Estudo de coorte com 2.200 pacientes publicado no JAMA Network Open mostrou diferenças no status dos receptores hormonais, histórico familiar e raça e etnia autorrelatadas entre o status ERBB2-low e ERBB2-negativo. “Nos tumores negativos para receptores hormonais, o status ERBB2-low foi associado a uma melhor sobrevida em comparação com o status ERBB2-negativo”, observaram os autores, sugerindo que o câncer de mama ERBB2-low pode ser uma entidade biológica distinta. A patologista Filomena Marino Carvalho (foto) analisa os resultados.
“Não está claro se o câncer de mama com baixa expressão de ERBB2 (ERBB2-low) é uma entidade clínica, patológica e epidemiológica distinta do câncer de mama classificado como sem expressão de ERBB2 (ERBB2-negativo)”, afirmam os autores.
Este estudo de coorte foi conduzido como parte do Pathways Study, um estudo de coorte prospectivo, racial e etnicamente diverso de mulheres com câncer de mama inscritas entre 2006 e 2013 no Kaiser Permanente Northern California (KPNC). As lâminas de hematoxilina e eosina foram submetidas a revisão patológica centralizada, incluindo a porcentagem de linfócitos infiltrantes tumorais (TILs).
Os resultados dos biomarcadores mamários foram extraídos de relatórios patológicos e as mulheres foram incluídas se tivessem um valor documentado de ERBB2 que não fosse classificado como ERBB2 positivo. Os dados foram analisados entre fevereiro de 2023 e janeiro de 2024.
ERBB2-low foi definido pelos escores da imuno-histoquímica 1+ ou 2+ (negativo por hibridização in situ); ERBB2-negativo foi definido pelo escore 0 imunohistoquímico. Outros dados foram coletados por autorrelato ou extração de registros eletrônicos de saúde, incluindo fatores de risco de câncer de mama, características do tumor, modalidade de tratamento e resultados de sobrevida, com sobrevida livre de recorrência (SLR) como endpoint primário e sobrevida global (SG) e mortalidade específica por câncer de mama (BCSM) como endpoints secundários. As variáveis clínicas, patológicas e epidemiológicas foram comparadas entre câncer de mama ERBB2-low e ERBB2-negativo.
Resultados
Entre 2.200 pacientes elegíveis (todos do sexo feminino; com idade média [DP], 60,4 [11,9] anos), 1.295 (57,2%) tinham tumores ERBB2-low. Os receptores hormonais foram positivos em 1.956 pacientes (88,9%). A amostra incluiu 291 pacientes asiáticas (13,2%), 166 pacientes negras (7,5%), 253 pacientes hispânicas (11,5%), 1.439 pacientes brancas (65,4%) e 51 pacientes (2,3%) que se identificaram como de outra raça ou etnia (por exemplo, índio americana ou nativa do Alasca e das ilhas do Pacífico).
Dentro do grupo receptor hormonal negativo, as pacientes com tumores ERBB2-low, em comparação com aquelas com tumores negativos para ERBB2, tiveram melhor sobrevida global (hazard ratio [HR], 0,54; IC 95%, 0,33-0,91; P = 0,02), sobrevida livre de recorrência (HR, 0,53; IC 95%, 0,30-0,95; P = ,03) e sobrevida específica por câncer de mama (HR, 0,43; IC 95%, 0,22-0,84; P = ,01).
Na análise multivariada de sobrevida estratificada pelo status do receptor hormonal e ajustada para covariáveis principais, pacientes com tumores ERBB2-low e receptores hormonais negativos tiveram menor mortalidade geral (HR, 0,48; IC 95%, 0,27-0,83; P = 0,009), sobrevida livre de recorrência (HR, 0,45; IC 95%, 0,24-0,86; P = 0,02) e sobrevida específica por câncer de mama (subdistribuição HR, 0,21; IC 95%, 0,10-0,46; P < 0,001), em comparação com pacientes com tumores ERBB2-negativo e receptor hormonal negativo.
Dentro do subtipo receptor hormonal-negativo, pacientes com tumores ERBB2-low e TILs altos tiveram melhor sobrevida em todos os três desfechos em comparação com pacientes com tumores ERBB2-negativo e TILs baixos. Além disso, pacientes com tumores ERBB2-low e TILs baixos tiveram melhor sobrevida específica por câncer de mama (subdistribuição HR, 0,36; IC 95%, 0,14-0,92; P = 0,03).
