Onconews - Oncologia reforça olhar centrado no paciente durante a COVID-19

paciente idosa 20 bxQuando os limites e possibilidades para o enfrentamento da COVID-19 estão na agenda global, qual o modelo ótimo para a gestão de cuidados do paciente de câncer? O tema ganha cada vez mais importância na agenda da oncologia e impõe respostas urgentes, em um contexto onde o cuidado centrado no paciente recebe um olhar ainda mais atento.

Para auxiliar no manejo de pacientes de câncer, diferentes recomendações reforçam a importância de ações pragmáticas capazes de mitigar os efeitos negativos da pandemia no tratamento oncológico, valorizando a segurança do paciente e a eficiência na linha de  cuidados.

Em 1º de abril, artigo do Lancet Oncology1 reuniu um conjunto de recomendações adaptadas ao contexto da COVID-19 e  dimensionou a extensão da pandemia, então com mais de 800 mil casos confirmados no mundo. Ao apontar recomendações de diferentes sociedades para a gestão do paciente de câncer, o artigo de Talha Khan Burki revela um esforço global. “Sociedades de oncologia e autoridades foram rápidas em emitir diretrizes sobre cuidados com o paciente de câncer durante a pandemia”, analisou.

Terapia oral e telemedicina

Na oncologia mamária, a Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) foi uma das primeiras a anunciar seu conjunto de orientações. “A ESMO recomenda que os oncologistas permaneçam prontos para ajustar suas rotinas e sugere reforçar serviços de telemedicina, reduzindo as visitas presenciais a clínicas e ambulatórios, assim como sugere mudar para terapia oral ao invés de terapias  intravenosas, quando possível”, preconizou2. A orientação é baseada nos critérios do Cancer Care Ontario3 e do Huntsman Cancer Institute, e considera ainda a escala de magnitude de benefício clínico proposta pela própria ESMO (Magnitude of Clinical Benefit Scale - MCBS)4.

No câncer de mama avançado não responsivo à terapia hormonal, o uso de quimioterapia oral foi avaliado em estudo de fase II (NorBreast-231)5, que comparou vinorelbina oral versus paclitaxel semanal como tratamento de primeira linha, como monoterapia.

“No tratamento sistêmico da doença metastática, já temos a possibilidade de usar a quimioterapia oral com muita tranquilidade”, diz Ruffo de Freitas, coordenador do Programa de Mastologia da Universidade Federal de Goiás e nome de referência na oncologia mamária. “Participamos do estudo que fez a comparação de vinorelbina oral com paclitaxel venoso e o resultado mostrou que o benefício é o mesmo. Então, nesta situação, estádio IV, se você quer evitar que a paciente vá  até o serviço, pode então usar com tranquilidade o tratamento oral”, explica Ruffo, que foi o principal investigador do ensaio clínico no Brasil. “É um cenário que tem amparo da medicina baseada em evidência mostrando que o oral é tão bom quanto o venoso”, diz ele, também titular do Hospital Araújo Jorge, da Associação de Combate Ao Câncer de Goiás.

Neste ensaio de Fase II (NorBreast-231) foram elegíveis mulheres com câncer de mama HER2-negativo, receptor de estrogênio positivo,  previamente tratadas com terapia endócrina, mas não com quimioterapia no cenário da doença avançada. O endpoint primário foi a taxa de controle da doença, confirmada por resposta completa, parcial ou doença estável por 6 semanas.

As 131 pacientes randomizadas receberam em média 2 terapias endócrinas anteriores; > 70% foram tratadas com quimioterapia prévia (neo) adjuvante e 79% apresentavam metástases viscerais. A taxa de controle da doença foi de 75,8%  com vinorelbina e de 75,4% com paclitaxel.

Os resultados foram reportados no The Breast, em artigo de M. Aapro et al.5, e mostram  que apesar da taxa de controle semelhante nos dois braços avaliados  (~75%), há diferenças que podem pesar na decisão de médicos e pacientes.  “Os perfis de segurança diferiram e, juntamente com a via de administração e conveniência, podem influenciar a escolha do tratamento”, destacam os autores.

