicos neurológicos de grau 3 ou superior ocorreram em 16 pacientes (2,8%) menos de 6 meses e em 24 pacientes (4,1%) mais de 6 meses após o tratamento.

“Até o momento, este estudo de coorte inclui uma das maiores séries de pacientes com metástases cerebrais e HSRT pós-operatório e parece confirmar excelente perfil de risco-benefício do HSRT local para a cavidade de ressecção. Estudos adicionais ajudarão a determinar os parâmetros de dose-volume da radiação e fornecer uma compreensão melhor dos efeitos sinérgicos com terapia sistêmica e imunoterapias”, concluem os autores.

Estratégias para controle de metástases cerebrais

Por Bernardo Salvajoli, médico especialista em radioterapia do HCOR-Onco e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).

Metástases cerebrais sempre foram um desafio no tratamento oncológico. A cirurgia sempre foi um dos bons armamentos nesse cenário; porém, muitos locais dentro do cérebro são inacessíveis e as morbidades relacionadas muitas vezes limitantes. A utilização de quimioterapia também é complexa devido à baixa penetração no sistema nervoso central.

Diante disto, há muitos anos utilizamos a radiocirurgia estereotáxica (SRS - radioterapia em altas doses em única fração com extrema precisão) para tratar lesões pequenas e limitadas, muitas vezes substituindo a cirurgia com menos morbidade e excelente controle local. Ainda assim, lesões grandes e com efeito de massa necessitam de tratamento cirúrgico, muitas vezes de urgência.

Por se tratar de um local com acesso complexo e sem possibilidade de margens amplas, a cirurgia apresenta altas taxas de recorrência local, podendo chegar em até 60%.

A radioterapia de cérebro total (WBRT) pós-operatório reduz o risco de falha local e à distância em mais de 50%, mas não aumenta a sobrevida global. Além disso, WBRT está associado à fadiga, alopecia e ao risco aumentado de déficit neurocognitivo que pode reduzir a qualidade de vida dos pacientes.

A radiocirurgia estereotáxica (SRS) para a cavidade cirúrgica tornou-se a alternativa preferida versus WBRT pós-operatória. Esta prática é respaldada por dois ensaios randomizados que mostram que a SRS pós-operatória diminui o risco de declínio neurocognitivo em comparação com WBRT e melhora o controle local em comparação com a observação.

No entanto, lesões grandes podem resultar em cavidades cirúrgicas também grandes, o que dificulta e aumenta o risco de complicações pós-operatórias relacionadas a radiação. Nesses casos, utiliza-se uma forma alternativa de radiocirurgia, a radiocirurgia estereotáxica hipofracionada (HSRT), dividindo as doses de radiação em 03 ou 05 frações, o que diminui o risco de radionecrose e possibilita doses biológicas equivalentes mais altas, teoricamente com maior controle.

Não existem estudos randomizados comparando SRS com HSRT, e ensaios como esse são muito bem-vindos para mostrar, pelo menos de forma indireta, que os métodos são similares, com menores taxas de complicações. Outras alternativas são a radiocirurgia estagiada, muito utilizada por centros com Gamma Knife, onde são realizadas duas sessões de radiocirurgia, cada uma com doses mais moderadas, com intervalo de algumas semanas, também diminuindo o risco de complicações; e a radiocirurgia pré-operatória. Esta última parece ter futuro promissor, possibilitando tratar o tumor previamente à cirurgia, e não a cavidade com tecido cerebral entremeado. Outra vantagem é diminuir o risco de disseminação leptomeníngia, causada pela cirurgia, o que foi possível medir nestes e outros estudos com 13% de ocorrência no cenário pós operatório.

Ainda temos o surgimento de novas drogas (imunoterapia e drogas alvo) com melhor penetração na barreira hematoencefálica, que podem contribuir no controle de lesões cerebrais, diminuindo recorrência. Todas essas armas são ferramentas, antigas e novas, que possibilitam controle muito bom do cérebro, e cada caso deve ser individualizado e discutido de forma multidisciplinar.

Referências:

Eitz KA, Lo SS, Soliman H, et al. Multi-institutional Analysis of Prognostic Factors and Outcomes After Hypofractionated Stereotactic Radiotherapy to the Resection Cavity in Patients With Brain Metastases. JAMA Oncol. Published online October 15, 2020. doi:10.1001/jamaoncol.2020.4630

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