A toxicidade aguda relatada pelo paciente pode ser menor em mulheres com câncer cervical ou endometrial tratadas com radioterapia pélvica de intensidade modulada (IMRT) em vez de radioterapia pélvica padrão. É o que mostram os resultados do estudo NRG Oncology – RTOG 1203, publicado no Journal of Clinical Oncology1. O radio-oncologista Bernardo Salvajoli (foto), médico do serviço de radioterapia do HCOR-Onco e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), comenta os resultados.
“Este é mais um estudo mostrando vantagens com a evolução técnica da radioterapia ao longo dos anos. Apresentado preliminarmente no congresso Americano de Radioterapia (ASTRO) em 2016, e desde então aguardávamos a publicação final deste estudo conduzido no MD Anderson Cancer Center pela radio-oncologista Ann H. Klopp e participação de diversos outros centros e colaboradores”, afirma Bernardo.
Segundo Salvajoli, outros estudos retrospectivos haviam mostrado dados similares, menos toxicidade gastrointestinal e geniturinária, mas agora é possível afirmar com dados de alto nível de evidência que a radioterapia pélvica ginecológica pós-operatória é melhor tolerada e com menos efeitos colaterais aos pacientes. “Quem faz esse tipo de tratamento com IMRT já percebe diferenças clínicas em relação ao tratamento tridimensional com 4 campos (como do estudo) versus o tratamento com IMRT. As pacientes realmente apresentam menos diarreia e necessidade de medicações e interrupções de tratamento. Com a radioterapia tridimensional acabamos incluindo rotineiramente mais bexiga e alças intestinais na área irradiada, e com IMRT conseguimos diminuir essas áreas, mas até a publicação do estudo faltava evidência científica para confirmar os dados dosimétricos”, acrescenta.
Sobre o estudo
O NRG Oncology/RTOG 1203 foi desenvolvido para comparar a toxicidade e a qualidade de vida relatada pelo paciente durante a radioterapia pélvica padrão 3D ou radioterapia pélvica de intensidade modulada (IMRT) no tratamento do câncer ginecológico (cervical e endometrial).
As pacientes foram aleatoriamente designadas para receber radioterapia padrão (RT) ou tratamento com IMRT. O endpoint primário foi a mudança na toxicidade gastrointestinal aguda relatada pelo paciente desde o início até o final da RT, medida pelo Composite Expand Index Prostate Cancer (EPIC). Os endpoints secundários incluíram alterações na toxicidade urinária e gastrointestinal relatadas pelas pacientes, avaliada pelo Trial Outcome Index.
Resultados
De 2012 a 2015, foram inscritos 289 pacientes, dos quais 278 eram elegíveis. Entre o início e o final da RT, a pontuação média do EPIC declinou 23,6 pontos no grupo RT padrão e 18,6 pontos no grupo IMRT (P = 0,048). A pontuação urinária EPIC média diminuiu 10,4 pontos no grupo RT padrão e 5,6 pontos no grupo IMRT (P = 0,03). A pontuação média do Trial Outcome Index diminuiu 12,8 pontos no grupo RT padrão e 8,8 pontos no grupo IMRT (P = 0,06). No final da RT, 51,9% das mulheres que receberam RT padrão e 33,7% das que receberam IMRT relataram diarréia frequente ou quase constante (P = 0,01), e mais pacientes no grupo RT padrão estavam tomando medicamentos antidiarreicos quatro ou mais vezes ao dia (20,4% v 7,8%; P = 0,04).
Para os autores, os dados mostram que a IMRT pélvica foi significativamente associada com menor toxicidade GI e urinária do que a RT padrão na perspectiva do paciente.
“No Brasil, infelizmente, ainda são poucos os centros que oferecem a técnica de IMRT para seus pacientes, principalmente pela falta de reajustes de tabelas de pagamento, falta de máquinas públicas prometidas e custos altos por diferença cambial e altos impostos. Muitas cidades não têm centros de radioterapia disponíveis, e outras contam apenas com tratamento bidimensional (2D), inferior ao braço padrão utilizado no estudo. Espero que num futuro próximo possamos utilizar esse tipo de técnica para tratamentos pélvicos e outros sítios que tenham seus benefícios, não só em grandes centros e hospitais particulares, mas para todos os pacientes que necessitem de tal modalidade”, conclui Salvajoli.
Referência: Patient-Reported Toxicity During Pelvic Intensity-Modulated Radiation Therapy: NRG Oncology–RTOG 1203 - Ann H. Klopp et al - DOI: 10.1200/JCO.2017.77.4273 Journal of Clinical Oncology - published online before print July 10, 2018