“Esses achados sugerem que houve diferenças clínicas, patológicas e epidemiológicas entre o câncer de mama ERBB2-low e ERBB2-negativo, levantando a possibilidade de que ERBB2-low pode ser uma entidade biológica única”, concluíram os autores.
O estudo em contexto
Por Filomena Carvalho, patologista, professora associada e livre-docente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
Este trabalho explora o debate sobre a natureza dos tumores HER2-low como nova entidade1. Suas conclusões sobre as diferenças clínicas observadas entre ERBB2-low e ERBB2-0, particularmente no grupo receptor hormonal-negativo, são pertinentes, embora não nos pareça que sejam suficientes para considerá-los uma entidade distinta.
Diferenças prognósticas não são a regra na maioria dos estudos, ainda que tenham sido descritas por alguns autores, como por exemplo, Denkert et al.2, Tan et al.3 e Peiffer et al.4. Estes últimos, em seu estudo retrospectivo de coorte com 1.136.016 pacientes do National Cancer Data Base, demonstraram melhor sobrevida, ainda que discreta, no grupo ERBB2-low e, particularmente no subgrupo receptor hormonal-negativo. Entretanto, estes autores não viram em seus achados suporte para definição de uma entidade distinta.
Da mesma maneira, na metanálise conduzida por Molinelli et al. houve prognóstico mais favorável nas pacientes com tumores HER2-low, tanto receptor hormonal-positivo como negativo, mas os autores não consideraram este grupo como uma nova entidade, mas sim, alertaram para a importância da sua correta identificação para orientação terapêutica5.
Um forte argumento contra a entidade HER2-low como subtipo é o fato de não apresentarem um perfil molecular próprio. Os carcinomas mamários triplo-negativos são em geral basal-like, independente se são HER2-0 ou HER2-low6. Talvez o fator mais impactante na descaracterização dos tumores ERBB2-low como uma entidade seja sua instabilidade, esta condição de baixa expressão que se modifica ao longo do curso da doença, além de apresentar grande heterogeneidade intratumoral e intertumoral7,8.
O estudo acima apresentado aparentemente avaliou somente os tumores primários. Seguramente entre os tumores ERBB2-0 alguns sejam redefinidos como ERBB2-low na progressão, recorrência ou pós-tratamento.
Referências:
1. Khoury T, Mendicino L, Payne Ondracek R, Yao S, Davis W, Omilian AR, et al. Clinical, Epidemiologic, and Pathologic Significance of ERBB2-Low Expression in Breast Cancer. JAMA Netw Open. 2024;7(3):e243345.
2. Denkert C, Seither F, Schneeweiss A, Link T, Blohmer JU, Just M, et al. Clinical and molecular characteristics of HER2-low-positive breast cancer: pooled analysis of individual patient data from four prospective, neoadjuvant clinical trials. Lancet Oncol. 2021;22(8):1151-61.
3. Tan RSYC, Ong WS, Lee KH, Lim AH, Park S, Park YH, et al. HER2 expression, copy number variation and survival outcomes in HER2-low non-metastatic breast cancer: an international multicentre cohort study and TCGA-METABRIC analysis. BMC Med. 2022;20(1):105.
4. Peiffer DS, Zhao F, Chen N, Hahn OM, Nanda R, Olopade OI, et al. Clinicopathologic Characteristics and Prognosis of ERBB2-Low Breast Cancer Among Patients in the National Cancer Database. JAMA Oncol. 2023;9(4):500-10.
5. Molinelli C, Jacobs F, Agostinetto E, Nader-Marta G, Ceppi M, Bruzzone M, et al. Prognostic value of HER2-low status in breast cancer: a systematic review and meta-analysis. ESMO Open. 2023;8(4):101592.
6. Schettini F, Chic N, Brasó-Maristany F, Paré L, Pascual T, Conte B, et al. Clinical, pathological, and PAM50 gene expression features of HER2-low breast cancer. NPJ Breast Cancer. 2021;7(1):1.
7. Lin M, Luo T, Jin Y, Zhong X, Zheng D, Zeng C, et al. HER2-low heterogeneity between primary and paired recurrent/metastatic breast cancer: Implications in treatment and prognosis. Cancer. 2024;130(6):851-62.
8. Geukens T, De Schepper M, Richard F, Maetens M, Van Baelen K, Mahdami A, et al. Intra-patient and inter-metastasis heterogeneity of HER2-low status in metastatic breast cancer. Eur J Cancer. 2023;188:152-60.