As oncologistas Maria Del Pilar Estevez Diz e Juliannne Maria da Silva Lima, do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA), comentam alguns destaques do ECC2015. Entre os temas estão o uso de inibidores da PARP em tumores com deficiência de recombinação homóloga; o uso estendido de bevacizumabe em câncer de ovário; exames de imagem no diagnóstico de recidiva/progressão em câncer de ovário resistente a platinas; e a relação entre PD-L1 e sobrevida em câncer de colo uterino.
Individualizando o uso de inibidores de PARP no Câncer de Ovário
A indicação de inibidores de PARP (iPARP) é motivo de debates em câncer de ovário quimiorrefratário. Tumores com deficiência de recombinação homóloga (DRH) apresentam perda de heterozigosidade genômica (PHG), de maneira dependente ou não de mutações deletérias em BRCA 1/2 e esse fenótipo genômico parece se beneficiar mais do uso de iPARP.
O estudo ARIEL2 (Parte 1) é um estudo de fase II, prospectivo, desenhado para identificar respondedores ao iPARP rucaparibe a partir da avaliação do status BRCA e análise de PHG. Foram recrutadas pacientes com carcinoma de ovário seroso de alto grau e carcinoma de ovário endometrioide de alto grau, sensíveis a platina, com doença mensurável por RECIST, em 3 subgrupos com DRH: BRCA mutado (BRCAmut), BRCA selvagem/PHG de alta frequência (BRCA-like) e BRCA selvagem/PHG de baixa frequência (biomarcadores negativos). O objetivo principal foi avaliar sobrevida livre de progressão (SLP) após início de tratamento com rucaparibe.
Foram tratadas 204 pacientes entre 31 e 86 anos, 96% carcinoma seroso de alto grau, sendo que 43% recebeu anteriormente pelo menos dois regimes de tratamento. Foi observado aumento significativo de SLP com rucaparibe em pacientes com perfil BRCAmut e BRCA-like em relação ao perfil de biomarcadores negativos (p<0,001). Eventos adversos foram identificados em cerca de 15% dos casos, geralmente efeitos colaterais de baixo grau. Os mais comuns foram náusea, fadiga, elevação transitória das transaminases, hiporexia, vômito, constipação, anemia e diarreia. A taxa de resposta foi cerca de 80% em BRCAmut.
Os autores concluíram que o uso do rucaparibe foi efetivo e bem tolerado em pacientes com carcinoma de ovário seroso de alto grau e deficiência da recombinação homóloga, sendo observada robusta atividade clínica em pacientes BRCAmut e BRCA-like.
O estudo integrou o papel do biomarcador no desenho e pela primeira vez tentou demonstrar a ação de iPARP em pacientes BRCA selvagem com perfil genômico de DRH. A Parte 2 do estudo ARIEL2 está em andamento.
Uso prolongado de bevacizumabe “front-line” em câncer de ovário
O uso prolongado do bevacizumabe “front-line” em câncer de ovário parece aumentar modestamente a sobrevida livre de progressão (SLP) sem comprometer a segurança dos pacientes, mas com aumento da frequência de efeitos colaterais.
O estudo ROSiA foi um estudo de braço único que avaliou a segurança e eficácia do uso de terapia com carboplatina, paclitaxel e bevacizumabe (Bev) “front-line” em câncer de ovário metastático ou com características de alto risco, com uso prolongado do bev por tempo maior que nos estudos ICON7 e GOG218. Foram incluídas 1021 pacientes de 35 países com câncer de ovário recém diagnosticado de alto grau, ou que haviam recebido quimioterapia neoadjuvante, FIGO IIB-IV ou alto grau FIGO I-IIA, sem contraindicações ao uso do bev.
As pacientes receberam bev 15mg/kg (ou 7,5mg/kg) a cada 3 semanas por 4-8 ciclos com carboplatina e paclitaxel após cirurgia citorredutora. Bev monodroga foi continuado até a progressão ou por mais de 24 meses. O objetivo principal foi segurança (CTCAE v4.03) e o objetivo secundário foi SLP (avaliada por RECIST ou deterioração clínica). Bev foi administrado por > 1 ano em 62% das pacientes e por > 2 anos em 29% das pacientes. O seguimento mediano foi de 32 meses.
Os eventos adversos mais comuns em todos os graus foram hipertensão (55%), neutropenia (49%) e alopecia (43%). Eventos graus ≥3 ocorreram em 67% das pacientes, mais comumente neutropenia (27%) e hipertensão (25%, iniciando em 63% antes dos 6 primeiros meses de uso). Proteinúria grau 3 foi reportada em 4% das pacientes e a incidência de perfuração gastrointestinal foi 1.4%. A mediana de sobrevida livre de progressão foi de 25.5 meses (IC 95% 23.7-27.6) na população global do estudo e 18.3 meses na população de alto risco. A taxa de resposta avaliada por RECIST foi de 73%, com resposta completa detectada em 25%, e a mediana de duração da resposta de 18.2 meses. Os dados de sobrevida global não estão maduros.
