Onconews - Radioterapia das drenagens linfáticas em câncer de mama

Robson_Ferrigno__1201315.jpgDois estudos prospectivos e randomizados foram publicados online no New England Journal of Medicine a respeito da radioterapia das drenagens linfáticas em câncer de mama. O estudo do Instituto Nacional do Câncer Canadense (NCIC CTG MA.20) e o estudo multi institucional europeu (EORTC 22922/10925). “Os dois estudos trazem dados que devem ser analisados com cautela e não representam uma mudança de conduta na prática atual, principalmente num cenário com esquemas de quimioterapia mais efetivos", afirmou o radio-oncologista Robson Ferrigno (foto), coordenador do Serviço de Radioterapia do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, que analisou os resultados com exclusividade para Onconews.

Por Robson Ferrigno

A radioterapia no câncer de mama tem por objetivo evitar recaída local (mama presente após tratamento conservador ou plastrão após mastectomia) e recaída regional linfática (axila, fossa supraclavicular e mamária interna).

As indicações de radioterapia para as drenagens linfáticas bem como o volume dessa irradiação tem sido objeto de discussão há várias décadas. Durante muitos anos (até final da década de 80) todas as drenagens linfáticas eram irradiadas independentes da cirurgia e das características de risco da doença.
 
Com o passar dos anos, a radioterapia das drenagens linfáticas passou a ser realizada apenas em quatro ou mais linfonodos comprometidos e, tanto a axila, como a região da mamária interna, deixaram de ser irradiadas devido aos resultados de estudos que mostraram baixa incidência de recorrência nessas regiões e sem impacto na sobrevida, principalmente quando a axila era bem esvaziada.
 
Algumas controvérsias permaneceram em relação a algumas situações, tais como, pacientes com um a três linfonodos comprometidos e para pacientes com axila negativa, porém, com alto risco de recaída linfonodal, tais como, tumores grandes, axila não adequadamente esvaziada e tumores com receptores hormonais negativos.
 
Faltavam então, estudos prospectivos e randomizados para responder essas questões.
No ano passado foi publicada a meta análise do “Early Breast Cancer Trialist Collaborative Group” (EBTCCG) para radioterapia após mastectomia que mostrou benefício do emprego da radioterapia adjuvante, tanto para diminuição de recaída loco-regional como para aumento da sobrevida, em pacientes com linfonodos axilares positivos, incluindo aquelas com um a três linfonodos positivos. Não houve impacto da radioterapia entre as pacientes com linfonodos negativos. Por conta desse estudo, a indicação clássica de indicar apenas para quatro ou mais linfonodos passou a ser questionada.
 
Na semana passada (22/07/2015), dois estudos prospectivos e randomizados foram publicados a respeito da radioterapia das drenagens linfáticas em câncer de mama. O estudo do Instituto Nacional do Câncer Canadense (NCIC CTG MA.20) e o estudo multi institucional europeu (EORTC 22922/10925).
 
O estudo canadense randomizou 1832 pacientes com câncer de mama tratadas com cirurgia conservadora entre radioterapia adjuvante apenas na mama operada e radioterapia na mama e drenagens linfáticas da axila, fossa supraclavicular e mamária interna, tendo como objetivo principal a sobrevida global. Foram incluídas nesse estudo pacientes com linfonodos comprometidos e as com linfonodos negativos, porém com alto risco de recaída regional (tumores ≥ 5 cm e tumores ≥ 2 cm e com menos de 10 linfonodos axilares removidos ou grau histológico 3 ou com receptores de estrógeno negativo ou com invasão linfovascular).
 
Com seguimento mediano de 10 anos, não houve diferença na sobrevida global (82,8% Vs 81,8%; p=0,38) nem na mortalidade por câncer de mama (10,3% Vs 12,3%; p=0,11). Houve aumento da sobrevida livre de doença no grupo de pacientes que recebeu radioterapia nas drenagens linfáticas (82% Vs 77%; p=0,01) e também na sobrevida livre de mestástase a distância (86,3% Vs 82,4%; p=0,03).  O efeito na sobrevida livre de doença foi ocasionado pela menor taxa de recidiva loco-regional nas pacientes com drenagens linfáticas irradiadas (4,8% Vs 7,8%, p=0,009). Não houve aumento significativo de toxicidade graus 3 e 4 com a inclusão das drenagens linfágicas, porém, as pacientes apresentaram maior chance de linfedema (8,4% Vs 4,5%) e não houve aumento de plexopatia, toxicidade cardíaca ou segundo tumor primário, embora o seguimento ainda seja curto para avaliar essas últimas complicações.
 
Esse estudo traz como informação importante a ratificação da necessidade de irradiar as drenagens linfáticas nas pacientes com um a três linfonodos comprometidos, uma vez que 85% das pacientes randomizadas estavam nessa situação. Uma informação importante, extraída de subanálise, foi que o benefício na diminuição da recidiva regional foi maior entre as pacientes com receptores de estrógeno negativo.
 
