Estudo publicado no periódico The Breast buscou determinar o potencial efeito cardiovascular do tamoxifeno e dos inibidores de aromatase em mulheres idosas com câncer de mama. Rodrigo Batista Rocha (foto), cardio-oncologista na Rede D'OR Hospital São Luiz Anália Franco, analisa os resultados.
A seleção dos pacientes foi através de uma base de dados de saúde nacional da Coréia do Sul, o National Health Insurance Service (NHIS), base de dados que abrange o sistema de saúde com cobertura universal no país. Foram selecionados pacientes com CID-10 para neoplasia de mama maligna a partir de 2009 e pacientes sem histórico de síndrome coronariana ou acidente vascular encefálico antes do diagnóstico de neoplasia maligna de mama.
Também foram incluídos pacientes com dados de saúde disponíveis para o estudo como histórico familiar, diabetes, dislipidemia e hipertensão arterial sistêmica, assim como pacientes em que era possível o seguimento por 5 anos a partir do diagnóstico do câncer.
Os eventos cardiovasculares foram determinados a partir de diagnósticos de síndrome coronariana aguda, acidentes vasculares encefálicos isquêmicos (AVCi) e hemorrágicos (AVCh). Além da busca baseada no CID, os pacientes também eram incluídos se houvesse intervenção como angioplastia coronária ou cirurgia de revascularização.
O follow-up foi realizado a partir do diagnóstico da neoplasia até dezembro de 2016; a sobrevida livre de eventos foi definida como o intervalo entre a data do diagnóstico da neoplasia de mama maligna e a data do evento cardiovascular. A incidência de eventos foi analisada pelo método Kaplan-Meier, e a regressão proporcional de COX foi utilizada para a análise de multivariáveis.
Resultados
De um total de 204,856 mulheres com diagnóstico de neoplasia maligna de mama, 47,569 foram selecionadas após exclusão de pacientes com idade inferior a 55 anos, que apresentavam informações incompletas nos registros, além daquelas em que não foi possível realizar follow up de 5 anos. De acordo com o tratamento hormonal, os pacientes foram divididos em 4 grupos: grupo sem uso de bloqueadores hormonais (n= 18.807); grupo switch, com tratamento modificado durante o seguimento (n= 2097); grupo tamoxifeno (n=7081); e grupo inibidores de aromatase (n=19.584).
Durante o seguimento de 5 anos ocorreram 2146 eventos cardiovasculares em 2032 pacientes, uma taxa cumulativa de 4,1%. AVCi foi o evento mais identificado, seguido de síndrome coronariana aguda e por último AVCh. A sobrevida livre de eventos mostrou que o grupo tamoxifeno teve menores taxas de eventos em comparação com os pacientes do grupo sem uso de bloqueadores hormonais. Não houve diferença na sobrevida livre de eventos no grupo inibidores de aromatase ou grupo switch em comparação com os pacientes do grupo sem terapia hormonal.
Na análise multivariada, os fatores de risco cardiovasculares independentes nas pacientes com neoplasia maligna de mama foram idade, diabetes, hipertensão arterial sistêmica e histórico familiar de AVC e hipertensão. O uso do tamoxifeno foi significativamente associado a menor risco de desenvolver eventos cardiovasculares, com uma redução de risco de 36% de desenvolver síndrome coronariana aguda (p= 0.002, HZ 0.630, 95% I.C. 0,472-0,841). Os inibidores de aromatase não mostraram efeitos significativos nos eventos cardiovasculares. Em comparação com o grupo sem tratamento hormonal, o grupo dos inibidores de aromatase mostrou tendência a ter um benefício nos eventos (p=0,041, HR 0,630, 95% I.C. 0,472 e 0,841).
Discussão
A terapia de bloqueio hormonal adjuvante no tratamento do câncer de mama receptores hormonais positivos reduz de forma significativa a recorrência da doença. Devido ao longo tempo em que essas medições são utilizadas, pelo menos 5 anos, é muito importante avaliar a segurança dessas medicações.
