A pesquisa clínica em câncer rapidamente se adaptou ao contexto de mudanças imposto pela pandemia de COVID-19, como apontam os resultados de estudo publicado no JAMA Network Open por pesquisadores da SWOG (Southwest Oncology Group) que analisaram as inscrições durante 2020 e início de 2021. "Os centros de pesquisa brasileiros precisam se adaptar a essa nova realidade, que veio para ficar", destaca o oncologista Fábio André Franke (foto), Presidente da Aliança Pesquisa Clínica Brasil, que comenta os principais achados do estudo da SWOG.
Neste estudo, que tem como primeiro autor o bioestatístico Joseph M. Unger, os pesquisadores usaram a análise de série temporal interrompida para comparar as taxas de inscrição na pandemia com as taxas esperadas com base nos dados dos 4 anos anteriores. Um total de 29.398 pacientes foram inscritos nos ensaios da SWOG de 1º de janeiro de 2016 a 28 de fevereiro de 2021. Cerca de dois terços dessas inscrições foram para ensaios clínicos envolvendo tratamentos, enquanto as inscrições restantes foram para estudos de controle e prevenção do câncer.
Durante todo o primeiro ano da pandemia, estima-se que 1.569 (22,7%) menos pacientes foram inscritos no ambiente de pesquisa. Essa redução foi predominantemente observada para os ensaios de controle e prevenção do câncer (46,0% de redução) em comparação com os ensaios de tratamento (9,0% de redução).
No total, 29.398 pacientes (idade média de 60,3 anos) foram inscritos, considerando24034 (81,8%) antes da pandemia e 5364 (18,2%) no período de 1 ano inteiro de março de 2020, para 28 de fevereiro de 2021. As inscrições em ensaios de tratamento representaram 66,2% da coorte (19451 participantes). Entre os ensaios de tratamento, os 4 cânceres de ocorrência mais comum na população norte-americana representaram 56,1% de todas as inscrições (mama, 4.026 inscrições; colorretal, 428 inscrições; pulmão, 5426 inscrições e próstata com 1033 pacientes inscritos).
Em síntese, os pesquisadores identificaram que durante as primeiras semanas da pandemia - do final de fevereiro até meados de abril de 2020 - os registros para ensaios clínicos de câncer caíram vertiginosamente em comparação com os anos anteriores. No entanto, essa queda foi seguida por um período de recuperação que durou até o verão de 2020 no hemisfério norte. O número de pacientes inscritos na pesquisa em câncer voltou a cair durante a onda de aumento de infecções por COVID-19 no inverno de 2020/2021, mas de forma muito mais modesta do que em comparação com a onda inicial da pandemia”, descrevem os autores.
Para Unger, membro da SWOG e bioestatístico do Fred Hutchinson Cancer Research Center, alguns fatores ajudam a explicar o cenário. Ele esclareceu que, no início da pandemia, o National Cancer Institute e a Food and Drug Administration (FDA) forneceram orientações que permitiram maior flexibilidade ao ambiente de pesquisa, como a possibilidade do consentimento remoto dos pacientes e visitas virtuais de monitoramento.
“Após o surto inicial de COVID-19, observamos uma queda dramática nas inscrições para ensaios clínicos”, observou o especialista. “Agora, um ano depois, queríamos avaliar as inscrições ao longo de um ano inteiro de pandemia, especialmente considerando as flexibilidades que foram introduzidas no sistema”, explicou.
Os resultados são animadores e mostram que a pesquisa em câncer se adaptou rapidamente às circunstâncias durante a pandemia de COVID-19, preservando o foco na segurança do paciente.
Fabio Franke, também investigador principal da ONCOSITE Centro de Pesquisa Clínica, em Ijuí, RS, lembra que a pesquisa clínica brasileira não ficou à margem dos desafios impostos pela COVID-19. "Também no Brasil ocorreu uma queda no recrutamento após março de 2020: estudos foram colocados "on hold" por preocupações que incluíram desde a segurança dos pacientes a das equipes profissionais, bem como a desconfiança dos patrocinadores com o Brasil frente aos números elevados de mortes por COVID-19. Com o tempo, a Pesquisa se adaptou aos processos virtuais, com telemedicina, monitorias remotas e coletas laboratoriais locais, que permitiram a retomada do recrutamento aos níveis anteriores. A diminuição dos diagnósticos de câncer, que em grandes instituições brasileiras chegou a 70%, também repercutiu diretamente na redução do número de pacientes recrutados, mas que gradativamente estão retornando ao normal. Os centros de pesquisa brasileiros precisam se adaptar a essa nova realidade, que veio para ficar", sinaliza.
Referências: Unger JM, Xiao H, LeBlanc M, Hershman DL, Blanke CD. Cancer Clinical Trial Participation at the 1-Year Anniversary of the Outbreak of the COVID-19 Pandemic. JAMA Netw Open. 2021;4(7):e2118433. doi:10.1001/jamanetworkopen.2021.18433