Onconews - Terapia neoadjuvante melhora os resultados no colangiocarcinoma intra-hepático avançado

felipe coimbra2024Estudo de Alaimo et al. buscou determinar o impacto do downstaging promovido pela terapia neoadjuvante na sobrevida global de pacientes com colangiocarcinoma intra-hepático (CCI), de acordo com o estadiamento. Os resultados mostram que a terapia neoadjuvante deve ser considerada em pacientes com CCI com doença T avançada e/ou metástases nodais. “Este artigo representa um marco importante na literatura sobre cirurgia hepática e deve ser um ponto de referência para médicos oncologistas e cirurgiões envolvidos no tratamento de tumores do fígado”, diz o médico Felipe José Fernández Coimbra (foto), que analisa os principais achados.

O colangiocarcinoma intra-hepático é uma doença agressiva e com incidência crescente nas últimas décadas. Mesmo entre pacientes submetidos à cirurgia com intenção curativa, o prognóstico pode variar, contexto que tem fomentado a adoção de terapias multimodais para melhorar os resultados nessa população de pacientes.

Atualmente, a terapia neoadjuvante (TNA) é recomendada apenas para ICC irressecável e, embora a decisão de tratar com terapia neoadjuvante deva ser individualizada e baseada na avaliação multidisciplinar, pode melhorar o prognóstico em comparação com a cirurgia inicial.

Neste estudo, o objetivo foi avaliar o impacto do downstaging após TNA na sobrevida global (SG) após a ressecção. Os pesquisadores procuraram caracterizar o estadiamento pré-operatório e comparar os resultados dos pacientes que foram submetidos à cirurgia inicial versus TNA para CCI.

Pacientes tratados para CCI entre 2010 e 2018 foram identificados usando o National Cancer Database. A abordagem bayesiana foi aplicada para estimar o downstaging da terapia neoadjuvante, enquanto a SG foi avaliada em relação ao estadiamento da doença, classificada em concordante/superestadiada tratada com cirurgia inicial, subestadiada tratada com cirurgia inicial, sem downstaging e com downstaging após TNA.

A coorte de análise compreendeu 3.384 pacientes, sendo 2.904 (85,8%) submetidos à

cirurgia inicial, enquanto 480 (14,2%) receberam TNA e 85/480 (18,4%) tiveram downstaging. Pacientes com cT3 (razão de probabilidade [OR] 2,12, intervalo de confiança de 95% [IC] 1,34–3,34) e pacientes tratados em instituições de alto volume (OR 1,63, IC 95% 1,13– 2,36) tiveram maior probabilidade de receber TNA, assim como aqueles com doença cN1 (OR 2,47, IC 95% 1,71–3,58), (todos p < 0,05). A mediana de SG foi de 40,1 meses (IC 95% 38,6–43,4). Pacientes com doença cT1-2N1 (TNA: 31,5 meses vs. cirurgia inicial: 22,4 meses; p = 0,04) e cT3-4N1 (TNA: 27,8 meses vs. cirurgia inicial: 14,4 meses; p = 0,01) foram os que mais se beneficiaram da terapia neoadjuvante.

O downstaging promovido por TNA diminuiu o risco de morte entre pacientes com doença cT3-4N1 (razão de risco [HR] 0,35, 95% IC 0,15–0,82). No entanto, pacientes subestadiados com cT1-2N0/X (HR 2,15, IC 95% 1,83–2,53) e cT3-4N0/X (HR 1,71, IC 95% 1,06–2,74) tratados com cirurgia inicial tiveram maior risco de morte.

“Pacientes com CCI N1 tratados com TNA tiveram melhor sobrevida global que aqueles tratados com cirurgia inicial”, destacam os autores. “O downstaging promovido por TNA conferiu benefício de sobrevida entre pacientes com cT3-4N1 versus cirurgia inicial. A TNA

deve ser considerada em pacientes com CCI com doença T avançada e/ou metástases nodais”, concluem.

O cirurgião Felipe Coimbra, líder do Centro de Referência em Tumores do Aparelho Digestivo Alto, do A.C.Camargo Cancer Center, lembra que a evidência atual sugere que a terapia neoadjuvante seguida de ressecção cirúrgica pode melhorar a SG em pacientes com CCI, particularmente naqueles com doença T avançada e/ou metástases nodais. “Especificamente sobre este estudo que utilizou o Banco Nacional de Dados de Câncer Americano, observa-se que o downstaging da TNA diminuiu o risco de morte em pacientes com doença cT3-4N1, com uma razão de risco (HR) de 0,35”, analisa.

Para o especialista, outro ponto crítico deste artigo é a ênfase na precisão da intervenção cirúrgica e nos estudos de imagem avançadas para um adequado planejamento terapêutico, desde o início do tratamento. “Isso ressalta a importância da abordagem multidisciplinar no câncer de fígado, que não se limita apenas à habilidade cirúrgica, mas também ao conhecimento profundo da oncologia, anatomia hepática e às técnicas de imagem mais recentes”, diz. “Como alguém acostumado à realização de cirurgias de tumores hepáticos, reforço a necessidade de uma colaboração estreita entre oncologistas, cirurgiões, radiologistas e outros especialistas, para oferecer um cuidado verdadeiramente personalizado e eficaz aos nossos pacientes, reduzindo as taxas de recidiva e melhorando a qualidade de vida pós-operatória”, destaca.

Felipe Coimbra revisa outros achados da literatura sobre o assunto, que sugerem que o tratamento de downstaging, incluindo a terapia de radiação interna seletiva (SIRT) combinada com quimioterapia foi associado a um benefício significativo na análise multivariável (HR 0.34). “Além disso, um estudo de coorte retrospectivo dentro do mesmo banco de dados mostrou que a terapia neoadjuvante foi associada a uma redução de 23% no risco de morte em relação à cirurgia imediata (HR 0.77). Esses achados são apoiados por um estudo de coorte comparativo baseado na população americana, que associou a quimioterapia neoadjuvante com aumento da SG para todos os subtipos de colangiocarcinoma. A Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL) e a Associação Internacional de Câncer de Fígado (ILCA) também reconhecem o potencial benefício da quimioterapia neoadjuvante em melhorar a SG e alcançar a ressecção R0 em pacientes com CCA estágio I-III”, prossegue.

“Concluindo, a evidência sugere que a TNA, particularmente quando leva ao downstaging, pode conferir um benefício de sobrevida em pacientes com CCI submetidos à ressecção. No entanto, a seleção ótima de pacientes e os regimes específicos para TNA requerem investigação adicional por meio de estudos prospectivos” analisa.

Referências:

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