O tamoxifeno e os inibidores da aromatase (anastrozol, letrozol e exemestano) são as terapias hormonais utilizadas. A primeira é um modulador do receptor de estrogênio e tem efeito antagonista do tecido mamário, proporcionando menos hormônio às células neoplásicas, reduzindo assim a sua capacidade de proliferação. Em outros tecidos, como ósseo e no sistema cardiovascular, o tamoxifeno modula de forma agonista o estrógeno, resultando em efeitos de certa forma benéficos nesses locais.
Por outro lado, essa medicação está associada a um risco maior de tromboses e, no caso do útero, um risco maior de neoplasia de endométrio. Na pós menopausa, os inibidores de aromatase são os bloqueadores hormonais de escolha e mostram-se também bem tolerados em dois cenários diferentes, tanto em substituição ao tamoxifeno após 5 anos do seu uso ou antes, quando se faz o switch pelo inibidor de aromatase após 2-3 anos de uso do tamoxifeno.
A associação entre inibidores de aromatase e aumento de eventos cardiovasculares é descrita em algumas metanálises e série de casos, porém muitos estudos apresentavam definições distintas sobre eventos cardiovasculares, especialmente quando não era o objetivo primário do estudo. De fato, uma importante característica desse estudo foi justamente colocar como objetivo primário os eventos cardiovasculares, e o resultado foram dados diferentes dos estudos anteriores. É importante ressaltar que em relação a síndrome coronariana, os eventos também foram definidos em pacientes submetidos a procedimentos como angioplastia e revascularização do miocárdio.
Um dado interessante o efeito protetor na redução de risco em síndrome coronariana aguda no grupo tamoxifeno, o que não foi observado comparando AVCi ou AVCh. Outros dados revelados pelo estudo, usando análise multivariada, foram os fatores de risco cardiovasculares independentes nas pacientes com neoplasia maligna de mama. Esses fatores foram idade, diabetes, hipertensão arterial sistêmica e histórico familiar de AVC e hipertensão. Mesmo após esses ajustes, o tamoxifeno continuou sendo associado a redução de eventos cardiovasculares. Esse mesmo efeito não foi visto com os inibidores de aromatase; porém, a importância do estudo foi mostrar que não houve aumento em eventos cardiovasculares com o seu uso, conforme sugeria metanálises e relato de casos prévios.
Entre as limitações do estudo estão a coorte retrospectiva, devido à confiabilidade dos dados a partir de registros. Além disso, os dados eram de pacientes que realizavam consultas médicas pelo menos regulares, o que pode levar a um viés de seleção. O tabagismo não constava nas informações das bases de dados, o que poderia influenciar os resultados.
Sabemos que eventos cardiovasculares são a principal causa de morte em mulheres que permanecem livre da doença. Apresentar uma evidência de que a terapia com tamoxifeno pode ser benéfica em eventos cardiovasculares em um grupo de mulheres idosas e que, conforme devidamente indicado, trocar o tamoxifeno por inibidores de aromatase não aumenta o desfecho cardiovascular, é bem animador. Especialmente nessas mulheres idosas, devemos enfatizar a importância em manter um estilo de vida saudável, a avaliação cardiológica ou cardio-oncológica regular visando identificar fatores de risco não compensados, o tratamento conforme indicado e o planejamento de seguimento durante e após a quimioterapia e radioterapia, reduzindo o risco de cardiotoxicidade. Toda essa abordagem visa, principalmente, a sobrevida das pacientes com a melhor qualidade possível, e a cardio-oncologia é grande aliada nessa meta.
Referência: Sung Hyouk Choi, Kyoung-Eun Kim, Yujin Park, Young Wook Ju, Ji-Gwang Jung, Eun Shin Lee, Han-Byoel Lee, Wonshik Han, Dong-Young Noh, Hyung-Jin Yoon , Hyeong-Gon Moon. Effects of tamoxifen and aromatase inhibitors on the risk of acute coronary syndrome in elderly breast cancer patients: An analysis of nationwide data in The Breast 2020 Aug 19;54:25-30. doi: 10.1016/j.breast.2020.08.003