Com base nesse achados,  vinorelbina oral como primeira linha de quimioterapia após falha da terapia endócrina é uma opção a ser discutida com o paciente, considerando as diferenças de tolerabilidade e via de administração. “Com toda a tranquilidade, nos casos de uma monodroga,  é possível mudar o taxano por uma droga oral, quer seja a capecitabina, quer seja a vinorelbina”, diz a oncologista Daniela Ramone, do Hospital de Amor (Hospital de Câncer de Barretos).

Alternativas

Na doença HER2 positivo, as diretrizes do NCCN listam paclitaxel (com ou sem carboplatina), docetaxel, vinorelbina e capecitabina como agentes preferenciais de primeira linha para uso em combinação com trastuzumabe no cenário metastático.

No entanto, estratégias que privilegiam o uso de quimioterapia com menor toxicidade ganham relevo como alternativa aos taxanos em pacientes selecionados. Na base de evidências está o estudo HERNATA6 (Herceptin Plus Navelbine ou Taxotere), ensaio randomizado de Fase III desenhado para avaliar docetaxel ou vinorelbina como terapia de primeira linha no câncer de mama avançado HER2 positivo, ambos com trastuzumabe.

O estudo inscreveu 284 pacientes virgens de quimioterapia na doença avançada, randomizados para docetaxel  (N=143) ou vinorelbina (N=141), sempre na combinação com o anti HER2 trastuzumabe.  O endpoint primário foi tempo para progressão (TTP, do inglês time to progression).

A TTP mediana para docetaxel e vinorelbina foi, respectivamente,  de 12,4 meses e 15,3 meses (HR ¼  0,94; IC 95%, 0,71 a 1,25; P <0,67), a mediana de sobrevida global foi de 35,7 meses com docetaxel versus 38,8 meses com vinorelbina (HR 1,01; IC 95%, 0,71 a 1,42; P = 0,98) e a taxa de sobrevida global no período de 1 ano foi de 88% em ambos os braços.

Em relação ao perfil de segurança, mais pacientes no braço de docetaxel interromperam a terapia devido à toxicidade (P =0 .001), com mais neutropenia febril de grau 3 e 4 relacionada ao tratamento (36,0% vs 10,1%), leucopenia (40,3% vs 21,0%), infecção 25,1% vs 13,0%), febre (4,3% vs 0%), neuropatia (30,9% vs 3,6%), alterações nas unhas (7,9% vs 0,7%) e edema (6,5% vs 0%).

“O estudo falhou em demonstrar a superioridade de qualquer medicamento em termos de eficácia, mas a combinação de vinorelbina teve significativamente menos efeitos adversos e deve ser considerada uma opção alternativa de primeira linha”, concluíram os autores.

No duplo bloqueio HER2 com trastuzumabe e pertuzumabe, o ensaio CLEOPATRA7 mostrou dados de sobrevida global e livre de progressão na combinação com docetaxel. Agora, o duplo bloqueio foi implementado em uma coorte dinamarquesa, utilizando vinorelbina como quimioterapia de escolha.

“Fomos capazes de capturar dados de quase 300 pacientes HER2 positivo  que receberam pertuzumabe e trastuzumabe, principalmente com vinorelbina como espinha dorsal da quimioterapia, e demonstramos que a eficácia dessa combinação em uso no mundo real é comparável aos resultados obtidos no ensaio randomizado”, destacou o estudo dinamarquês, reportado em artigo de Christensen et al., na The Breast.8

Para esta análise nacional de mundo real, os pesquisadores analisaram dados retrospectivos de  291 pacientes com câncer de mama metastático HER2 positivo inscritas no registro do Danish Breast Cancer Group, de abril de 2013 a agosto de 2017. Os endpoints primários foram sobrevida global (SG) e sobrevida livre de progressão (SLP).