Os autores concluíram que o perfil de segurança do uso prolongado de bev foi semelhante ao reportado nos estudos ICON7 e GOG218, exceto pelo aumento de neutropenia, proteinuria e hipertensão. A SLP encontrada no ROSiA foi maior que nos dados do ICON7 e os autores sugerem que o tempo prolongado de uso do bev 15mg/kg pode melhorar a SLP sem comprometer a segurança. O estudo BOOST está em andamento com o objetivo de testar essa hipótese.
Tomografia Computadorizada (TC) é mais sensível que Ca125 na detecção de progressão em câncer de ovário resistente à platina
Foi avaliada a concordância entre progressão de doença (PD) por Ca125 e por RECIST em uma base de dados do AURELIA, um estudo de fase III randomizado que avaliou a adição de bevacizumabe à quimioterapia (QT) em pacientes com câncer de ovário resistente à platina. Foram randomizadas 361 pacientes para QT com adição de bev. A avaliação radiológica era realizada a cada 8 semanas, e a dosagem sérica de Ca125 era realizada a cada 3-4 semanas.
218 pacientes foram elegíveis para a análise. Um total de 124 pacientes (57%) não mostravam PD por Ca125, mas apresentavam PD radiológica por RECIST (58% no braço QT e 55% no braço QT e Bev, p=0.6). Entre estas, 26% apresentavam elevação do Ca125 sem configurar PD pelos critérios de GCIG, e 21% apresentavam diminuição de Ca125 apesar de PD radiológica. Não houve diferença estatística entre as características relativas a subtipos histológicos, quimioresistência primária ou secundária, tumores >5cm ou <5cm, presença ou não de ascite ou entre pacientes que progrediram por RECIST e marcador e aquelas que progrediram apenas por RECIST. Entretanto, o Ca125 mostrou-se menos sensível na detecção de PD precoce por RECIST (69% não preenchiam critério de PD por Ca125), do que naquelas com PD tardia após 8 semanas da randomização (53%, p=0.053).
Os autores concluíram que na maioria da população resistente à platina, a progressão da doença pode ser detectada mais precocemente por imagem e menos por Ca125, independentemente do tratamento com bevacizumabe. Os autores concluíram ainda que esses achados necessitam de confirmação em estudos futuros, mas sugerem acompanhar as pacientes baseando-se em seguimento por imagem, especialmente em caso de sintomas.
Relação entre expressão de PD-L1 e sobrevida em pacientes com Câncer de Colo Uterino tratadas com quimioradioterapia
A expressão de PD-L1 (programmed cell death-ligand 1) tem sido reconhecida como um biomarcador de mau prognóstico em outros tumores, assim como marcador preditivo de resposta a agentes bloqueadores da via de ligação PD-L1:PD-1. Esse estudo avaliou a expressão de PD-L1 em pacientes com câncer de colo uterino e sua relação com o desfecho clínico após tratamento com quimioradioterapia (QRT). Foram avaliadas 164 pacientes com câncer de colo uterino localmente avançado tratadas com QRT baseada em cisplatina em uma única instituição. 43% das pacientes da amostra foram classificadas com FIGO II, sendo 87% carcinoma escamoso. A mediana de tamanho do tumor foi de 5cm.
A mediana de seguimento foi de 5 anos e a expressão de PD-L1 pôde ser avaliada adequadamente em 73% dos casos. A maioria (67%) dos tumores expressou PD-L1, tipicamente em membrana celular. O status de expressão de PD-L1 foi definido em percentis 25, 50 e 75%, mas não houve associação com sobrevida livre de progressão (HR 0.98, p=0.92) ou sobrevida global (HR=0.98, p=0.95). Os autores concluíram que nesta coorte de pacientes a maioria dos tumores expressava PD-L1 pré-tratamento, mas esta avaliação não mostrou correlação com o desfecho de sobrevida.
É possível que o estudo dos checkpoints imunes traga outras perspectivas de tratamento para pacientes com câncer de colo uterino, mas o emprego dessa associação e de drogas-alvo relacionadas deve ser considerado apenas em contexto experimental.
Autoras: Maria Del Pilar Estevez Diz é oncologista clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital Sírio Libanês, membro do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA);
Juliannne Maria da Silva Lima é residente de oncologia clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), membro do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA).