O oncologista Daniel Vilarim Araújo (foto), chefe do serviço de oncologia clínica do Hospital de Base, em São José do Rio Preto (SP), é coprimeiro autor de artigo1 publicado no JAMA Oncology que busca repensar os caminhos da pesquisa clínica em câncer após a pandemia da COVID-19. “É hora de incorporar novas tecnologias, revisitar velhas práticas e avançar em direção a melhores resultados para nossos pacientes”, defendem os autores.
Há um consenso geral entre as equipes multidisciplinares de que intervenções que salvam vidas e com valor comprovado devem ser oferecidas a pacientes com câncer, apesar dos riscos da COVID-19. Embora a realização de ensaios clínicos seja um componente central do tratamento do câncer, a relação risco-benefício para a participação em ensaios clínicos foi obscurecida durante a pandemia. Os autores observam que os ensaios clínicos, especialmente aqueles que avaliam novos agentes, exigem testes frequentes e visitas ao hospital para avaliação sem um retorno garantido do benefício terapêutico. O risco de eventos adversos relacionados ao tratamento, agravado pela ameaça de aumento da exposição ao contágio pode inclinar negativamente a balança para muitos pacientes e médicos que estão considerando opções de ensaios clínicos. Por outro lado, muitos pacientes com câncer inscritos em ensaios clínicos expressam forte interesse em continuar a participação no ensaio, apesar do risco elevado2, e várias pesquisas estão em andamento para elucidar os pontos de vista de pacientes e médicos sobre a prestação de cuidados oncológicos e conduta de ensaios clínicos na era COVID-19.3,4
Devido aos lockdowns e quarentenas sancionados pelos governos em várias cidades, assim como o distanciamento social, muitos laboratórios de pesquisa em todo o mundo foram fechados temporariamente e vários ensaios clínicos foram interrompidos ou encerrados. O recrutamento diminuiu ou cessou, mas os custos de funcionamento permanecem substanciais. Dessa forma, os autores salientam que os recursos devem ser alocados de forma prudente para otimizar o valor dos ensaios clínicos e evitar uma desaceleração da pesquisa em câncer.
“A mensagem do alerta para a pandemia é clara - nossa sociedade não pode mais aceitar ensaios clínicos incrementais. A comunidade científica deve compartilhar sua sabedoria coletiva para elevar o nível de realização de ensaios clínicos que tenham o maior potencial para produzir resultados significativos, apoiados por fortes hipóteses biológicas e guiados por biomarcadores preditivos validados”, destacam os autores.
Nesse sentido, desfechos substitutos não validados não devem substituir a sobrevida global e a qualidade de vida como os resultados mais relevantes em ensaios clínicos randomizados.5 “O uso de desenhos de ensaios adaptativos, como no estudo I-SPY2,6 fornece agilidade ao processo de desenvolvimento de drogas, potencialmente acelerando a disponibilidade de novos tratamentos eficazes”, dizem. O artigo destaca ainda que o compartilhamento de protocolos, métodos e resultados não-clínicos e clínicos dentro da comunidade de pesquisa pode reduzir a redundância e deve ser possível nos estágios pré e pós-competitivos do desenvolvimento de medicamentos. “A investigação de medicamentos me-too ou combinações de medicamentos sem um caminho claro para melhorar o índice terapêutico deve ser desencorajada”, dizem.
Os estudos de Fase 1, em particular, necessitam de várias visitas de segurança durante os primeiros ciclos de tratamento, muitas delas para exames físicos de rotina, o que
pode aumentar o risco de exposição ao contágio para o paciente e para o provedor. No entanto, deve-se ter cuidado para não comprometer a vigilância, pois o exame físico continua sendo uma ferramenta de avaliação crucial. “Para a maioria dos casos, uma consulta de telemedicina com exames de sangue coletados em laboratórios locais pode ser suficiente e economizar tempo e recursos”, afirmam. “Muitas visitas clínicas foram adiadas ou conduzidas por meio de redes de telemedicina e, certamente, no futuro, essa opção pode ser preferida para pacientes”, acrescentam.
Os autores destacam ainda que os esquemas de dosagem de medicamentos contra o câncer foram modificados quando aceitáveis, e os tratamentos orais, quando disponíveis, foram aproveitados para limitar as visitas ao hospital. “A administração de tratamento em centros satélites locais também foi explorada, bem como a viabilidade de serviços de coleta de sangue e infusões de tratamento locais ou mesmo domiciliares”7, esclarecem.
“As lições aprendidas com essa pandemia podem remodelar nossa prática clínica para melhor. A pesquisa clínica deve ser mais enxuta e eficiente”, conclui o artigo.
Referências: Araujo DV, Watson GA, Siu LL. The Day After COVID-19—Time to Rethink Oncology Clinical Research. JAMA Oncol. Published online September 03, 2020. doi:10.1001/jamaoncol.2020.4240
2 - Sidaway P. COVID-19 and cancer: what we know so far. Nat Rev Clin Oncol. 2020;17(6):336. doi:10.1038/s41571-020-0366-2
3 - Impact of the coronavirus (COVID-19) on patients with cancer. ClinicalTrials.gov identifier: NCT04330521. Posted April 1, 2020. Updated June 29, 2020. Accessed July 31, 2020. https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04330521
4 - Oncology-patient–reported anxiety, mood, and QoL during the COVID-19 pandemic (ONCOVID). ClinicalTrials.gov identifier: NCT04340219. Posted April 9, 2020. Updated May 11, 2020. Accessed July 31, 2020. https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04340219
5 - Prasad V, Kim C, Burotto M, Vandross A. The strength of association between surrogate end points and survival in oncology: a systematic review of trial-level meta-analyses. JAMA Intern Med. 2015;175(8):1389-1398. doi:10.1001/jamainternmed.2015.2829
6 - Nanda R, Liu MC, Yau C, et al. Effect of pembrolizumab plus neoadjuvant chemotherapy on pathologic complete response in women with early-stage breast cancer: an analysis of the ongoing phase 2 adaptively randomized I-SPY2 trial. JAMA Oncol. 2020;6(5):676-684. doi:10.1001/jamaoncol.2019.6650
7 - Cinar P, Kubal T, Freifeld A, et al. Safety at the time of the COVID-19 pandemic: how to keep our oncology patients and healthcare workers safe. J Natl Compr Canc Netw. Published online April 15, 2020. doi:10.6004/jnccn.2020.7572