Estudo de Gay et al. publicado na Cancer Cell identificou quatro subtipos moleculares no câncer de pulmão pequenas células com base na expressão gênica, achado que representa um grande passo para abordagens personalizadas. A oncologista Clarissa Baldotto (foto), Diretora do Núcleo de Integração Oncológica da Oncologia D'Or, comenta os resultados.
Os autores lembram que apesar da heterogeneidade molecular e clínica, o câncer de pulmão pequenas células (SCLC, da sigla em inglês) é tratado como entidade única. “Usando dados de expressão tumoral e fatoração de matriz não negativa, identificamos quatro subtipos de SCLC definidos pela expressão dos fatores de transcrição ASCL1, NEUROD1 e POU2F3 ou pela baixa expressão das três assinaturas dos fatores de transcrição acompanhadas por uma assinatura ‘inflamada’ (SCLC-A, N, P e I, respectivamente). O subtipo SCLC-I é o que experimenta o maior benefício com a adição de imunoterapia à quimioterapia, enquanto os outros subtipos têm vulnerabilidades distintas, incluindo a inibidores de PARP, Aurora quinases ou BCL-2”, descrevem.
Para a pesquisadora senior, Lauren Averett Byers, Professora de Oncologia Torácica do MD Anderson Cancer Center, o estudo abre espaço para um novo paradigma. “Nosso estudo fornece um sistema capaz de definir quatro grupos principais de câncer de pulmão pequenas células e, pela primeira vez, abre uma via para o tratamento personalizado do segundo tipo mais comum de câncer de pulmão”, destaca.
Embora estudos anteriores tenham identificado três subtipos possíveis de SCLC com base em fatores de transcrição, um grande número de tumores não se encaixa em nenhum dos três grupos. Em vez de tentar aplicar uma hipótese aos tumores remanescentes, a equipe de Byers adotou uma abordagem de bioinformática. O resultado foi uma “assinatura” de 1.300 genes que confirmou os três grupos previamente observados (A, N e P), além de um quarto grupo (I) anteriormente não reconhecido, com uma paisagem imunológica única.
Com base em estudos clínicos recentes, a imunoterapia se tornou parte do padrão de tratamento na oncologia torácica. No entanto, todos os ensaios clínicos mostram resultados limitados dos inibidores de checkpoint imune, especialmente no SCLC. “Este estudo pode ajudar a explicar por que diferentes classes de medicamentos são mais eficazes em subtipos específicos. Nas amostras deste estudo, SCLC-I foi mais sensível ao bloqueio de checkpoint imune, SCLC-A a inibidores de BCL2, SCLC-N a inibidores de quinase Aurora e SCLC-P a inibidores de PARP”, explica Byers.
Métodos e análise
A equipe de pesquisa primeiro identificou os quatro grupos aplicando a fatoração de matriz não negativa a dados publicados anteriormente de 81 pacientes com SCLC com tumores ressecados cirurgicamente. A maioria dos pacientes tinha doença em estágio inicial, o que não é típico. Como o SCLC é agressivo, costuma ser mais frequentemente diagnosticado em estágio avançado. Para validar os quatro subtipos na doença em estágio avançado, a equipe de Byers também analisou dados de 276 pacientes com SCLC inscritos no ensaio clínico Fase III IMpower133, que estabeleceu o padrão atual para SCLC avançado e representa o maior conjunto de dados de SCLC disponível até o momento.
“Olhando para o conjunto de dados maior de como é um paciente mais típico, os quatro grupos principais ficaram muito claros novamente, incluindo o novo grupo inflamado que identificamos”, disse Byers. “Também mostramos que não é necessário usar o painel completo de 1.300 genes. Desenvolvemos testes de imuno-histoquímica e estamos trabalhando para levar essa solução para a clínica, permitindo classificar mais rápida e facilmente os tumores SCLC”, esclarece.
Um dos desafios conhecidos do SCLC é que muitas vezes desenvolve resistência ao tratamento, mesmo após resposta inicial. Para determinar se a “troca de subtipo” causa resistência, os autores usaram o sequenciamento de RNA de célula única para avaliar a evolução do tumor em uma série de modelos de SCLC derivados de pacientes.
O estudo sugere que o SCLC-A tende a mudar para o SCLC-I após ser tratado com quimioterapia, o que pode contribuir para a resistência ao tratamento. “Agora podemos desenvolver estratégias mais eficazes para cada grupo em ensaios clínicos, levando em consideração que cada um deles tem biologia diferente e alvos ideais”, disse Byers. “Como campo, o câncer de pulmão pequenas células está cerca de 15 anos atrás do renascimento dos biomarcadores e terapias personalizadas no câncer de pulmão de células não pequenas. Isso representa um grande passo na compreensão de quais drogas funcionam melhor para quais pacientes e nos dá um caminho a seguir para abordagens personalizadas no câncer de pulmão pequenas células”.
Estudo torna mais tangível subclassificação molecular do SCLC
Por Clarissa Baldotto, Diretora do Núcleo de Integração Oncológica da Oncologia D'Or
O câncer de pulmão de pequenas células (SCLC) corresponde a cerca de 13-15% dos casos de câncer de pulmão. Altamente associado ao tabagismo, sua incidência vem diminuindo. No entanto, a mortalidade continua alta e sem modificações ao longo de muitos anos. Dados recentemente publicados, sobre a mortalidade por câncer de pulmão nos EUA, reafirmam este fato2.
A diferença de evolução na curva de mortalidade entre câncer de pulmão não-pequenas células e SCLC é marcante, especialmente a partir das últimas duas décadas. O desenvolvimento de terapias baseadas em alvos moleculares foi o grande responsável por esse sucesso”, acrescenta.
O tratamento do SCLC ainda é feito de forma homogênea, sem qualquer seleção além dos dados clínicos dos pacientes. Por outro lado, múltiplos estudos já demonstraram que o SCLC é um tumor complexo e heterogêneo. Por muitos anos a base do tratamento foi a quimioterapia, que oferece altas taxas de resposta, mas um benefício de sobrevida pobre. O advento da imunoterapia como estratégia terapêutica reacendeu a necessidade de aprimorar o entendimento da biologia molecular destes tumores. O benefício relativo de sobrevida global mediana com a adição da imunoterapia à quimioterapia foi da ordem de 30%, mas o estudo parece indicar que há um subgrupo de maior benefício, que torna o estudo positivo.
Neste sentido, a recente publicação de Gay et al. torna mais tangível uma subclassificação molecular. A divisão em 4 subgrupos (A, N, P, I), com base na expressão distinta de fatores de transcrição, sugere que estratégias terapêuticas específicas podem ser empregadas com maior chance de sucesso. Importante ressaltar que a possibilidade de evoluir para testes mais simples, como imuno-histoquímica, facilitará a utilização da classificação em ensaios clínicos. E este é o próximo passo para o desenvolvimento de terapias personalizadas para SCLC. Aguardamos a validação clínica nos estudos, já em andamento.
Referências:
1 - Carl M. Gay, CM et al. Patterns of transcription factor programs and immune pathway activation define four major subtypes of SCLC with distinct therapeutic vulnerabilities. Cancer Cell,2021, ISSN 1535-6108, https://doi.org/10.1016/j.ccell.2020.12.014
2 - N Engl J Med 2020; 383:640-649.