Estudo de Paul C Lyon e colegas publicado no Lancet Oncology avaliou a segurança e viabilidade de uma nova abordagem, a infusão intravenosa de doxorrubicina lipossomal termossensível (LTLD, da sigla em inglês) como tratamento para tumores hepáticos, ativada por hipertermia (>39·5°C) através de ultrasson focal. Os resultados mostram pela primeira vez o potencial terapêutico e segurança da LTLD associada ao ultrasson no tratamento oncológico1. Quem comenta o trabalho é o oncologista Ramon Andrade De Mello (foto), médico do Hospital Estadual de Bauru/SP, Diretor de Pesquisa Clínica do Centro Oncológico NAIC e professor e pesquisador das Universidades do Algarve e do Porto, em Portugal.
“O estudo de Lyon e colegas representa um primeiro e importante passo para a tradução clínica desta abordagem, demonstrando a capacidade de aumentar localmente a captação de drogas, enquanto mostra resposta terapêutica com uma droga que tradicionalmente tinha baixa eficácia no câncer de fígado”, destaca o editorial do Lancet Oncology que discutiu os resultados do estudo (Non-invasive image-guided targeted drug delivery)2.
Segundo o oncologista Ramon de Mello, racional biológico do estudo é bastante interessante, por associar um fármaco ligado a nano-partícula (doxorrubicina lipossomal termosenssível) à hipertermia por ultrassom para o tratamento de tumores hepáticos. “Por estar ligada à nano-partícula, a LTLD consegue distribuir o quimioterápico doxorrubicina de forma mais específica às células tumorais quando associadas a condições de hipertermia moderada, proporcionando maior atividade anti-tumoral, com menor toxicidade sistêmica”, explica.
Pesquisas pré-clínicas anteriores mostraram que dispositivos extracorpóreos podem ser usados para melhorar a entrega e distribuição de antineoplásicos administrados sistemicamente, resultando em aumento das concentrações intratumorais. Neste estudo de fase 1, aberto, de instituição única, foram considerados pacientes adultos (idade ≥ 18 anos) com tumores hepáticos primários ou secundários não ressecáveis e não abláveis, de qualquer subtipo histológico.
Os participantes foram designados para uma das duas partes do estudo, caracterizada pela presença (parte I) ou ausência (parte II) de um dispositivo de termometria implantado por via percutânea no tumor alvo durante a intervenção. Os pacientes receberam uma infusão intravenosa única (50 m/m2) de doxorrubicina lipossomal termossensível (LTLD), seguida por exposição ao ultrassom focal, em um único tumor de fígado.
A abordagem foi avaliada por biópsias tumorais obtidas antes e após a exposição ao ultrassom para avaliar a concentração e distribuição da doxorrubicina. O endpoint primário foi pelo menos uma duplicação da concentração intratumoral total de doxorrubicina em pelo menos metade dos pacientes tratados, com base na intenção de tratar.
Resultados
Entre 13 de março de 2015 e 27 de março de 2017, dez pacientes foram incluídos no estudo (6 na parte I, 4 na parte II) e receberam uma dose de LTLD seguida por exposição focada ao ultrassom. O tratamento resultou em aumento médio de 3-7 vezes nas concentrações da biópsia intratumoral da doxorrubicina, a partir de uma estimativa de 2·34 μg/g (SD 0,93) imediatamente após a infusão de 8·56 μg/g (5·69) da droga após ultrassom focal. Aumento de duas a dez vezes foram observados em sete (70%) dos dez pacientes, cumprido o desfecho primário.
Os eventos adversos graves de grau 3-4 foram neutropenia (grau 3 em um paciente e grau 4 em cinco pacientes) e anemia grau 3 em um paciente. Nenhuma morte relacionada ao tratamento ocorreu.
Para os autores, o tratamento combinado de LTLD e hipertermia por ultrasson focal não invasivo parece ser clinicamente viável, seguro e capaz de aumentar a liberação de fármaco intratumoral, fornecendo resposta quimio-ablativa direcionada em tumores hepáticos que eram refratários à quimioterapia padrão.
Ramon observa que embora represente uma técnica inovadora na abordagem destas lesões hepáticas malignas, vale ressaltar que ainda se trata de um estudo de fase I, ou seja, com resultados ainda bastantes prematuros. “O número de pacientes incluídos foi bastante pequeno e ainda num intervalo de tempo longo de recrutamento em torno de dois anos, o que perde consistência estatística. Portanto, é preciso ter noção que ainda não temos dados de resposta local e sobrevida maduros para aplicar na prática clínica”, diz o especialista.
Mais estudos de fase II e III certamente serão fundamentais para o estabelecimento de um grau de evidência mais consistente para utilização desta técnica, eventualmente no tratamento de lesões hepáticas menos volumosas ou na tentativa de manter uma “ponte” para o transplante hepático de pacientes com hepatocarcinoma que estejam à espera dos doadores de órgãos”, conclui Ramon.
Este estudo está registrado no ClinicalTrials.gov, número NCT02181075.
Referências:
1 - Safety and feasibility of ultrasound-triggered targeted drug delivery of doxorubicin from thermosensitive liposomes in liver tumours (TARDOX): a single-centre, open-label, phase 1 trial; Lyon, Paul C et al; The Lancet Oncology. DOI: https://doi.org/10.1016/S1470-2045(18)30332-2
2 - Non-invasive image-guided targeted drug delivery - Haemmerich, Dieter; The Lancet Oncology. DOI: https://doi.org/10.1016/S1470-2045(18)30419-4