Um em cada 5 pacientes em ensaios clínicos de Fase III relata o uso de medicamentos complementares (MC), aponta estudo de Wells et al. publicado em março, que considerou exclusivamente a pesquisa em câncer (The Oncologist, Volume 27, nº 3). O uso de MC foi maior entre pacientes com câncer de mama (35,6%) e positivamente associado a menores taxas de eventos adversos (50% vs. 62%, P = 0,002). A oncologista Eliza Dalsasso, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, analisa os resultados.
Nesta análise, os pesquisadores revisaram retrospectivamente as listas de medicamentos de 6 ensaios clínicos internacionais de Fase III para identificar pacientes em uso de MC. Foram considerados pacientes com câncer de mama metastático, colorretal ou de pulmão. Qualidade de vida, eventos adversos, sobrevida global e sobrevida livre de progressão foram comparados entre usuários e não usuários de MC.
Os resultados indicam que 706 de 3.446 pacientes (20,5%) usaram pelo menos um MC. Os usuários de MC apresentaram fatores prognósticos de base mais favoráveis (status ECOG 0-1, não fumantes, idade mais jovem e menor número de metástases). O uso de MC foi associado a menores taxas de eventos adversos (50% vs. 62%, P = 0,002) e foi maior entre pacientes com câncer de mama (35,6%). A qualidade de vida foi semelhante entre os dois grupos. Após o ajuste por escore de propensão (propensity sore matching), o uso de MC também foi associado a sobrevida global mais longa em pacientes com câncer de pulmão (razão de risco ajustada 0,80, IC 95%, 0,68-0,94, P = 0,0054). No entanto, variáveis de controle importantes, como o status do EGFR e de outras driver-mutation, nível socioeconômico e educacional, não estavam disponíveis. “Além disso, uma outra limitação nesta análise retrospectiva é que apenas MC farmacológicas foram incluídos na análise, terapias como acupuntura, meditação e outras terapias não farmacológicas não foram incluídas no estudo”, observa Eliza.
“Identificamos que pelo menos 20% dos pacientes inscritos em ensaios clínicos de câncer de Fase III também estavam usando medicamentos complementares. O uso de MC não foi associado a piores desfechos específicos de câncer, mas pode ter influenciado os resultados, considerando as características mais favoráveis no baseline e outras variáveis não capturadas. Os médicos devem continuar a monitorar possíveis interações entre medicamentos complementares e medicamentos de ensaios clínicos”, destacam os autores.
Segundo Eliza, um dado que chamou a atenção neste estudo com uma população bem selecionada (participantes de estudos clínicos) é que o seu uso é mais frequente nas pacientes com câncer de mama. “Estudo conduzido em nosso país com pacientes adultos com diagnóstico de qualquer tipo de câncer e que compareceram a consultas em dois centros de câncer no Brasil também mostrou uma proporção significativamente maior de mulheres relatando o uso de CM2. Participantes de estudos clínicos são uma população bem selecionada por vários critérios em relação a população em geral. No entanto, chama a atenção o fato de que em estudos diferentes a população do sexo feminino ser a maior usuária de CM”, diz.
Referências:
1 - Wells JC, Sidhu A, Ding K, et al. Complementary medicine use amongst patients with metastatic cancer enrolled in phase III clinical trials. Oncologist. Published online February 19, 2022. doi:10.1093/oncolo/oyac020
2 - Eliza Dalsasso Ricardo et al. - J Clin Oncol 39, 2021 (supl 15; abstr 12060) - DOI: 10.1200 / JCO.2021.39.15_suppl.12060