Onconews - Controvérsias no glioma difuso de baixo grau

A gestão do glioma difuso de baixo grau (GDBG) permanece controversa. As diretrizes europeias e americanas atualmente recomendam a ressecção como primeira opção terapêutica. No entanto, a vigilância ativa pode ser considerada para pacientes selecionados. A compreensão crescente da biologia do GDBG traz a expectativa de que assinaturas biológicas venham ajudar a distinguir subgrupos moleculares e predizer o impacto sobre extensão e tempo de progressão do tumor. Em relação à quimioterapia, o estudo RTOG 9802 mostrou que o esquema PCV administrado após a radioterapia aumenta a sobrevida global nos pacientes de alto risco, em diferentes subtipos histológicos (astrocitomas, oligoastrocitomas e oligodendrogliomas).  Este estudo parece estabelecer um novo paradigma de tratamento em pacientes acima dos 40 anos ou não completamente ressecados. Coloca também em xeque a prática de se adiar a radioterapia em pacientes com este perfil. Embora a temozolomida seja uma droga ativa, estudo de fase III que compara radioterapia e temozolomida em gliomas de baixo grau não sugere superioridade da quimioterapia sobre a radioterapia.

{jathumbnail off}Duffau e colegas publicaram recentemente uma abrangente e interessante revisão a respeito de vários aspectos relativos aos gliomas difusos de baixo grau (GDBG) que, que de modo geral, sugere uma atitude mais proativa em contraste com a atitude predominante até alguns anos atrás de vigilância ativa e decisões de tratamento baseadas mais em preferências individuais e fatores prognósticos. Os autores favorecem uma abordagem mais proativa especialmente no tocante à ressecção cirúrgica, reflexo do trabalho desenvolvido por este grupo nas últimas duas décadas.

A gestão do GDBG permanece controversa. O papel da vigilância ativa carece de evidências consistentes, assim como há uma série de dúvidas no cenário cirúrgico e pós-cirúrgico. Historicamente, a abordagem do “watch and wait” tem sido empregada muito mais baseada na história natural da doença, em geral insidiosa, e menos na ausência de evidências favorecendo terapias ativas.

Em relação à neurocirurgia, nota-se nas últimas duas décadas uma tendência mais intervencionista, graças a avanços nas técnicas cirúrgicas e anestésicas, como a cirurgia com o paciente acordado e testes neuropsicológicos em tempo real, monitorização eletrofisiológica e ressonância magnética intraoperatórias, apenas para citar alguns.

Estes avanços têm tornado as cirurgias mais seguras e em muitos casos permitido a ressecção mais ampla dos tumores. Os autores defendem não apenas a abordagem proativa no tocante à ressecção cirúrgica. Baseados nos conceitos em parte desenvolvidos por este grupo, favorecem uma abordagem cirúrgica neurofuncional em detrimento da anatômica, baseada no mapeamento funcional intraoperatório em detrimento de métodos anatômicos (neuronevegação e RM intraoperatória).

Em determinados casos, defendem o conceito da ressecção supratotal, em cima de fronteiras funcionais e não anatômicas. O racional para esta conduta se baseia no fato de que a imagem tumoral é apenas a “ponta do iceberg” e que estudos derivados de autópsia mostram a presença de células tumorais até a 2,0 cm da imagem. Assim, postulam que o mapeamento intraoperatório e a ressecção até fronteiras funcionais podem estar associados a menores resíduos tumorais pos-operatórios, melhores resultados funcionais, além de sobrevida livre de progressão maior e taxas de transformação inferiores. Embora existam evidências que suportam esta proposta, estão longe de ser conclusivas.

Estudos retrospectivos têm sugerido uma correlação entre ressecções mais amplas, melhor sobrevida e menor taxa de progressão histológica. As diretrizes européias e americanas atualmente recomendam a ressecção como primeira opção terapêutica. No entanto, a vigilância ativa pode ser considerada para pacientes selecionados.

A compreensão da biologia do GDBG também cresceu, trazendo a expectativa de que assinaturas biológicas venham ajudar a distinguir subgrupos moleculares e predizer o impacto sobre extensão e tempo de progressão do tumor. Infelizmente, isto ainda não se concretizou, embora importantes marcadores moleculares sejam conhecidos pelo impacto prognóstico e possivelmente preditivo (mutação de IDH1 e 2, p53 e deleção de 1p19q), que hoje podem ser analisados por técnicas já comercialmente disponíveis. Algumas propostas de classificação chegaram a ser publicadas, mas ainda aguardam validação. Não há evidências ainda para utilizar estes marcadores para a seleção de pacientes para tratamento ou para vigilância ativa.

Em relação às modalidades não cirúrgicas, a radioterapia alimenta controvérsias. Não há dúvida de que esta é uma modalidade ativa e importante. Entretanto, o melhor momento para iniciá-la é controverso, especialmente devido ao temor de prejuízo cognitivo nestes pacientes, em geral adultos entre a terceira e a quinta década de vida. A questão de quanto prejuízo cognitivo está associado ao tratamento radioterápico e em que domínios parece longe de estar bem compreendida.  Estas questões são de difícil resposta, pois é muito difícil de se isolar o efeito deletério da radioterapia do efeito deletério potencial de outros fatores, como a progressão tumoral, medicações antiepilépticas, para citar alguns.

Por fim, em relação à quimioterapia, segundo o estudo RTOG 9802 citado pelos autores, a quimioterapia com o esquema PCV (procarbazina, vincristina e lomustina) administrado após a radioterapia mostrou importante incremento da sobrevida global nos pacientes de “alto risco” (pacientes com mais de 40 anos ou sem ressecção macroscópica completa) comparado com a radioterapia. Importante frisar que 70% dos pacientes tratados inicialmente com radioterapia isolada receberam quimioterapia em uma fase posterior. A análise de subgrupos mostrou que o benefício do tratamento combinado não parece restrito a subtipos histológicos específicos (astrocitomas, oligoastrocitomas e oligodendrogliomas). Embora ainda não publicado, este estudo parece estabelecer um novo paradigma de tratamento para estes tumores, em pacientes acima dos 40 anos ou não completamente ressecados. Coloca também em cheque a prática de se adiar a radioterapia em pacientes com este perfil. Embora a temozolomida seja uma droga ativa, neste momento em vista destes resultados parece relegada a um eventual resgate. Estudo de fase III que compara radioterapia e temozolomida em gliomas de baixo grau não sugere superioridade da quimioterapia sobre a radioterapia.  
 
Autor:
Olavo Feher
 - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. - neuro-oncologista e membro da Sociedade Latino-Americana de Neuro-Oncologia (SNOLA)

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Referências: Much debated controversies of diffuse low-grade gliomas
Gelareh Zadeh, Osaama H. Khan, Michael Vogelbaum, and David Schiff
http://neuro-oncology.oxfordjournals.org/content/17/3/323.full.pdf+html
Neuro-Oncology 17(3), 323–326, 2015 doi:10.1093/neuonc/nou368