A combinação de 177Lu-Dotatate mais octreotida não mostrou benefício estatístico de sobrevida global em pacientes com tumores neuroendócrinos de intestino médio (midgut) avançados, com 48,0 meses versus 36, 3 meses no grupo controle (HR 0,84; p bilateral = 0,30). No entanto, apesar de não atingir significância estatística, a diferença de 11,7 meses na sobrevida global mediana com 177Lu-Dotatate versus octreotida em altas doses pode ser considerada clinicamente relevante. Os resultados são da análise final do estudo de Fase III NETTER-1 reportados por Strosberg et al, no Lancet Oncology. O oncologista Duilio Rocha Filho (foto) analisa os resultados.
Este ensaio clínico randomizado de Fase III envolveu 41 centros em oito países da Europa e EUA. Foram elegíveis pacientes com idade ≥ 18 anos com tumores neuroendócrinos de midgut localmente avançados ou metastáticos, positivos para o receptor de somatostatina (status de desempenho de Karnofsky ≥60), com índice Ki67 ≤ 20% e em progressão da doença com octreotida de ação prolongada em dose fixa.
De 6 de setembro de 2012 a 14 de janeiro de 2016, 231 pacientes foram inscritos e randomizados (1:1) para tratamento com 177Lu-Dotatate intravenoso 7,4 GBq (200 mCi) a cada 8 semanas (quatro ciclos) mais octreotida de ação prolongada intramuscular 30 mg (grupo 177Lu-Dotatate) ou octreotida de ação prolongada em altas doses, compreendendo 60 mg a cada 4 semanas (grupo controle).
O objetivo principal do estudo foi alcançado em 2017, mostrando sobrevida livre de progressão significativamente superior em pacientes que receberam 177Lu-Dotatate em combinação com octreotida de longa ação (p = 0, 0001). Agora, após acompanhamento mediano de 76, 3 meses no grupo de intervenção e de 76, 5 meses no grupo controle, o endpoint secundário de sobrevida global não alcançou significância estatística, embora os autores sustentem benefício clinicamente relevante.
Durante o acompanhamento de longo prazo, eventos adversos graves (grau ≥ 3) relacionados ao tratamento foram registrados em três (3%) de 111 pacientes no grupo 177Lu-Dotatate. Dois (2%) pacientes tratados com 177Lu-Dotatate desenvolveram síndrome mielodisplásica e um deles morreu 33 meses após a randomização, a única morte relacionada ao tratamento. Nenhum novo caso de síndrome mielodisplásica ou leucemia mieloide aguda foi relatado nesta análise.
Ausência de impacto significativo em sobrevida global deve ser interpretada com cautela
Por Duilio Rocha Filho, chefe do Serviço de Oncologia Clínica do Hospital Universitário Walter Cantídio (UFC-CE) e membro da diretoria do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG)
O estudo NETTER-1 é um marco no tratamento dos tumores neuroendócrinos de midgut. Os autores mostraram de forma clara o aumento da SLP em pacientes com TNE tratados com 177Lu-Dotatate após falha a análogo da somatostatina. A ausência de impacto significativo em sobrevida global deve ser interpretada com cautela. A análise de sobrevida neste tipo de tumor indolente é desafiadora devido à sobrevida longa, ao crossover com o tratamento experimental e ao uso de opções terapêuticas subsequentes. De fato, 36% dos pacientes no grupo controle receberam 177Lu-Dotatate ao longo do curso da doença.
Após um tempo mediano de seguimento de mais de 6 anos, a baixa incidência de síndrome mielodisplásica no braço tratado com 177Lu-Dotatate e a ausência de diferença na função renal entre os braços reforçam a segurança em longo prazo do tratamento experimental.
A análise de subgrupos do estudo NETTER-1 traz informações importantes. Em particular, observa-se um aumento de sobrevida com 177Lu-Dotatate nos doentes com KPS ≤80%, mas não nos doentes com melhor performance status. O dado pode ser interpretado como um indício de que pacientes com expectativa de vida mais curta poderiam ter maior benefício do 177Lu-Dotatate, um tratamento claramente ativo e de baixa toxicidade.
Diversas questões permanecem em aberto após o estudo NETTER-1. A evidências para o uso de radioisótopos em tumores grau 3, de origem pancreática ou em combinação com quimioterápicos são de nível mais baixo, e o melhor sequenciamento das estratégias de tratamento permanece em investigação. Ademais, o uso do PET com DOTATOC-Ga68 como método de seleção de candidatos a 177Lu-Dotatate, algo amplamente usado na prática clínica, não foi explorado no estudo NETTER-1.
Ainda que a diferença de 11,7 meses em sobrevida mediana em favor do 177Lu-Dotatate não tenha atingido significância estatística, o ganho em SLP e em qualidade de vida e a segurança encontrada com o longo tempo de seguimento asseguram ao 177Lu-Dotatate um papel de destaque no algoritmo de tratamento dos tumores neuroendócrinos.
Este estudo está registrado na ClinicalTrials.gov: NCT01578239.
Referência: Strosberg JR Caplin ME Kunz PL et al.177Lu-Dotatate plus long-acting octreotide versus high-dose long-acting octreotide in patients with midgut neuroendocrine tumours (NETTER-1): final overall survival and long-term safety results from a randomised, controlled, open-label, phase 3 trial. Lancet Oncol. 2021; (published online Nov 15.) https://doi.org/10.1016/S1470-2045(21)00572-6