Onconews - Privação androgênica adjuvante no câncer de próstata, qual a duração ideal?

wagner matheus bxResultados de 5 anos de seguimento do ensaio espanhol DART 01/05 mostraram que o tratamento adjuvante com 2 anos de privação androgênica combinado com radioterapia de altas doses melhorou significativamente os resultados de pacientes com câncer de próstata, considerando controle bioquímico, metástase e sobrevida global, principalmente na doença de alto risco. Agora, Zapatero et al. relatam no Lancet Oncology dados de 10 anos de seguimento, mostrando que pacientes de risco intermediário tratados com radioterapia em altas doses não se beneficiam da privação androgênica de longo prazo. Wagner Matheus (foto), professor livre docente da Unicamp e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Urologia – Seção SP – comenta os resultados.

Neste estudo randomizado de fase 3, realizado em dez hospitais na Espanha, o objetivo foi determinar se a privação androgênica de longo prazo é superior à de curto prazo quando combinada com radioterapia de altas doses.

Foram incluídos pacientes adultos (≥18 anos) com adenocarcinoma de próstata histologicamente confirmado, com estágio T1c a T3, N0 e M0 (AJCC 2020), com fatores de risco intermediário e alto, PSA inferior a 100 ng/mL e status de desempenho de Karnofsky de pelo menos 70%.

Os pacientes elegíveis foram randomizados (1:1) para receber 4 meses de privação androgênica neoadjuvante de curto prazo (STAD) mais radioterapia com dose mínima de 76 Gy (mediana de 78 Gy) ou para receber o mesmo tratamento seguido por 24 meses de privação androgênica adjuvante de longo prazo (LTAD).

Os pacientes do grupo STAD receberam 4 meses de privação androgênica neoadjuvante e concomitante (flutamida oral 750 mg por dia ou bicalutamida oral 50 mg/dia) com goserrelina subcutânea (2 meses antes e 2 meses combinado com radioterapia em altas doses). A terapia antiandrogênica foi adicionada durante os primeiros 2 meses de tratamento. Os pacientes do braço LTAD continuaram com goserrelina a cada 3 meses por mais 24 meses. O endpoint primário foi a sobrevida livre de doença bioquímica em 5 anos. Nesta análise de 10 anos são apresentados os dados de sobrevida global, sobrevida livre de metástases, sobrevida livre de doença bioquímica e sobrevida por causa específica. A análise foi por intenção de tratar.

Um total de 354 homens foram randomizados para STAD (n=177) ou LTAD (n=177). Em um seguimento mediano de 119,4 meses, a sobrevida livre de doença bioquímica em 10 anos foi de 70,2% para LTAD contra 62,3% para STAD, razão de risco [HR] 0,84; IC 95% 0,50–1,43; p=0,52). Aos 10 anos, a sobrevida global foi de 78,4% para LTAD contra 73,3% para STAD (HR 0,84; IC 95% 0,55 -1,27; p=0,40) e a sobrevida livre de metástases foi de 76,0% para LTAD e de 70,9% para STAD (HR 0,90; IC 95%, 0,37–2,19; p=0,81).

No subgrupo de alto risco, a sobrevida livre de doença bioquímica em 10 anos foi de 67,2% para LTAD e de 53,7% para STAD (HR 0,90; IC 95% 0,49–1,64; p=0,73), a sobrevida global em 10 anos foi de 78,5% para LTAD e de 67,0 % para STAD (HR 0,58; IC 95% 0,33–1,01; p=0,054) e a sobrevida livre de metástase em 10 anos foi de 76,6% para LTAD e 65,0% (55·1–74·8) para STAD (HR 0,89; IC 95% 0,33–2,43; p=0 ·82). Zapatero et al relatam, ainda, que apenas 11 (3%) dos 354 pacientes morreram de câncer de próstata, todos eles no subgrupo de alto risco (cinco no grupo LTAD e seis no grupo STAD). Não foram observadas mortes relacionadas ao tratamento.

“Após um acompanhamento prolongado de 10 anos, não conseguimos apoiar o benefício significativo da LTAD relatado em 5 anos. No entanto, a magnitude do benefício foi clinicamente relevante em pacientes de alto risco. Pacientes de risco intermediário tratados com radioterapia em altas doses não se beneficiam da LTAD”, analisam os autores.

Matheus destaca que no estudo inicial DART 01/05, com seguimento de 5 anos, foram avaliados pacientes com tumores de próstata T1c a T3b, N0 e M0. “Zapatero e cols. demonstraram que a radioterapia de alta dose (RTAD) associada à Terapia de Privação Androgênica (TPA) de longo prazo foi superior à RTAD associada à TPA de curto prazo, em termos de sobrevida bioquímica livre de doença e sobrevida global, principalmente em pacientes nos tumores de próstata de alto risco. Nesse estudo 355 pacientes foram randomizados para RTAD + TPA longo prazo (TPALP - 177 pacientes) versus RTAD + TPA curto prazo (TPACP - 178 pacientes)”, explica.

O especialista observa que nesse mesmo grupo, no seguimento de 10 anos, a sobrevida global média foi de 78% para TPALP e 73% para TPACP (HR 0,84; p=0,40), e a sobrevida livre de metástase foi de 76% para TPALP e 71% para TPACP (HR 0,90; p=0,81). “Para o subgrupo de pacientes de alto risco, a sobrevida livre de doença bioquímica foi de 67% para TPALP e 54% para TPACP (HR 0,90; p=0,73), a sobrevida global foi de 78% para TPALP e 67% para TPACP (HR 0,58; p=0,054), e a sobrevida livre de metástase foi de 77% para TPALP e 65% para TPACP (HR 0,89; p=0,82)”, contextualiza.

Nesse estudo de seguimento de 10 anos, embora tenha sido observado um pequeno ganho nos desfechos clínicos da TPA de longo prazo quando comparados aos de curto prazo, principalmente nos pacientes de alto risco, não foram observadas vantagens estatísticas significativas da TPA de longo prazo associada à RTAD, quando comparada à de curto prazo, em termos de sobrevida global, sobrevida livre de recidiva bioquímica e sobrevida livre de metástases”, conclui.

Este estudo está encerrado para inscrição de pacientes e está registrado em ClinicalTrials.gov (NCT02175212) e no Registro de Ensaios Clínicos da UE (EudraCT 2005–000417–36).

Referências: High-dose radiotherapy and risk-adapted androgen deprivation in localised prostate cancer (DART 01/05): 10-year results of a phase 3 randomised, controlled trial - Almudena Zapatero, PhD; Araceli Guerrero, MD; Xavier Maldonado, PhD; Ana Álvarez, MD; Carmen González San-Segundo, PhD; María Ángeles Cabeza Rodríguez, MD et al. - Published: April 12, 2022 DOI: https://doi.org/10.1016/S1470-2045(22)00190-5