Os resultados mostram que 38% da coorte avaliada tinham doença de novo e 62% apresentavam recorrência. A mediana de SG foi de 41,8 meses (IC 95%, 37,7 a NE) e a mediana de SLP foi de 15,8 meses (IC 95%, 14,0 a 19,9). Em pacientes com metástases de novo, a mediana de sobrevida global não foi alcançada, enquanto a SLP mediana foi de 17,9 meses (IC 95%, 14,3 a 27,3).

“No estudo dinamarquês, 88% das pacientes usaram vinorelbina e os resultados de mundo real mostraram sobrevida livre de progressão de praticamente 18 meses. São dados que se sobrepõem aos do CLEOPATRA, estudo pivotal que é um marco na oncologia mamária”, diz Gilberto Amorim, Coordenador Nacional de Oncologia Mamária da Oncologia D'Or. “Ter outra opção de quimioterapia para ser usada com o duplo bloqueio é muito importante para os médicos oncologistas e, principalmente, para as pacientes”, analisa Amorim. 

O câncer de mama está entre as causas mais frequentes de mortalidade em mulheres em todo o mundo. Para o Brasil, estimam-se  66.280 novos casos de câncer de mama para cada ano do triênio 2020-2022. Esse valor corresponde a um risco estimado de 61,61 novos casos a cada 100 mil mulheres (INCA, 2020)10.

Referências: 

1 - Burki, T. K. (2020). Cancer guidelines during the COVID-19 pandemic. The Lancet Oncology. doi:10.1016/s1470-2045(20)30217-5 

2 - ESMO Management and Treatment Adapted Recommendations in the COVID-19 Era: Breast Cancer,  https://www.esmo.org/guidelines/cancer-patient-management-during-the-covid-19-pandemic/breast-cancer-in-the-covid-19-era

3 - Ontario Health, Cancer Care Ontario, “Pandemic Planning Clinical Guideline for Patients with Cancer”, https://www.accc-cancer.org/docs/document/cancer-program-fundamentals/oh-ccopandemic-planning-clinical-guidelines

4 - MCBS European Society for Medical Oncology (ESMO). The ESMO-MCBS Score Card esmo.org https://www.esmo.org/guidelines/esmo-mcbs/esmo-magnitude-of-clinical-benefit-scale

5 - Aapro, M., Borrego, M. R., Hegg, R., Kukielka-Budny, B., Morales, S., Cinieri, S., … Villanova, G. (2019). Randomized phase II study evaluating weekly oral vinorelbine versus weekly paclitaxel in estrogen receptor-positive, HER2-negative patients with advanced breast cancer (NorBreast-231 trial). The Breast.  doi:10.1016/j.breast.2019.01.009 


6 - Andersson M, Lidbrink E, Bjerre K, et al: Phase III randomized study comparing docetaxel plus trastuzumab with vinorelbine plus trastuzumab as first-line therapy of metastatic or locally advanced human epidermal growth factor receptor 2–positive breast cancer: The HERNATA study. Journal of Clinical Oncology, 29(3), 264–271. doi:10.1200/jco.2010.30.8213 

7 - Baselga, J., Cortés, J., Kim, S.-B., Im, S.-A., Hegg, R., Im, Y.-H., … Swain, S. M. (2012). Pertuzumab plus Trastuzumab plus Docetaxel for Metastatic Breast Cancer. New England Journal of Medicine, 366(2), 109–119. doi:10.1056/nejmoa1113216 (CLEOPATRA)

8 - Christensen, T., Berg, T., Nielsen, L. B., Andersson, M., Jensen, M.-B., & Knoop, A. (2020). Dual HER2 blockade in the first-line treatment of metastatic breast cancer - A retrospective population-based observational study in Danish patients. The Breast, 51, 34–39. doi:10.1016/j.breast.2020.03.002

9 - Lin, N. U., & Winer, E. P. (2011). Chemotherapy Agents in Human Epidermal Growth Factor Receptor 2–Positive Breast Cancer: Time to Step Out of the Limelight. Journal of Clinical Oncology, 29(3), 251–253. doi:10.1200/jco.2010.32.5290 

10 - Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. – Rio de Janeiro: INCA, 2019. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/estimativa-2020-incidencia-de-cancer-no-brasil.pdf