A maioria dos pacientes com carcinoma urotelial de baixo grau do trato urinário superior é tratada por nefroureterectomia radical. Artigo de Kleinmann, N et al discute a segurança e a atividade de um tratamento não cirúrgico usando a instilação de UGN-101, um gel térmico contendo mitomicina. Quem comenta é Marcelo Wroclawski (foto), urologista do Hospital Israelita Albert Einstein e da BP – a Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Este ensaio clínico de Fase III (OLYMPUS), aberto, de braço único, envolveu a participação de 24 instituições acadêmicas nos EUA e Israel. Foram elegíveis pacientes com carcinoma urotelial de de pelve renal ou cálices, comprovado por biópsia, primário ou recidivado (medindo 5–15 mm de diâmetro máximo), com bom performance status (Karnofsky > 40).
Os pacientes inscritos receberam seis instilações de UGN-101 uma vez por semana, de acordo com o volume da pelve renal e cálice (máximo de 60 mg por instilação), retrogradamente, via cateter ureteral.
Todos os pacientes foram avaliados 4-6 semanas após a conclusão da terapia inicial, momento em que foi verificada a resposta completa (RC), endpoint primário do estudo. A RC foi definida como avaliação ureteroscópica negativa em três meses, citologia negativa e biópsia negativa. O estudo foi desenhado para alcançar atividade (RC) em > 15% dos pacientes. O perfil de segurança foi avaliado em todos os pacientes que receberam pelo menos uma dose de UGN-101.
Resultados
Entre 6 de abril de 2017 e 26 de novembro de 2018, 71 (96%) dos 74 pacientes inscritos haviam recebido pelo menos uma dose de UGN-101. Destes, 42 pacientes (59%, IC95% 47-71; p <0,0001) tiveram resposta completa na primeira visita de avaliação. O acompanhamento médio para pacientes com RC foi de 11,0 meses (IQR 5,1-12,4).
Os eventos adversos mais frequentes foram estenose ureteral em 31 (44%) dos 71 pacientes, infecção do trato urinário em 23 (32%), hematúria em 22 (31%), dor no flanco em 21 (30%) e náusea em 17 (24%). Dezenove (27%) dos 71 pacientes apresentaram eventos adversos graves, mas não houve morte relacionada ao tratamento.
“A quimioablação primária do câncer urotelial do trato superior de baixo grau com UGN-101 intracavitário resulta em erradicação da doença clinicamente significativa e pode representar alternativa de tratamento, preservando o rim desses pacientes”, concluem os autores.
O artigo de Kleinmann, N et al. lembra de consenso de 2018, realizado em Estocolmo, Suécia, que recomendou cirurgia poupadora de rim, como a endoscópica, mas reconheceu que diante da escassez de dados prospectivos deve-se tentar a ablação em pacientes com câncer urotelial do trato superior de baixo grau.
“Observou-se, no entanto, que é necessário o acompanhamento rigoroso, diante da alta incidência de recorrência da doença associada ao tratamento ureteroscópico deste tipo de câncer”, recomendam.
O estudo OLYMPUS está registrado na ClinicalTrials.gov: NCT02793128. Os achados reportados referem-se à data do corte de dados, em 22 de maio de 2019.
Esquema proposto é alternativa quando a ablação à laser não é factível
Por Marcelo Wroclawski, urologista do Hospital Israelita Albert Einstein e da BP – a Beneficência Portuguesa de São Paulo; Professor Afiliado da FMABC e Vice-Presidente da SBU-SP
Apesar de diretrizes indicarem tratamento com preservação renal nos casos de carcinoma urotelial de baixo grau do trato urinário superior, quer seja por ablação à laser, quer seja por ressecção segmentar da área acometida, ainda há uma grande parcela de pacientes submetidos à nefroureterectomia radical neste cenário.
O Estudo Olympus avaliou uma opção não cirúrgica para tratamento destes tumores, através de quimiobalação com o gel UGN-101, contendo mitomicina. Pacientes comprovadamente com carcinoma urotelial de pelve e cálices foram submetidos à instilação da substância retrogradamente, através de cateter ureteral, 1 vez por semana, por semanas. Aqueles que atingissem resposta completa estariam aptos a realizar manutenção 1 vez por mês, por mais 11 meses.
Dos 71 pacientes incluídos, 10 (14%) não completaram as 6 instilações iniciais devido a efeitos colaterais, e 42 (59%) tiveram resposta completa (citologia negativa, ausência de lesões e biópsia negativa quando realizada) na primeira visita, 4—6 semanas após o tratamento. 6 pacientes (8%) apresentaram doença de alto risco neste primeiro exame.
Sessenta pacientes (85%) tiveram algum efeito colateral relacionado à droga ou aos procedimentos e 26 (37%) tiveram ao menos uma complicação grave (nível 3 em escala de 1 a 5). 31 pacientes (44%) tiveram algum grau de estenose de ureter, sendo esta severa em 5 (7%) deles. O acometimento da função renal foi observado em 14 pacientes (20%), sendo que em 5 (7%) não houve recuperação. 24 pacientes necessitaram fazer uso de stent ureteral (duplo J) temporariamente e, em 11 casos, foi necessário a implantação de stent ureteral (duplo J) de longa duração. Outros 2 pacientes foram submetidos à nefroureterectomia por estenose uretereal.
O efeito quimioterápico da mitomicina em todo urotélio parece ser importante fator para redução do risco de recidiva. Entretanto, a logística para realização do esquema terapêutico proposto para quimioblação, com 6 instilações semanais de indução seguido por instilações mensais de manutenção, pode ser uma limitação importante para a implementação desta opção terapêutica, sem falar dos custos relacionados a estes procedimentos. Além disso, os efeitos colaterais do gel UGN-101 não são desprezíveis.
Se extrapolarmos os dados do carcinoma urotelial de baixo grau da bexiga, o mais provável é que venhamos a utilizar esse novo produto como terapia adjuvante após ablação à laser das lesões do trato urinário alto de baixo grau, talvez com instilação única no pós-operatório imediato. Acredito que o esquema proposto poderá ser empregado principalmente nos casos em que a ablação à laser não seja factível devido à localização tumoral, como nos casos de lesões no cálice inferior com ângulo infundíbular agudo.
Referência: Kleinmann, N., Matin, S. F., Pierorazio, P. M., Gore, J. L., Shabsigh, A., Hu, B., … Lerner, S. P. (2020). Primary chemoablation of low-grade upper tract urothelial carcinoma using UGN-101, a mitomycin-containing reverse thermal gel (OLYMPUS): an open-label, single-arm, phase 3 trial. The Lancet Oncology. doi:10.1016/s1470-2045(20)30147-9