Por outro lado, o estudo não prova o benefício de incluir a região da mamária interna no plano da radioterapia. Atualmente, a maioria dos Serviços inclui apenas a região da fossa supraclavicular quando da necessidade de irradiar as drenagens linfáticas. Além de não haver um braço do estudo com radioterapia da mama e fossa supraclavicular, não houve recidiva em mamária interna nos dois grupos de pacientes. Entre as pacientes que recaíram em linfonodos, 63% foram na axila e 27% na região de fossa supraclavicular. A recidiva local na mama operada foi semelhante nos dois grupos. Os próprios autores reconhecem que não é possível identificar qual drenagem linfática irradiada (axila, fossa, mamária interna ou todas) foi a responsável pelo benefício da diminuição da recidiva loco-regional e consequente aumento da sobrevida livre de doença.
 
Outro dado importante que não prova definitivamente a necessidade de irradiar as drenagens linfáticas nas pacientes com as características desse estudo é o fato de apenas 26% delas terem recebido quimioterapia com algum Taxano. O estudo NSABP-B27, que comparou o emprego de quimioterapia neo-adjuvante entre AC e AC + Taxotere, sem radioterapia, mostrou que a adição do Taxotere diminuiu a recidiva loco-regional em 9,5% em 10 anos (p=0,08). Esses dados sugerem fortemente que a quimioterapia utilizada atualmente, com inclusão de taxanos, promove um controle loco-regional melhor do que com apenas Adriamicina e Ciclofosfamida, o que pode anular o efeito de 5% obtido no estudo MA.20 com a inclusão das drenagens linfáticas no plano da radioterapia.
 
O fato do benefício da radioterapia das drenagens ter sido mais significante entre as pacientes com receptores de estrógeno negativo sugere que uma análise molecular no futuro poderá identificar melhor qual grupo de pacientes poderá de fato ser beneficiado com o emprego de radioterapia das drenagens linfáticas.
 
O estudo europeu (EORTC) randomizou 4004 pacientes com tumores de quadrantes centrais ou internos, independente do status da axila, e de quadrantes externos com axila positiva, entre radioterapia adjuvante apenas da mama operada ou do plastrão e radioterapia com inclusão das drenagens linfáticas da fossa supraclavicular e da mamária interna. Com seguimento mediano de 10,9 anos, as pacientes do grupo que recebeu radioterapia nodal tiveram sobrevida global em 10 anos marginalmente maior (82,3% Vs 80,7%; p=0,06), a mortalidade por câncer de mama menor (12,5% Vs 14,4%; p=0,02), a sobrevida livre de doença maior (72,1% Vs 69,1%; p=0,04), bem como a sobrevida livre de metástase a distância maior (78% Vs 75%; p=0,02). Não houve diferença na taxa de recidiva ganglionar entre os grupos que receberam ou não radioterapia da fossa e mamária interna. As taxas de recidiva em axila, fossa supraclavicular e mamária interna em 10 anos entre as pacientes que não receberam radioterapia nodal foram de 1,9%, 2,0% e 0.8%, respectivamente e, entre as que receberam de 1,3%, 1,5% e 0,2%, respectivamente.
 
Os resultados desse estudo devem ser analisados com cautela. A diferença de sobrevida entre os dois grupos foi de apenas 1,6% em 10 anos e com valor de p marginal (0,06). Além disso, não há descrição do tipo de quimioterapia adjuvante realizada nas pacientes. Como o estudo começou em 1990, o tratamento sistêmico empregado foi diferente do utilizado atualmente e, como no estudo MA.20, o pequeno benefício da radioterapia das drenagens linfáticas pode atualmente ser potencialmente compensado com a adição de novos quimioterápicos, como os taxanos, que sabidamente não só melhoraram a sobrevida global como também diminuíram as chances de recidiva loco-regional. As taxas muito pequenas e iguais de recaída nas regiões de drenagem linfática no estudo fortalece essa hipótese. Novos estudos randomizados no cenário de uma quimioterapia mais efetiva necessitam ser realizados para responder essa questão.
 
Um dado positivo do estudo é que não houve diferença de toxicidade tardia entre os dois grupos o que sugere melhora da qualidade da radioterapia realizada nas últimas décadas e ausência de impacto negativo com a inclusão de irradiação nas áreas de drenagem linfática.
 
O estudo é insuficiente para validar o emprego de radioterapia na região de mamária interna. Assim como no MA.20, não houve um braço de estudo com radioterapia da área do tumor primário (mama ou plastrão) e apenas fossa supraclavicular, prática essa muito frequente em nosso meio. Os autores também reconhecem na parte de discussão que não é possível identificar se os benefícios na sobrevida livre de doença e na sobrevida livre de metástase à distância foram pela irradiação da fossa supraclavicular ou da mamária interna ou de ambas.
 
Enfim, os dois estudos trazem dados que devem ser analisados com cautela e não representam uma mudança de conduta na prática atual, principalmente num cenário com esquemas de quimioterapia mais efetivos. Ao aumentar o volume de irradiação poderemos estar aumentando as chances de complicações sem um real benefício comprovado.
 
A inclusão das drenagens linfáticas no plano de radioterapia e quais devem ser tratadas é uma decisão que deve levar em conta as características individuais de cada paciente e a qualidade técnica da radioterapia disponível em cada Serviço. Individualização através de análises moleculares é o futuro para melhor direcionar essa decisão.
 
A informação mais importante dos dois estudos para nossa prática diária é a inclusão de pelo menos a fossa supraclavicular no plano de radioterapia nas pacientes com um a três linfonodos comprometidos.